Juntos Contra o Clichê escrita por VILAR


Capítulo 13
Feliz aniversário, querido sem noção – parte |


Notas iniciais do capítulo

Puts que pariola. Eu escrevi pra caramba.
Sinto cheiro de recorde? Exatamente.

Não gosto de dividir capítulos, mas não teve jeito. Só este está quilométrico!

Espero que se divirtam.
Beijos no coração de cada um ♥



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Todas as minhas mensagens foram ignoradas. O castigo de Sandra, mãe de Gabriel, firmou durante os três dias. A culpa tentou invadir meus pensamentos, mas logo desaparecia quando lembrava o parentesco dos dois. Primos. Ainda estou com dificuldades em acreditar.

Foram dias pacatos, embora longe de serem tediosos. Passei grande parte jogada no sofá com a minha madrinha enquanto assistíamos as gravações de sua novela favorita dos anos 90. Com certeza há inúmeras melhores que esta, mesmo que não tenha importado muito no fim, pois conversamos durante metade dos episódios. Tinha um nome estranho e uma história repleta de melodrama, mas que acabou tudo as mil maravilhas. Clichê é a melhor forma de seguir a vida, sempre dá certo.

Vez ou outra abria meu celular e comemorava a minha mais nova aquisição. Meus olhos nunca se cansavam do corpo de Leonardo. Conhecer outros lados dele na sexta também foi proveitoso; ver seu lado furioso e embaraçado em um único dia foi uma surpresa. Consegui uma vingança saudável para ele, por ter me importunado quando conheci seu abrigo, e para o Gabriel, que escondeu uma informação importantíssima mesmo sendo meu melhor amigo. Só tenho que ficar atenta para em quando eles darão o troco.

Na noite do terceiro dia, enquanto respondia algumas mensagens de Sandra, relembrei da sua informação sobre o aniversário do Leonardo que ocorreu há duas semanas. Indaguei-a sobre como tinha sido a comemoração e recebi a resposta que já imaginava. Ele dispensou todas as ideias que a tia sugeriu com a famosa frase “não gosto de nada disso”, digna de um antissocial gostosão de qualquer mangá romântico. Talvez ele tenha comemorado com os rapazes do grupo maluco; o que me leva a pensar se Sandra sabe sobre as brigas que seu sobrinho anda se metendo.

Depois de me ouvir suspirar por diversas vezes minha madrinha perguntou no que eu estava pensando tanto. Contei-a sobre o aniversário que passou de um dos meus amigos próximos e como estava me incomodando a frase dita por ele à tia. Todos gostam de comemorar o próprio aniversário, nem que seja apenas com os conhecidos mais íntimos.

— Ora, por que vocês não se organizam para dar uma festa surpresa para ele? – aconselhou sem tirar os olhos da televisão. – Assim não tem como ele recusar ou não comparecer. – logo o barulho das pipocas sendo trituradas em sua boca inundou o ar. Eu permanecia estática tentando processar a ideia da minha madrinha.

Genial. Simplesmente genial.

Levantei do sofá em um pulo e corri para o outro em que minha madrinha estava esparramada. Abracei-a aos beijos, enquanto ela tentava desviar. – Você é incrível, madrinha!

...

Em menos de meia hora recebi a mensagem de confirmação de Sandra, junto com diversos elogios pela iniciativa; ela estava tão animada quanto eu. Como ela ainda estava mantendo-o em cárcere privado me pediu para comprar tudo o que for necessário e amanhã à noite, quando a festa acontecerá, me reembolsará.

Estava planejando em como organizar tudo no mesmo dia da festa, porém minha madrinha desligou a televisão e partiu para seu carro velho, usando somente para guia-la até o trabalho. Demorou alguns minutos para chegarmos ao mercado, o trânsito, mesmo às 21h, nos pegou. Faltando poucos minutos para às 22h, decidimos parar no primeiro mercadinho que achamos. Não tínhamos ideia do que faremos para amanhã, o máximo que passou pela minha cabeça foi o bolo, então pegamos uma grande quantidade de ingredientes para tal. Poderíamos inventar alguma coisa com o que sobresse. O mercadinho vendia várias coisas misturadas, sendo divido em dois andares, era menor do que a casa da minha madrinha. Passando pelas seções para lembrar se havia mais alguma coisa que pudéssemos usar achei um tubo enrolado em papel vermelho com os dizeres ‘para festas’. Aproximei-me e percebi que era uma espécie de foguete com papel brilhante, famosos por animar os locais. Sorri.

