Os Guardiões do Véu escrita por Moonchan


Capítulo 20
Dezesseis - E eu nasci para me foder.


Notas iniciais do capítulo

Olá! Aqui o novo capítulo que vocês estavam aguardando!
É, acho que com certeza vários de vocês vão ficar chocados.
Eu gostaria de dedicar esse capítulo a Nalamin, pela recomendação que ela me deu!
Muito obrigada! Eu realmente não estava esperando, espero que continue gostando da história!
E vocês também!
https://letras.mus.br/metallica/25919



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We are scanning the scene in the city tonight
We are looking for you to start up a fight
There is an evil feeling in our brains
But it is nothing new, you know it drives us insane

Running on our way
Hiding, you will pay
Dying, one thousand deaths
Running on our way
Hiding, you will pay
Dying, one thousand deaths

Searching, seek and destroy

Metallica - Seek and destroy

Micaela disse que não me daria uma aula de história e política ou sobre o que era e como funcionava a Yakuza – o nome da “Organização” – ; isso, de acordo com ela, eu aprenderia em uma das aulas ou sozinha. No início fiquei decepcionada, mas Micaela disse o que eu precisava ouvir: ela me deu esperança.

Segundo ela, a Yakuza era uma organização governada por treze famílias, que descendiam e continham o sangue-puro dos primeiros guardiões: os primeiros a serem encarregados de manter a paz, tendo o dever de proteger o véu e os humanos e passando-o de geração a geração. Os guardiões possuíam afinidade com vários elementos, mas apenas os sangues-puros conseguiam controlar os elementos primários: água, fogo, terra e ar.

Existiam três maneiras de ver através do véu: nascendo de uma família de guardiões; sendo um mestiço, uma mistura de youkai com humano, humano com guardião ou guardião com youkai; ou sendo um escolhido, o que não queria dizer uma coisa boa, porque, de acordo com Micaela, você nascia em uma família humana aleatória, sem saber o que era, por isso muitos morriam cedo perseguidos por demônios ou eram taxados como loucos.

Youkais eram monstros que se alimentavam tanto da alma quanto da carne humana. Por isso proteger o véu era tão importante: quando encontravam uma brecha, matavam dezenas.

Micaela nos deixou absorver as informações por alguns minutos, então levantou-se, fazendo-me perceber que ela era ainda mais alta do que havia imaginado, mas, longe de ser desengonçada, a diretora movia-se com a graça de uma bailarina.

– Vamos, eu vou levá-los até Daphine, nosso oráculo – falou.

Como em uma cena clichê de filme antigo, ela caminhou até uma das estantes cheias de livros, escolheu um entre eles e puxou-o. No mesmo instante uma das estantes deslizou para o lado, liberando o acesso a uma escada que descia para algum lugar. Olhei para Michi desconfortável e com medo de que podiam estar nos sendo enganando. A diretora percebeu a minha hesitação, então rolou os olhos por baixo dos óculos:

– Você pode não acreditar em nós, Ally. Pode sair por aquela porta e não voltar nunca mais. Faça o que quiser, não iremos te impedir, mas, querida, você quer mesmo voltar para aquela vida? Se você descer comigo por essas escadas, teremos uma resposta para quem você é... – Senti seus olhos se demorarem pelas cicatrizes nos meus braços. – E te prometo uma coisa: você nunca mais será uma garotinha indefesa.

Voltei a olhar para Michi ao meu lado, ele me deu um aceno com a cabeça. Então levantei-me ao mesmo tempo que ele, peguei sua mão e segui a mulher estranha escada abaixo, com Ethan ao nosso encalço.

*****

O lugar para onde a escada nos levou era uma sala vazia, livre de móveis, com as paredes em um tom de azul e o piso de mármore negro. No meio havia uma espécie de abertura, onde estava o Oráculo ou ao menos o que eu achava ser: metade do seu corpo estava escondido, provavelmente nos andares inferiores.

Quando Micaela disse “oráculo”, Daphine não era bem o que eu tinha em mente, já que eu sempre associei oráculos à mitologia grega.

O Oráculo parecia um fantasma gigante: devia ter cerca de dez metros de altura e era completamente branco. Daphine parecia uma estátua de mármore, algo que poderia ter sido feito por Corradini de tão perfeita que era. Usava um vestido que se assemelhava à uma túnica grega, o cabelo preso e escondido por uma coroa enorme. As feições eram angelicais e quando ela abriu seus olhos, mostrou-nos que até mesmo eles eram completamente brancos.

