Juntos Contra o Clichê escrita por VILAR


Capítulo 14
Feliz aniversário, querido sem noção – parte ||


Notas iniciais do capítulo

Adivinha qual o motivo da tia ter demorado tanto?
Isso mesmo, querido aí do outro lado. Provas.
Ok, ok.
Provas e preguiça.
E também por eu ter ficado pê da vida porque peguei AV3 só por causa de um décimo.
Enfim, foram diversas coisas que contribuíram para o atraso. Me desculpem.

Revisei o capítulo logo depois que terminei. É errado fazer isso? Eu acho. Mais errado ainda estando morta de sono às 3h.



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Estávamos a poucos centímetros da maçaneta que mudaria meu modo de agir daquela noite. Em poucos segundos, deixarei o mau humor escapar do meu corpo e gritarei um animado “feliz aniversário” para o ser atrás de mim. Fingir nunca foi uma das minhas qualidades; este será um desafio enorme. Não por ele ou por mim, mas sim por respeito a todos que aguardaram ansiosos para o momento, principalmente sua tia. Mentir também não me agrada nem um pouco. Como me considero amiga de Leonardo, também não me convém contar de forma bruta o que ele anda fazendo pela cidade. É uma conversa que deve ser em particular entre os interessados. Gabriel parece não ter contado nada.

 Leonardo parou de tentar falar comigo neste tempo, temeroso sobre o que sua tia falará. Pareceu notar também as nossas roupas, estranhando o fato de estarmos tão arrumadas em um dia comum, levando-o acorrentado para a cozinha. Ele queria falar algo, mesmo que o seu sorriso típico voltou a dominar seus lábios.

Sandra encostou a mão na maçaneta e me direcionou uma piscadela. Ela me pegou desprevenida, ainda rabugenta, contudo não fui capaz de perceber se havia notado ou não. Espero que esteja animada demais para captar este problema chato. Assim que começou a empurrar a porta branca, armei o meu sorriso. Nós duas entramos apressadas no cômodo, porém Gigante ficou parado ao lado do Leonardo, ambos tentando entender o motivo de termos os empurrado para entrar. Já de dentro do cômodo, estiquei meu braço para fora e puxei Gigante com força, sem me preocupar que Leonardo estivesse vendo.

A cozinha estava escura, fazendo o alvo de a surpresa ficar ainda mais confuso. Aos passos cautelosos entrou depois da gente.

— Feliz aniversário! – gritamos em uníssono, esquecendo todos os problemas. Neste momento, Jô e minha madrinha libertaram do pacote os confetes que havia comprado, aumentando a coloração do ambiente.

Minha expressão mudou quando observei a face de Leonardo, deixando-me boquiaberta. O rapaz estava congelado, extrapolando o nível máximo de como uma pessoa pode ficar surpresa ganhando uma festa de aniversário. Seu sorriso desapareceu sem deixar vestígios, restando seus lábios separados a poucos centímetros um do outro. A pele empalideceu enquanto olhava em nossa direção, sem marcar alguém em particular.

— Acho que o matamos. – comentei sem desviar meu olhar da figura parada no tempo. Recebi apenas olhares reprobatórios e uma cotovelada da minha madrinha.

Jô e Pedro se aproximaram do chefe, batendo em seu ombro. Leonardo reagiu, afirmando que estava tudo bem. Mas não parecia. Se não estivesse vendo com os meus próprios olhos nunca acreditaria que o herdeiro de uma personalidade descontraída, que nunca leva nada a sério, viciado em andar com o sorriso enigmático no rosto, estaria tão sem reação como agora. Será que ele nunca ganhou uma festa surpresa? Por um momento, deixei meu orgulho sobressair da raiva.

— Nossa. – começou ele, recompondo seu sorriso típico. – Faz tempo que não ganho uma festa surpresa. – deixou escapar uma risada abafada dos lábios, recompondo o sorriso típico.

E lá se vai meu orgulho. Ah, pode ser uma mentira, pensei. Pode estar falando isso apenas para esconder sua surpresa.