Dava a última olhada pelo local enquanto o caixa computava todos os itens. No balcão havia algumas balinhas e atrás do jovem de olhos exaustos que agora empacotava os ingredientes tinha prateleiras de papelaria. Aqui realmente tem ‘de tudo um pouco’, fazendo jus ao nome. Ao encarar as cartolinas coloridas tive uma ideia para a decoração. Os itens carnavalescos comuns ainda estavam na parte da frente, pois restam dois dias para o carnaval acabar. Para finalizar, comprei dois pacotes de confetes e duas espuminhas.

A noite foi tumultuada. Assim que chegamos ajudei minha madrinha a preparar o tradicional bolo sabor chocolate, o que não tem riscos de desagradar ninguém. Era a minha primeira vez fazendo um bolo, as tarefas lá de casa relacionada às festividades sempre ficavam sob responsabilidade da minha irmã mais velha. Fui repreendida várias vezes em diversos sentidos; “não coloque tanto!”, “misture isso direito!”, “Sophie, pelo amor de deus, para de inventar coisas que não tem na receita!”.

Depois de perder de sete a um só para colocar todos os ingredientes em uma bacia e colocar na batedeira, estava na hora de relaxar por uma hora com ele dentro do forno. Peguei as cartolinas, as abri em cima da mesa e comecei a trabalhar assim que peguei o estojo que levo para a escola. Minha madrinha ficou encarregada de fazer a calda, também de chocolate, concordou que minha presença ali seria um atraso ainda maior. Concentrei-me em cortar as tiras coloridas para não deixa-las tortas ou tão diferentes umas das outras. Estava sendo tão cuidadosa que o bolo ficou pronto antes de eu ter cortado tudo. Abandonei a tarefa e fui ajudar na decoração do prato principal.

...

 

— Sophie. – a voz estava distante. Segui-a e observei o coelhinho de olhos vermelhos falando comigo do alto de uma árvore. – Ei, Sophie. – tentava responde-lo, mas nada saia da minha boca. – SOPHIE!

Emburrei minha cabeça para cima aterrorizada, sem entender o que acontecia ao meu redor. O som do estalo da minha coluna se endireitando foi ensurdecedor, logo seguido de dor. Não contive meu grito. – Puta que pariu! – escapou dos meus lábios.

Minha madrinha estava ao meu lado, agora na forma humana em vez de um coelho aventureiro. Levei um puxão de orelha por ter soltado o palavrão e também por ter adormecido por cima da mesa da cozinha. A letra “F” da tira de ‘Feliz Aniversário’ estava grudada na minha bochecha. Já era 10h e eu havia conseguido dormir apenas por quatro horas. Minhas olheiras fundas e escuras estão destacas no meu rosto pálido. Ótimo, pensei. Estarei um caco, mas pelo menos a decoração ficará bonita.

Ficamos de ir para a casa do Gabriel às 15h, horário que Sandra liberou Leonardo da sua prisão domiciliar, correndo o risco de aumentar a pena se voltar antes ou depois das 18h, quando festa começará. Estávamos livres de suspeitas, pois seu aniversário aconteceu há duas semanas. É impossível que consiga deduzir algo relacionada a isso, a menos que tenha poderes sobrenaturais.