Dessa vez eu sabia que a sensação de ser observada por uma estátua era real. Ela sorriu pra mim e, por mais impossível que isso possa ser, Daphine pareceu incrivelmente doce quando o fez.

– O que você trouxe-me hoje, Micaela? – perguntou ela e sua voz é gentil e serena.

Então Micaela deu uma risada e se aproximou de Daphine, encostando-se contra o parapeito que cercava a abertura.

– Eu espero que você me diga, Daphine, querida. – Ela tragou seu cigarro antes de continuar. – Aparentemente nasceram numa família normal, a garota foi diagnosticada com esquizofrenia desde sempre e o garoto começou a ver recentemente.

– Entendo – falou novamente o Oráculo. Então virou-se para mim e Michi. – Como vocês se chamam, crianças?

– Meu nome é Allicia Boa Ventura e esse é o meu irmão, Michael.

– Eu sou Daphine, o Oráculo. Agora qual dos dois será o primeiro a vir até mim?

– Eu vou – disse Michael soltando-se do meu aperto.

– Michael! – exclamei segurando-o pelo braço.

– Você não pode me proteger para sempre, Ally – disse ele encarando-me.

– Eu não quero que você se machuque... Eu não suportaria – falei a última parte o mais baixo que pude, quase como um sussurro.

– Eu não vou machucar seu irmão, Allicia. Você tem a minha palavra. – Daphine trouxe sua mão até onde estávamos.

Eu não queria deixar meu irmão ir para a estátua viva gigante antes que tivesse certeza que era seguro, mas o pestinha se soltou do meu aperto e correu para a mão dela.

Observei ela levantar meu irmão até a altura de seus olhos. Se tem algo que eu admirava no meu irmão caçula era a sua coragem: eu sabia que quando fosse a minha vez teria que me controlar para não gritar quando ela me levantasse. Acho que a essa altura vocês já se familiarizaram com meus problemas com altura.

– Você não precisa ter medo – disse ela para ele.

– Eu não estou. – Escutei a voz do meu irmão, baixa, mas firme.

O Oráculo sorriu.

– Acho que não está mesmo. Agora, Michael, eu vou entrar dentro da sua mente. Verei o que você é, o que você já foi e o que um dia poderá vir a ser. Está preparado?

Meu irmão acenou, então Daphine aproximou seu rosto ao dele: seus olhos estavam focados nos do meu irmão e, por um momento, era como se eles entrassem em transe. No silêncio do cômodo, eu não ousava respirar direito, senti como se demorasse séculos; vi meu irmão ficar branco como papel, mas nada parecia tirá-lo de seu torpor. Até que Daphine se afastou dele e eu assisti meu irmão perder o equilíbrio e cair na palma da mão dela, seus olhos voltaram a se focar e ele olhou para mim, dando-me um sorriso cansado.

– Não grite, Ally, eu estou bem!

– Eu disse que não o machucaria – falou o oráculo, trazendo sua mão até o chão para que meu irmão pudesse descer.

Michi desceu, cambaleando um pouco, mas fora isso parecia bem.

– E? – perguntou Micaela, soltando a fumaça de uma tragada.

Daphine deu um meio sorriso.

– Ele é um Dominador, Micaela.

A diretora soltou uma gargalhada.

– Pelo visto a sua colheita foi farta, Ethan. – Então ela voltou-se para mim, séria. – Sua vez.

Eu não perguntei o que ela queria dizer com "Dominador" e nenhuma das duas fez menção de explicar, mas, depois de ver o que meu irmão havia feito na escola, podia imaginar o que era.

– Venha comigo, criança – disse Daphine para mim, estendendo sua mão.

Eu subi, fechando os olhos quando ela começou a me levantar. Um frio enorme me inundou até a alma quando ela parou a mão na altura de seus olhos: se era o medo de cair ou dela não poderia dizer.

– Verei o que você é, o que você já foi e o que um dia poderá vir a ser. – repetiu o que havia dito para Michi. – Você está pronta?

– Não – respondi, mas abri os olhos e olhei diretamente para ela.

Esperei pelo torpor, mas ele não veio. Nada vinha. Então ela olhou para mim, com pesar no olhar.