— Realmente faz tempo, Leo. – afirmou Sandra, surgindo atrás de mim. – Surpresas nunca deram muito certo com você. Tentamos fazer uma com a tia Luciana, lembra? Nem parece que foi há cinco anos. – desfilava em direção ao sobrinho.

E lá se vai meu orgulho. Pela segunda vez.

Minha decepção estava óbvia, alertando minha madrinha que estava próxima de mim. Antes que ela pudesse me perguntar sobre, Sandra capturou a atenção de todos: – Esta grande ideia foi da Sophie. – disse, virando-se para mim. Os olhos de Leonardo recaíram sob mim, me pegando de surpresa. – Vocês tem uma amiga muito legal, meninos. – Sandra sorria, sem entender o que se passava entre nós.

Deixei meus lábios de desprenderem e minhas pálpebras subirem. Não estava preparada para ouvir nada do Leonardo. Meu coração acelerou quando ele abandonou seu sorriso por alguns segundos. Seus olhos negros me fitavam profundamente, querendo dizer algo, mas eram incógnitas para mim. Eu não consegui captar sua mensagem.

— Obrigado. – disse ele, cortando nossa ligação. Seu sorriso estava de volta.

Normalizei meu ar e pisquei, hidratando os olhos secos. Tentei me acalmar para não estragar tudo e, segura de mim, disse: – De nada. – Mas não fui tão perfeita quanto achei que seria. As palavras saíram com escárnio, atraindo olhares desconfiados. Leonardo não pareceu surpreso. Preciso recuperar o clima alegre. E, pescando a primeira desculpa que passou pela minha cabeça, afirmei, apressada: – Desculpa. A TPM me deixa nervosa. – e a onda de olhares surpresa se transformou em olhares confusos.

— Não será só na próxima semana? – indagou minha madrinha olhando-me com as sobrancelhas franzidas. Os olhares agora se direcionavam a ela.

— Não, madrinha. – afirmei, pausadamente. – É hoje. – sou a dona do olhar mais chocado da sala. Não posso acreditar que ela está constatando o dia da minha menstruação.

— Claro que não, Sophie. – sua indignação carregada de sotaque ecoava pela cozinha. Apressada, enfiou a mão na pequena bolsa e tirou seu celular comprido da geração passada. – Olhe. – aproximou a tela dos meus olhos. Com tons rosa, diversas flores espalhadas e um calendário chamativo o celular ostentava o aplicativo ‘Calendário Menstrual’. As letras eram tão grandes que todos os presentes puderam observar.

— Por que você tem um aplicativo para monitorar o meu ciclo menstrual? – queixei-me, espantada.

Madrinha desligou o celular e voltou a guarda-lo na bolsa. Ajeitando uma mecha que atrapalhava sua visão, começou: – Olha, Sophie. Sou sua responsável agora. – apoiou as mãos na cintura. – Você está em uma idade complicada, com os hormônios aflorados. Uma hora você vai começar a vida sexual e, do jeito que é desligada, acabará engravidando na primeira transa. Estou aqui para não deixar isto acontecer. – o chão já não estava sob meus pés. Meu cérebro foi sugado para outra dimensão. Quero morrer. — E também, – continuou. – você é uma chata quando está de TPM.

Usei as mãos para tampar meu rosto e o desviei para baixo. – Pelo amor, vamos conversar sobre algo que não tenha a ver com a minha menstruação. – implorei com a voz abafada. Neste momento só desejava que uma força divina me tirasse desta cozinha. Do mundo também seria uma ótima opção.

Uma risada histérica me despertou dos instintos suicidas. Curiosa, abri meus dedos para ter uma vista de quem era o desgraçado a rir desta situação. Leonardo se contorcia, levanto uma das mãos no estômago e a outra na testa. Seus olhos estavam fechados e sua boca escancara em um sorriso largo enquanto soltava as risadas. Sem pensar, desprendi minhas mãos do rosto para ter uma visão do fenômeno a minha frente. Todos pareciam chocados, principalmente Jô e Pedro. Logo todos o acompanharam. Até mesmo eu.

O fim das risadas deu início à festa. Gabriel inundou o ambiente com a suas músicas pop norte-americana tocadas de um rádio enorme. O som estava altíssimo, o que me fez preocupar-me com os vizinhos, mas não durou muito tempo. O terreno é tão extenso que a próxima casa estava bem distante para nos ouvir.