Carreguei o bolo no colo durante todo o percurso, contento minha vontade de enterrar minha cabeça neste tanto de chocolate. Parecia tão saboroso. Os quebra-molas faziam minhas mãos vacilarem, uma vez quase perdendo o equilibro da bandeja. De resto, tudo foi tranquilo. Quando chegamos ao bairro, minha madrinha teve a mesma reação que eu quando vim aqui pela primeira vez. Até mesmo hoje, segundo vez que piso aqui, não consigo não ficar surpresa. O porteiro pediu nossos nomes e, quando nos ouviu, pousou seu olhar sob uma prancheta que estava em cima da sua pequena mesa. Virou sua cabeça para nós e acenou ao mesmo tempo em que nos desejava um bom dia, ativando o botão de baixo de sua mesa fazendo o portão automático se abrir.

Sandra não checou o interfone como da outra vez, escancarou a porta, sorridente, sem esconder sua animação. Pegou algumas sacolas da mão da minha madrinha e me conduziu até a cozinha para ajeitar o bolo em cima da mesa. O brilho dos móveis brancos estava mais forte hoje, até mesmo o aroma refrescante, levemente adocicado, estava mais acentuado.

Passamos duas horas montando tudo. Decidimos, por conter ainda um espaço vazio na mesa, fazer mais alguns docinhos. Gabriel me ajudou a pendurar o as correntes de cartolina pela cozinha, onde acontecerá a festa. Penduramos a corrente mais comprida por cima da mesa, deixando as pontas caídas. Dei o ‘Feliz Aniversário’ para Gabriel prender juntos com as correntes coloridas, deixando as letras abaixo, como se estivesse preso ao ar. Estava ótimo.

— Brega. – cuspiu Gabriel, ao meu lado.

Olhei para ele descontraída. Hoje nada irá me abalar. – Não precisa ficar com inveja, Gaby. Faremos um para você quando chegar o seu aniversário. – dei leves tapas em suas costas, confortando-o.

A tolha de mesa branca com ondas que quase encostava no chão deu um alívio para todas as cores da decoração, deixando o ar ainda mais bonito do que havia imaginado. Sandra trocou a bandeja do bolo cinza por uma vermelha, combinando com as forminhas dos docinhos espalhados pela mesa. De um lado, brigadeiro, do outro, beijinho – tivemos sorte que ela achou um pedaço coco em sua geladeira, assim daria um alívio em todo àquele chocolate. Gabriel, depois de muita insistência e reclamações, cedeu o seu pacote de M&M’s para espalharmos pelo bolo. Agora até mesmo o bolo estava colorido. Tudo estava colorido. Colorido até demais.

Estávamos suando por termos arrumado tudo tão rápido, o calor do verão ainda persistia rigoroso. A roupa que estava planejando passar a festa estava suja de chocolate e molhada de suor, meu cabelo bagunçado e grudado no meu rosto. – Vocês duas podem tomar banho aqui. – sugeriu Sandra, reconhecendo o fiasco que todos nós estávamos.

— Gentileza sua, Sandra. – agradeceu minha madrinha. – Mas não trouxemos nenhuma roupa conosco.

— Eu posso emprestar algumas para vocês. – Sandra atravessou a cozinha, apoiando a mão na porta e olhando para trás: – Vamos, gente. Vamos nos arrumar. – seu sorriso estava ainda maior.

Joguei os braços para cima e um grito de comemoração saiu pela minha boca, fazendo todos ali rirem. Estava animada por vestir roupas novas e finalmente tomar um banho. Minha madrinha e eu seguimos Sandra até seu quarto, um gigantesco ambiente com uma cama de casal do meio e logo em frente uma televisão enorme. Os móveis eram brancos, seguindo o padrão de toda a mobília da casa. Nos criados-mudos espelhados, um de cada lado, estava uma pequena planta com folhas caídas, dando vida para a decoração mais simples. O armário branco estava cercado de portas altas, também brancas. Sandra abriu a porta do lado esquerdo e nos chamou para entrar.

Um closet.

É um closet.

É a porra de um closet.

— Nossa... – foi a única coisa que consegui dizer, evitando a palavra ‘caralho’, que descreveria perfeitamente minha reação. Estava encantada. As roupas combinadas por cores penduradas nos cabides, em dégradé, e os sapatos em prateleiras abaixo, repetindo nas quatro paredes. A arrumação estava impecável, causando inveja no meu quarto zoneado.