– Eu sinto muito, Ally, mas temo dizer que isso vai doer.

– O quê? – perguntei, antes de mergulhar na dor mais intensa que já tinha sentido em toda minha vida.

Parecia que minha cabeça iria explodir. Era como se fogo corresse pelas minhas veias e tudo queimasse. Eu sentia os gritos escaparem da minha boca, deixando minha garganta dolorida. Era como se alguém tentasse arrancar meu cérebro. Uma enxurrada de memórias passou por mim, muitas das quais eu nem me lembrava: minha mãe indo embora, o que realmente tinha acontecido na casa fantasma... Descobri que ter uma memória de volta significava revivê-la e, por um tempo que pareceu infinito, eu revivi todo o terror da casa fantasma.

Quando achei que não iria mais suportar, senti Daphine deixar a minha mente. Caí em sua mão sem força alguma para me mover ou gritar, apenas fiquei lá, olhando para o teto e tentando respirar, mas meus pulmões pareciam em chamas. Por alguns minutos o som da minha respiração foi tudo que ouvi. Ninguém ousou dizer uma palavra.

Olhei para o lado e vi Ethan segurando meu irmão para que não viesse até mim.

– Eu sinto muito – disse Daphine. – Isso não era para acontecer.

– Você mentiu – respondi sem fôlego.

– Não. Você tinha barreiras... Alguém colocou proteções em você e eu precisava quebrá-las.

– Eu poderia ter morrido.

– Eu não deixaria isso acontecer.

– Você descobriu algo que fizesse isso valer a pena? – perguntei, juntando minhas forças para sentar na palma de sua mão.

– Sim.

Ela olhou de mim para Ethan e então para Micaela, que parecia bem interessada em sua resposta.

– Nós a encontramos, senhora. Encontramos a blessed.

Micaela teve uma crise de risos. Enxugando as lágrimas que surgiam no canto dos olhos, Micaela aproximou-se de mim.

– Está melhor?

Ela encarou-me e eu acenei com a cabeça, saindo da mão da estátua.

– Ótimo, eu quero ficar a sós com Daphine por um momento. Ethan, leve-a ao meu escritório e me espere lá.

No mesmo instante Ethan veio até mim, com Michael em seu encalço, e fez algo que eu não esperava: pegou-me em seu colo, me aninhando em seu peito como se fosse uma criança. Eu senti minhas bochechas queimando.

– Isso não é necessário, Ethan!

– Não discuta – disse com a voz cheia de autoridade.

Eu não tive coragem de falar nada depois disso, escondi minha cabeça em seu peito pra que ele não visse o quão vermelha eu estava.

Nós subimos a escada em silêncio, com a esperança de que pudéssemos escutar algo da conversa de Micaela, mas tudo que ouvimos foi o silêncio absoluto. Quando chegamos à sala, Ethan me deitou em um sofá de couro marrom que ficava ao lado da porta de entrada. Meu irmão me abraçou assim que Ethan se afastou.

– Eu estava com tanto medo do que ia acontecer com você. – Ele disse sem me soltar. – Quando você começou a gritar foi como se estivessem te queimando viva, Ally. E seus olhos... Ally, eles estavam laranjas!

– Eu estou bem agora – disse abraçando-o mais forte.

Sentei no sofá e o puxei para o meu lado, ainda mantendo um braço ao seu redor. Virei, então, para Ethan.

– O que é um Blessed?

Ele ficou branco como papel.

– Isso é algo além da minha jurisdição. Micaela é quem deve lhe explicar.

Suspirei.

– Você pretendia me contar sobre a casa?

Ele desviou o olhar e mexeu no cabelo, parecendo desconfortável.

– Eu não vou me sentir mal pelo que fiz. Meu trabalho é proteger humanos, de todas as formas que eu puder. Eu não sabia o que você era e se soubesse talvez tivesse feito a mesma coisa. Não gostaria de ver você sofrendo. Eu gosto de você, Ally, me sinto ligado a você de um jeito estranho e acho que agora sei o porquê.

– O que quer dizer com isso? – perguntei.

Antes que ele pudesse me responder, a porta se abriu e Will entrou com Havena no cômodo.

Provavelmente devia ter focado no semblante exausto de Havena, em seus machucados e em como estava mais pálida que um morto, mas quando olhei para ela só consegui pensar em como a vida era injusta e como uma garota que parecia tão esgotada conseguia continuar sendo tão bonita.