Sandra e minha madrinha conversavam próxima a mesa, enquanto nós formarmos um círculo único do outro lado da cozinha. Pedro só abria a boca para atacar Gabriel, resultando em o que penso que seja uma pequena discussão. Jô segurava o baixinho em fúria. Gigante não parecia desconfortável enquanto mantinha uma conversa discreta com Leonardo, deixando amostra até um sorriso tímido. A altura exagerada da música estava prestes a estourar meus tímpanos. Não consigo ouvir ninguém ao meu redor.

Virei-me para a direção onde Gabriel e Pedro mantinham os rosnados e comentei algo irrelevante, mas nenhum deles pareceu me ouvir. Cutuquei meu amigo, porém continuou sem notar minha presença. Tentei diversas vezes. Nada. Cogitei conversar com Jô, entretanto ele parecia bastante ocupado segurando os ombros de Pedro para ele não voar para cima do Gabriel. Do lado oposto Leonardo e Gigante conversam, sem parecerem a par da minha existência. Eu estava completamente excluída das conversas.

Incomodada com a situação e me controlando para não dar uns tapas em Gabriel, caminhei para a mesa extensa para pegar um refrigerante. Estou realmente sendo chata esta noite, reconheci enquanto despejava o líquido escuro no copo. Não, a culpa não é minha. De jeito nenhum, conclui enquanto o líquido gasoso descia pela minha garganta. Não estou gostando de fingir que estou bem no meio de tanta gente. Determinada a tentar manter uma conversa, virei-me para a direção do grupo.

Um vulto alto estava parado na minha frente, fazendo-me gritar. – Porra! – a música abafou minha voz. Realizei um milagre para não deixar o refrigerante cair do copo.

Antes que pudesse pousar meus olhos na face da assombração na minha frente reconheci a blusa de manga comprida vinho. Era Leonardo. Hesitante, levantei a cabeça para encara-lo. Seus olhos pousavam sob os meus, descontraídos. Não fiz questão de esconder o meu mau humor. Seu sorriso típico se mexeu, mas não ouvi nenhum som saindo de sua boca.

Leonardo notou a confusão assim que viu minhas sobrancelhas franzidas e aproximou seus lábios do meu ouvido. – Se assustou? – seu hálito em contato com a minha pele me fez arrepiar com a risadinha que veio logo depois.

— O que você acha? – empurrei-o para longe com a palma da mão em seu peito. Ele não se deixou abalar.

Leonardo voltou a movimentar os lábios longe do meu ouvido e continuei sem entender. Voltou-se a se aproximar trazendo consigo o meu desconforto. – Sua madrinha parece uma pessoa bem legal. – afirmou, sarcástico.

Rodeios. Ele está tentando falar comigo sobre o ocorrido aos poucos, cercando a conversa para atacar. Sua preocupação amoleceu meu coração, mas não gosto de enrolação. Ainda mais se a enrolação será sobre a minha menstruação.

— Estou irritada por você ter quase perdido a festa por causa de simples brigas. – gritei por cima da música. Suas sobrancelhas franzidas indicaram que captou a mensagem.

— Simples brigas? – repetiu, incrédulo. Surpreendi-me com a reação. – Não são tão simples, não. – sua voz estava mais alta, sendo desnecessário aproximar-se do meu ouvido. Seu sorriso continuava intacto e sua voz não indicava estresse. Leonardo não estava levando a situação a sério. – As disputas não acontecendo com agendamento, Sophie. – bufou uma risada.

Abri a boca para protestar, porém logo a fechei. Leonardo estava certo. Era impossível para ele saber o que estávamos preparando. Eu sei que ele está certo, eu sei. Sim, eu sei. Por que então eu não aceito? Cerrei minhas mãos e desviei o olhar, concentrando meu olhar no azulejo branco da parede. Talvez seja porque Leonardo não se atrasou por um motivo bobo, como estar realmente na casa de um amigo, e sim lá, surrando os seus oponentes. Fui capaz de me intrometer duas vezes por causa de uma barra de ferro, então quem garante que os próximos adversários não pudessem fazer o mesmo? Todos aqueles garotos, incluindo Leonardo, parecem estar afundados em confusão. Por que diabos você sustenta uma sub-gangue, Leo?, pensei, controlando minha vontade de perguntar em voz alta.