— Podem pegar qualquer um. – ela disse enquanto caminhava para os cabides onde ficavam seus vestidos beges, retirando um de cor clara. – Ah, menos este aqui. – retirou mostrando-nos a peça. – Vou usar este.

O vestido longo era justo, mas da cintura para baixo solto em ondas elegantes. As costas eram abertas em um U, parando dois palmos do quadril. O tecido liso se encarregava da beleza, sem serem necessários quaisquer outros detalhes.

Sandra saiu do closet e esticou o vestido por cima da cama, logo voltando para a nossa presença. – A festa já está bem colorida para vestir algo chamativo, não é? – e riu. Se isto não é chamativo, não faço ideia do que esta palavra possa significar no seu dicionário. Sandra não estava pronta para participar de uma festa com decoração de papel de seu sobrinho, e sim receber a coroa da Inglaterra com aquela peça maravilhosa. – Agora vamos escolher algo para vocês.

E longos quinze minutos se passaram. Minha madrinha conseguiu achar um vestido longo rosa claro, quase branco, maravilhoso. O decote canoa desviava a atenção dos seus seios, movendo-a para a cintura fina. As mangas paravam antes do cotovelo, mas minha madrinha insistiu, dizendo que poderia enfrentar o calor se estivesse vestindo algo tão bonito quanto este vestido.

Todos os vestidos eram maravilhosos, porém nenhum parecia comigo. Nenhum se adequava a minha personalidade, a como eu mesma gostava de me vestir. Não quero mostrar algo que não sou para a pessoa que quero conquistar. Os vestidos longos e sérios não se encaixavam na minha personalidade. Sandra ficava ainda mais encucada a cada ‘não’ que recebia. Estávamos ficando sem opções. Minha madrinha me repreendeu por estar sendo tão exigente quando uma pessoa estava sendo tão gentil. Sandra não parecia estressada ou decepcionada, mas eu não sabia até quando duraria sua calma.

Com um suspiro profundo, Sandra levantou a bandeira branca. Saiu do closet pensativa, caminhando diretamente para a porta. – Esperem aqui um pouco. – parece que havia tido uma ideia. Me animei.

Minha madrinha parou de me advertir assim que ouviu passos se aproximando do quarto. Sandra adentrou o quarto com uma sacola preta enorme. Sem dizer uma palavra, abriu e esparrou tudo por cima da cama. Eram roupas pretas.

— Talvez aqui tenha a solução para os nossos problemas. – disse enquanto passava a mão pelas peças pretas.

— Uau, ainda tem mais? – indaguei surpresa, admirando as novas roupas.

— Estas daqui são as que eu daria para uma amiga.

— Não tem problema, Sandra. – minha madrinha iniciou. – Sophie pode escolher algum dos que vimos antes. – concordei com a cabeça, mas sem a mínima vontade de voltar para os vestidos belos, recatados e do lar.

— Não se preocupe. Ela não sentirá falta de uma peça. – sorriu ao trocar olhares comigo.

Sandra nos explicou que estava se livrando de todas as suas roupas pretas porque havia se enjoado da cor. Também entrou em uma recaída, achando que nada preto cai bem em seu corpo, o que era um absurdo. O que não cairia bem nesta mulher?

Não demorou um minuto até achar quem chamava pelo meu nome. O vestido curto preto, com a saia rodada babada, sendo maravilhoso o pano transparente que pegava o decote tomara-que-caia até uma pequena gola no pescoço, clamava por mim no meio de todas aquelas roupas. – É esse! – afirmei aos gritos.

Sandra nos mandou para banheiros diferentes para tomarmos banho e obedecemos. A ducha estava tão relaxante que cogitei morar dentro do banheiro. Após alguns minutos, estávamos reunidas novamente em seu quarto espaçoso. Estava tão animada que corri pelo correr de toalha, sem me importar com quem possa me ver. Gabriel era gay, apesar de tudo. Adentrei veloz o quarto, agarrando o vestido como se minha vida dependesse dele.