Ela sorriu para mim, a boca completamente branca. Uma onda de arrependimento pelos meus pensamentos me atingiu.

– Você está bem? – perguntei a ela.

– Eu vou ficar, e você?

– Eu vou ficar bem, também, eu acho.

– Vocês visitaram a Daphine?

– Sim... – respondeu Ethan lentamente, como se estivesse com algo entalado na garganta.

– E...? – Ela perguntou.

Ethan ficou em silêncio e então deu um suspiro.

– A mulher disse que sou uma Blessed. O que isso significa?

Havena me olhou com olhos arregalados e sua boca abriu em um "o" perfeito.

– Acho que não vou ter mais o trabalho de contá-los – disse Micaela, nos encarando do último degrau. A estante voltava ao seu lugar de origem enquanto ela caminhava até a sua cadeira. – Quer saber o que é um Blessed, querida? Eu te digo: qualquer coisa menos um abençoado de verdade. Bom... A benção não é sua, pelo menos.

A diretora acendeu outro cigarro.

– A cada geração nasce um Damned, uma criança encarregada de pagar pelos pecados dos guardiões. Não me pergunte como surgiu, eu não tenho ideia. O nosso Damned é o bonito garoto à sua direita. Diga "oi", Ethan. Supostamente, Blesseds são encarregados de ajudar a carregar o fardo dos Damneds, mas faz dois séculos que não entramos um. Nós nunca sabemos onde a criança nascerá, diferente do Damned que sempre nasce em uma família de sangue-puro. Agora, entenda: o sangue de um blessed pode curar qualquer ferimento físico, mesmo que só um pouco; aquele que beber até a última gota de seu sangue se torna indestrutível; aquele que comer da sua carne ganha imortalidade. Você pode ver por que tantos youkais te incomodavam, você só está viva hoje, porque alguém criou barreiras ao seu redor: essas barreiras te escondiam de youkais maiores, mas, em compensação, impediram que seus poderes aparecessem. Por isso você sentiu tanta dor quando Daphine entrou em sua mente, ela estava destruindo suas proteções.

Micaela deu um trago no seu cigarro.

– Vocês devem entender que o que foi dito nessa sala deve permanecer nessa sala. Ninguém deve saber que a blessed foi encontrada. Você não vai durar muito tempo se alguém souber disso.

Eu a encarei sem saber o que dizer, absorvendo tudo que ela tinha dito, enquanto as peças começavam a se encaixar em minha mente. Ela olhou para Michi.

– Você é um rapazinho bem especial, não é? – disse, levantando e indo para perto do meu irmão. – Quer saber o que é um dominador?

– Quero.

A mulher sorriu.

– Como o nome já diz, você tem a habilidade de dominar youkais. Você pode controlá-los, fazer com que eles façam o que você bem entender, mas tem uma restrição: você não poderá controlar nenhum elemento convencional. Dominadores só podem controlar trevas ou luz. Em todo o domínio da organização, não temos mais de 15 dominadores. – Ela encarou meu irmão, como se esperasse que ele dissesse algo, mas Michi permaneceu em silêncio, encarando-a com frios olhos negros. – Eu não vou enrolar vocês, está tarde, vocês estão cansados e eu estou cansada. Vocês vão morar aqui agora, lá fora não é mais seguro para vocês. Vocês assistirão as aulas e nós os ensinaremos o que vocês são: guardiões. Nós os ensinaremos a controlar seus poderes e a lutar; vocês nunca mais serão indefesos. Michael, você treinará com Evelyn, nossa outra dominadora. E Ally, você frequentará as nossas aulas, além de fazer treinos extras com Will, Havena e Ethan, que a propósito, agora será encarregado de te proteger. A ligação que vocês compartilham o torna a melhor opção. Havena, agora você tem um colega de quarto, dois na verdade.

– Mas... Senhora! – Havena protestou. – Você sabe o que eu sou, não seria uma boa ideia...

– Calada. Eu sei o que faço. Você é a pessoa mais capaz de protegê-los depois de Ethan. Confio em você.

– Obrigada, senhora.

– Agora, se vocês têm alguma pergunta, podem fazê-la para os seus novos companheiros de quarto. Fora todos. Quero ficar sozinha.


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Notas finais do capítulo

E ai? Como vocês estão?



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