Libertei o ar preso em meus pulmões.

— Me desculpe. – murmurei, ainda evitando seus olhos.

— O que você falou? – indagou a voz a minha frente, confusa.

Virei o pescoço bruscamente, focando outra vez meus olhos nos seus. A imensidão negra deles me desconcentrou, fazendo-me perder a rigidez. – Me desculpe! – repeti, mais alto, tentando manter a seriedade.

A minha decepção não me dava direito de criticar o que ele parecia amar. Eu estava sendo mesquinha, mas queria tanto saber. Suprimi novamente o meu desejo de perguntar.

Leonardo pousou uma das mãos na cintura e a outra para passar pelo cabelo, bufando. Sua expressão estava conturbada. Meu coração se agitou. Ele vai pedir desculpas. Estava tão surpresa que um sorriso nasceu em meus lábios.

— Eu aceito seus desculpas. – Leonardo me encarava com a expressão relaxada. Nem o seu sorriso estava mais ali.

Continuei a esperar a continuação da sua fala. Estava ansiosa para ouvi-lo dizer que sente muito ou, quem sabe, sobre o quanto estava arrependido. Palavras assim serviam para indicar o quanto uma pessoa se importa com outra, e eu estava completamente satisfeita em ouvi-lo dizer.

Dez segundos se passaram.

Nada. Meu sorriso ainda continua de orelha a orelha.

Vinte segundos.

Continuava esperando algo sair dos lábios fechados do Leonardo.

Quarenta segundos.

Silêncio.

Um minuto.

— O que? – indaguei, perdendo a paciência. – Vai ser só isso? – minhas sobrancelhas franzidas brigavam com a sua expressão descansada. – Onde está o seu ‘sinto muito’? – Ao ver minha reação um novo sorriso tomou seus lábios, uma espécie da qual nunca presenciei durante todos esses dias. Leonardo parecia feliz.

Minha irritação se transformou em uma completa confusão. Seu sorriso demonstrava uma felicidade genuína, o que deixou tudo mais estranho. Eu não achava que todas as outras vezes Leonardo estava chateado ou irritado, ele também parecia feliz. Parecem duas felicidades diferentes, por mais estranho que isso possa parecer.

— Ainda acredito que não fiz nada de errado. – defendeu-se entre risadas abafadas, tirando-me dos meus pensamentos.

Duas felicidades diferentes, frisei novamente, atônita. E eu não sabia se uma era melhor que a outra.

Recobrei a situação. – Mas eu continuo zangada. – forcei minhas sobrancelhas a arquearem e cruzei os braços. Leonardo permanecia com a sua felicidade desconhecida, fitando-me com suas órbitas negras exalando divertimento.

— Mas realmente não posso fazer nada quanto a isso. – disse, pousando as mãos na cintura. Seu olhar não desviou do meu em nenhum momento.

Leonardo é uma incógnita para mim. Às vezes eu não entendo o seu olhar, o seu sorriso habitual não me parece ter um motivo concreto, não sei como ele conseguiu fazer com que tantos homens o sigam, e, agora, ele parecia ter dois tipos de felicidades. Para uma pessoa de dezenove anos ele é confuso.

Essa confusão só me deixa com mais vontade de desvendá-lo.

E com o despertar dessa vontade uma ideia fantástica surgiu em minha mente. Não pude evitar o meu melhor sorriso.

— Ah, tem, sim. – descruzei os braços e imitei a sua posição, com as mãos na cintura. – Vamos a um encontro e esqueço tudo o que aconteceu.

Sua expressão não poderia estar mais surpresa. Seus lábios não desprenderam um do outro, mas suas sobrancelhas estavam tão arqueadas que se perderam atrás dos fios compridos do seu cabelo castanho.


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Notas finais do capítulo

*sem referências.

*Ah, o amor que eu tenho por escrever a noite ♥
*Ah, o sofrimento que vou passar por estudar de manhã 3