Não caiu tão bem quanto eu pensei, porém continuava lindo. Ficou um pouco largo próximo dos seios, então Sandra caçou um alfinete para prendê-lo mais rente ao corpo. Estava ainda melhor. Nunca havia trajado um vestido tão bonito quanto este, que com certeza custa mais que a minha casa, lá na minha terra natal. Até com os móveis juntos. Não cansava de me admirar no enorme espelho do quarto; minha madrinha e Sandra tinham que me empurrar para poderem checar como estava indo com suas roupas. Depois de me emprestar sandálias pretas com um salto baixo e pequenas pedrinhas brilhantes, ambas me ajudaram a maquiar. Não quis nada fora do meu normal, optei apenas por passar um lápis e batom vermelho sangue. Ah, Leonardo. Hoje você vai sentir a verdadeira vontade de beijar meus lábios. Estava me sentindo a Cinderela moderna.

...

Estávamos sentados na cozinha quando o barulho do interfone soou pela casa. Sandra pediu silêncio e disparou para a porta, contendo sua ansiedade cerrando as mãos pequenas e prensando os lábios. Em breve segundos ouvimos o seu grito: – Não é ele! – largamos os confetes em cima da mesa, desanimados.

Atravessando a porta estava Jô, Pedro e Gigante, amigos próximos de Leonardo. Convidei apenas os que não me xingavam pelos cantos de todas as vezes que fui lá, apesar, claro, da vontade assassina de Pedro continuar a mesma em relação a mim. Me senti satisfeita assim que os vi, alegre por terem aceitado o meu convite. Parece que fiz o certo em trocar o número com Jô, o galante. Apesar de ele não ter mandado nenhuma mensagem nessas últimas semanas.

Aproximei deles puxando Gabriel comigo, forçando-o a ser amigável com os amigos de Leonardo, que parece não ter ido muito com a cara dele. – Vocês vieram. – mantive o cumprimento casual, apenas balançando a cabeça, mas Jô fez questão de se aproximar e me abraçar. Também estendeu a mão para Gabriel, tentando dar uma chance para a carranca ruiva.

— Claro que sim. Como perderíamos uma coisa dessas? – Jô continuava com sua postura exemplar e sua voz cantarolada. – O chefe merece uma festa. Não sabíamos nem a data do seu aniversário.

Então Leonardo não quis comemorar com o seu grupo – ou, como eles se declaram, ‘sub-gangue’ que age contra as outras ‘sub-gangues’. Tentava pensar em algum motivo para fortalecer seu desdém por festas de aniversário, mas nada me veio a cabeça.

— Ei! – chamou a voz grossa na minha frente. – Você sabe que ainda está me devendo uma luta, né?  – Pedro tomou o lugar de Jô, se encontrando há poucos centímetros de mim. Não cresceu nada desde a última vez que o vi.

Devolvi revirando os olhos e concordando sem interesse. Gigante continuava distante, com uma timidez sem fim. Qualquer pergunta direcionada a ele era respondida com um aceno. Mantinha-se distante de mim e Gabriel, ficando sempre mais próximo de Jô. Sua atitude era realmente estranha para alguém que participava de um grupo de luta, pois parecia sempre estar com medo.

Voltamos a esperar sentados nas cadeiras, conversando bobeiras para distrair. O relógio marcou 18h. Leonardo ainda não havia chegado. 19h. Nada. 20h Nem sinal de vida. Minha raiva aumentava a cada ligação de Sandra que ele rejeitava. Parece evitar as ligações de Gabriel também. Depois de um tempo, Jô se ofereceu a ligar, e, para aumentar ainda mais meu estresse, ele atendeu.

— E aí, chefe. – falou casualmente, tentando desviar do ódio que era exalado por todos nós contra o telefone. – Onde você está? – não conseguia ouvir a voz de Leonardo onde estava, então me aproximei de Jô e coloquei minha orelha próximo ao seu telefone.

Na base, Jô. Na base.— tampei a boca com a palma da mão, controlando minha impulsividade de manda-lo passar umas férias em um local agradavelmente fervendo. – Aconteceu um problema.— sua voz, quando prestei a atenção deixando minha raiva de lado, estava tensa. Falava rápido e em frases curtas. – Preciso que venha já pra cá. PORRA!— gritou súbito, interrompendo uma frase que havia iniciado. – antes que Jô pudesse falar, continuou: – Só venha logo.— o som da ligação encerrada incomodou nossos ouvidos.

Me virei e dei uma desculpa qualquer, tirando a atenção de Jô. Não posso deixar que ele anunciasse que Leonardo está na base, atraindo ainda mais atenção além do fato de chama-lo de chefe. Cogitei a hipótese em jogar a verdade para Sandra, deixando-o em uma situação horrível só por ter estragado com a sua festa surpresa. Inspira, expira. Cerrei as mãos para não deixar minha impulsividade subir a cabeça e ferrar ainda mais a nossa situação.

Jô chamou os rapazes para acompanha-lo e ir socorrer Leonardo, que agora também não atendia suas ligações. Preocupados, também deram uma desculpa qualquer para partir logo dali. Segurei o pulso de Jô e Pedro. – Não ousem dar um passo. – ameacei cravando meu olhar em sua direção. Pedro reagiu rápido tentando se livrar da minha mão. Segurei ainda mais forte. – Eu vou buscar ele. – afirmei sem expressão, apenas deixando o ódio escorrer dos meus olhos.

Todos odiaram minha ideia. Minha madrinha interrompeu falando que era arriscado eu andar pela rua sozinha de noite, ainda que fosse para busca-lo na casa de um amigo – a mentira branca que inventei. – Vamos esperar aqui, uma hora ele aparecesse.

Insisti. Insisti. E insisti.

Não. Não. E não.

Cansada de ser rebatida por Sandra e minha madrinha, cedi: – Ótimo. – apontei para trás, onde estavam os três mosqueteiros ansiosos para sair dali e acudir o chefe. – Levo o Gigante comigo.

— O quê? – gaguejou o medroso.

Minha madrinha abriu a boca para falar, mas completei antes de emitir algum som: – E vamos de taxi.

Enfim concordaram, apesar de receosas por não conhecer o rapaz. Imaginava que isso fosse acontecer, foi por isso que escolhi o mais acuado deles. Jô tinha cara de mulherengo e Pedro parecia que a qualquer momento me daria um soco, Gigante, no entanto, era só o Gigante. Ele não expressava nenhuma intenção de ser o Dexter para meninas inocentes ou que me levaria para o motel mais próximo.

Sandra chamou o taxi, que chegou a menos de dez minutos. Entrei mal humorada, com os braços cruzados e uma carranca pesada. Balancei ambas as pernas durante todo o percurso. Gigante continuava mantendo a cabeça baixa, sentando-se encostado na porta do outro lado, mantendo a distância entre nós maior que o necessário.

O motorista estacionou mais atrás, pois o carro não queria enfiar o carro na rua que ficava a base dos garotos. Achei até melhor. Não quero que ele me encare na volta tentando entender o que uma garota faz no meio de quinze homens. É insuportável ter alguém te olhando pelo retrovisor interno.

Marchei ao lado dos passos leves de Gigante e dobramos a primeira rua a vista, finalmente acostumada com o caminho. Uma movimentação estranha estava acontecendo na casa minúscula. As luzes estavam acessas e a porta da frente escancarada, um barulho estranho chegava aos nossos ouvidos distantes. Gigante disparou a correr, me abandonando na rua sem iluminação. Tentei segui-lo, mas além de ser extremamente veloz, estava com aquele bendito salto baixo.

Conforme cheguei mais perto consegui decifrar com barulhos. Ameaças junto ao barulho de pele sendo pressionada ao osso. Está acontecendo a desgraça de uma briga. Encostei o corpo todo na parede, me camuflando enquanto arriscava uma olhada entre as cortinas rasgadas. Vários rostos conhecido estavam esparramados no chão, precisando os ferimentos recentes; roxos, ralados e cortes preenchiam suas peles. Alguns que nunca havia visto também estavam no chão se contorcendo, em menor número. Cheguei a cabeça mais para frente e observei Gigante tentando golpear um homem tão grande quanto ele, desferindo socos com um alcance incrível. Um loiro platinado trocava chutes com outro parecido com ele, mas não sabia qual estava do lado da gangue conhecida. Mais atrás estava Leonardo defendendo-se dos golpes diversos de um homem bombado. Se não fosse pela cor negra da pele, seria o irmão gêmeo de Leo Stronda.

Não pensei direito no que fazer. Domada pela fúria, vasculhei os becos por perto dali. Agachando em meio aos sacos de lixo achei uma barra de ferro grossa, perfeita para dar um fim àquela baboseira que está atrapalhando minha noite. Caminhei até porta com o barulho do salto ecoando pelas ruas e barra de ferro arrastando pelo chão. Mesmo pelos barulhos altos, ninguém pareceu notar minha presença. Observei as três lutas. Magrelo. Magrelo. Bombado. Com calma e desfilando pelo local, parti para cima do bombado, golpeando-o forte na cabeça. Todos ali pararam para notar o que estava acontecendo. O homem vacilou e virou-se para mim, tentando falar alguma coisa. Caiu desmaiado antes que eu pudesse desferir outro golpe forte.

Todos ali me encaravam surpresos, inclusive os homens já caídos. Leonardo não conseguia desviar seus olhos de mim. Pousei meu olhar furioso sob o seu, advertindo-o sobre o quanto estava estressada. Ele não foi capaz de dizer nada. Virei-me para o lado onde aconteciam as duas outras lutas, também paralisadas pelos acontecimentos. Levantei meu braço e bati a barra de ferro na parede próxima enquanto inflava meu peito: – Qual de vocês vai querer ser a porra do próximo?

Sem reação. Ninguém moveu um músculo. Cerrei ainda mais olhar, partindo para o Gigante que lutava contra o Gigante. Os homens cambalearam para trás. Continuei o desfile. Os homens correm. Simples. Correram da casa. Abandonaram os parceiros no território inimigo. Estava incrédula por terem se amedrontados tão facilmente. Leonardo, Gigante e o loiro desconhecido continuavam estáticos. Antes que pudesse perdê-los de vista, apressei-me para a rua, sem largar a barra de ferro.

— Podem voltar e levar estes pesos mortos junto com vocês, filhos da puta! – meu grito ecoou por toda a rua. – Andem logo antes que volte lá e termine o serviço de leva-lo ao quinto dos infernos eu mesma, caralho! – antes que pudesse continuar meu discurso de ódio, senti uma mão agarrar o braço que estava segurando a barra.

— Que porra você está fazendo? – um Leonardo assustado estava próximo de mim. Sua mão estava firme.

— Que porra você está fazendo? – devolvi a pergunta ainda mais furiosa. Ele me encarou confuso, sem largar a mão do meu pulso. – Você só tinha uma missão, Leonardo. UMA! – estava histérica. – Custava voltar para casa às 18h como havíamos combinado?

Sua confusão se intensificou. – Eu não estou... – o interrompi.

— Entendo porra nenhuma? – gritei completando sua frase. Ele se assustou. – Pois vai entender quando mover essa sua bunda bonita até a porra do taxi parado na outra rua. – Leonardo abriu os lábios para protestar, mas o interrompi outra vez: – Nem ouse protestar! – elevei ainda mais o tom de voz. – Mova as pernas antes que eu use esta barra para leva-lo até lá nem que seja inconsciente!

Estava arfando por toda gritaria. Leonardo soltou a mão do meu pulso, diminuindo nossa distância. Pousou as mãos em meus ombros. Olhei para cima, seguindo seus olhos. – Se acalme, Sophie. – disse com o olhar cuidadoso e a voz baixa.

O obedeci. Relaxei todos os meus músculos. Minhas pernas chegaram a cambalear, mas Leonardo sustentou meu peso, se aproximando ainda mais. Estava com a cabeça em seu peito, ainda deixando escapar o ar violento dos meus pulmões. Minha raiva não foi embora, contudo não pude evitar meu rubor. Fico feliz que ele não possa ver minha face e pensar que estava vacilando com os meus sermões. Leonardo afagava minha cabeça com uma das mãos, enquanto a outra tateava meu braço até chegar à minha mão, abrindo dedo por dedo até que largasse a barra. Sua mão estava tão quente.

Mesmo que estivesse aproveitando, afastei seu corpo com ambas as mãos trêmulas. – Só vamos logo, por favor. – falei sem forças, mantendo meu corpo com a minha própria força.

Ele me olhou sem seu sorriso tradicional – sua boca era um risco perfeito. Seus olhos fitavam os meus com intensidade, estavam misteriosos e não pude dizer o que estava pensando. Não desejei poder ler mentes, pois o que menos queria saber agora é o quanto me achava louca.

Olhei em direção a porta para chamar Gigante e foi aí que percebi a plateia que tínhamos. Alguns homens machucados tinham se levantando, apoiando-se uns aos outros ou na parede, estupefatos com o que acabaram de ver. O loiro e Gigante estavam do lado de fora, tampando a boca com a mão enquanto encaravam Leonardo, que agora também olhava para eles. Não proferiu uma palavra de protesto como achei que aconteceria. Leo estava quieto ao meu lado.

— Vamos, Gigante. – disse com a voz baixa, vencida pela exaustão. Gigante correu para meu sem objeção. Olhei para Leonardo. – Vamos. – bati de leve em seu ombro, sem forças, e comecei a caminhar em direção ao taxi, que a esta altura já deve ter mofado de esperar. Ainda bem que deixei para pagar agora.

Os dois rapazes andavam lado a lado, sem ousar me ultrapassar. Estava lenta pelo cansaço, mas não deixei transparecer.

— Você está... – começou a voz rouca atrás de mim. Leonardo tentava se aproximar.

— Estou. – contei-o. Apressei mais o passo.

O taxista nos recebeu em meio às reclamações sobre a demora, cuspindo que não era pago para esperar tanto. Exigiu o dinheiro, mas fiz questão de virar o rosto, apontando a visão para a janela ao meu lado. Ele insistiu e disse que não partiria dali até receber o pagamento da corrida. Continuei quieta. Leonardo, ao meu lado, se remexeu no banco. Logo vi de relance seu braço esticado com notas embrulhadas, calando o senhor rabugento.

Não virei o pescoço para a sua direção a viagem toda e, francamente, não estava me importando muito com ele. Ainda estava com raiva.

— Você está... – tentou novamente, porém agora com a voz mais séria.

— Já disse que estou. – usei a mesma tática, ainda mais ríspida.

Próxima a casa fui capaz de entender meus verdadeiros sentimentos. Não era apenas raiva pura, uma mágoa estava presente. Estava decepcionada por ter me sacrificado tanto para poder ver seu sorriso enquanto ele apenas...

Apenas estava sendo ele mesmo.

Não sei quem eu quero enganar. Nós não nos conhecemos tão bem assim. Talvez esta seja sua personalidade e eu apenas esteja me iludindo, como sempre. Eu estava depressiva e sem a menor vontade de participar de uma festa quando descemos do taxi e caminhamos para a porta. Demorei alguns segundo para apertar o interfone, estava tentando afastar toda a aura pesada ao nosso redor.

Assim que levei meu dedo para o pequeno botão ao lado da porta uma mão segurou a minha. – Sophie, – os lábios de Leonardo estavam próximos do meu ouvido. Sinto seu hálito na minha pele. – você está bem? – deixei-o concluir.

Virei-me em sua direção. Nossos corpos estavam a pequenos centímetros de distância, mas não fui capaz de sentir nada. – Não, Leonardo. – respondi atônita. – Eu não estou bem. – frisei.

Antes que ele pudesse dizer alguma coisa, rodei meu corpo e me pus de frente à porta, tocando o interfone. Leonardo tentou insistir em uma conversa, todavia uma Sandra energética escancarou a porta, nos convidando para entrar. Ela pareceu não notar o ar pesado entre nós três.


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Notas finais do capítulo

*Dexter é uma série sobre um serial killer de mesmo nome.