Juntos Contra o Clichê escrita por VILAR


Capítulo 10
Admiração é uma forma de paixão




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— Deixa para a próxima. – recusei o pedido do baixinho.

Firmei o meu olhar, tirando o sorriso do rosto; não quero que ele insista ou me leve a lutar para me livrar de sua mão no meu pulso. Ao lado, senti o suspiro aliviado de Gabriel. Não estava com medo de aceitar seu pedido. Claro que não. E daí ele ser ultra rápido e conter todos esses músculos nos braços e nas pernas? Bobeira.

Não estava com medo. Estava morrendo de medo.

Tirando a luta anterior com ele, faz muito tempo desde que lutei para valer com alguém. Parei de praticar com o meu irmão antes de vir para esta cidade, há dois meses. Além do fato do meu ombro ainda não estar totalmente curado. Pensei que finalmente poderia parar de recorrer à violência.

O baixinho franziu as sobrancelhas mais um pouco, algo que achei que fosse impossível. – Você está com medo? – cuspiu as palavras praticamente.

— É claro que estou. – soltei sem hesitar. Sua surpresa foi evidente, infeliz pela sua provocação não ter me afetado. – Como pode ver – mexi levemente o meu ombro machucado. Os movimentos simples já não eram um problema, mas o esforço, segundo o médico, poderá fazer com que o estado volte a piorar. – ainda não estou em condições para aceitar o desafio.

O baixinho demorou a afrouxar os dedos do meu pulso, quando o fez o puxei com força para voltar para perto de mim. Espero que ele apenas esqueça essa rixa boba e volte a viver sua vida repleta de violência e bacias de salada. Não quero que ele prove nada para mim, contudo tenho a impressão que ele quer este desafio para provar para si mesmo que não deixou de ser o maioral.

Gaby e eu deixamos a cozinha sem falar mais nada, apenas trocando olhares entre nós. O baixinho apenas abaixou a cabeça e se voltou para o balcão enferrujado, desta vez esquecendo-se dos fones de ouvidos que caíram no chão quando reagiu ao toque do meu amigo.

Assim que passamos pela porta que ligava a cozinha a sala caminhei para o mesmo sofá que Jô e o Gigante me acompanharam, e me esparramei nele. O cheiro de mofo que saiu quando sentei quase nos asfixiou, mas logo Gaby me acompanhou sentando ao meu lado.

Conversamos durante vários minutos sobre coisas aleatórias, apesar da maior parte do tempo vê-lo desconfiado e com medo de cada barulho que acontecia ao redor. Algumas vezes até chegava a me importunar com a ideia de irmos embora. Pouco tempo depois, o cheiro de mofo do lugar foi substituído pelo clássico aroma de feijão preto e o eco de nossas vozes deu lugar ao barulho de fritura. Olhamos para trás e percebemos a porta da cozinha entreaberta. Estranhei. Chegamos aqui perto das dezesseis horas.

Estava me levantando para ir checar o que o baixinho estava fazendo de bom quando Gabriel me parou. – Está louca? – sussurrou. – Se voltar lá depois de tudo o que aconteceu vou arrancar seu fígado e dar para aquele maluco fritar.

E demos início a uma discussão sobre o que fazer, sussurrando tão alto quanto a voz normal.

— Ele já superou isso, cara. – comentei a meu favor. – Vamos roubar algumas batatas.

— Você nem sabe se ele está fritando isso mesmo! – afirmou meu amigo. – Ele pode muito bem estar disfarçando para esquentar o óleo e jogar na gente! Vamos logo embora daqui. O Leo não voltará.

Antes que eu pudesse responder o quão idiota a ideia parecia, a porta da cozinha foi aberta escancaradamente. O barulho alto nos assustou; deixamos até escapar um grito dos lábios. Viramos a cabeça involuntariamente sem perder tempo, ainda assustados. Caminhando em nossa direção com a testa enrugada estava o baixinho, segurando uma frigideira e um prato. Gaby e eu trocamos olhares em apenas alguns segundos. Deixamos o sofá para trás e corremos em direção à porta o mais rápido que pudemos, escorregando e tropeçando. Fui a primeira a chegar, com Gaby a poucos centímetros, e girei a maceta o mais rápido que pude, chegando a ouvir até um barulho estranho.

A porta se abriu e o meu amigo, desesperado, chegou a me empurrar para sairmos logo. Assim que coloquei meus pés para fora da casa, deparei com várias figuras, fazendo meu coração para por alguns segundos. O meu grito alertou Gabriel, que logo me acompanhou. Levantando mais o olhar percebi que era apenas um conhecido, o Gigante, que me olhava confuso e assustado.

— Que susto, caralho! – afirmei sentindo o sangue voltar a passar pelo meu corpo.

Atrás de mim ouvi um baque no chão. Era Gabriel. Espalhado no chão. Desmaiado.

Abaixei rapidamente ao lado do meu amigo, chamando-o e batendo em seu rosto. Nada parecia funcionar. Comecei a balançar seu corpo quando escuto a voz que tanto esperei durante todos esses dias começar a drogar meus tímpanos. – O que está acontecendo aqui?

Virei um pouco minha cabeça para encontrar pessoa para quem havia dado minha primeira declaração, olhando-o de soslaio. Leonardo vestia calça jeans escura e uma camisa leve branca, estampada com um crânio segurando uma rosa vermelha na boca. Com seus braços finalmente a mostra, notei suas tatuagens. As linhas pretas cobriam grande parte do seu braço esquerdo, totalmente sincronizadas umas com as outras. Elas não pareciam ter um significado muito profundo como um desenho ou o nome da mãe, mas ainda assim eram belas. A nota musical perto de sua nuca parecia pequena e insignificante perto destas.

— Não faço a menor ideia. – a voz do baixinho tirou-me do transe que o meu melhor segundo amigo me colocou. Direcionei meu olhar para ele, dentro da casa, e percebi que ainda segurava a frigideira. – Fui oferecer um pouco para estes retardados e começaram a sair correndo.

Todos os olhares foram direcionados sobre nós. Ou melhor, em mim, já que meu companheiro não está em devidas condições para falar alguma coisa. Alternei meu olhar entrei o baixinho, o chão e o grupo que estava com Leonardo. No fim, deixei virado para o dono do meu coração, percebendo que estava com mais seis pessoas, todas me olhando estranho.

Engoli a seco preparando-me para falar sobre o que aconteceu. – Foi apenas um mal-entendido... – desviei meu olhar do de Leonardo. Soltei um muxoxo.

Eles não aceitaram minha frase vaga como explicação, então tive que contar realmente o que aconteceu. Depois da última palavra todos começaram a rir da estupidez que acabou de acontecer, e até mesmo Leonardo soltou uma risada abafada.

Passando a mão do cabelo e cruzando os braços, Leo disse: – Certo. Vocês podem leva-lo para o quartinho? – e três deles se moveram para perto do meu amigo, onde eu ainda estava abaixada.

Os três homens eram desconhecidos por mim.  Com certeza não estavam aqui quando vim pela primeira vez. Eles o pegaram e levaram para dentro. Logo todos passam por mim e adentram a casa, ocupando os acentos da sala. Sem escolha – e agradecendo Gabriel mentalmente – levantei-me e voltei para dentro. Como fui a última a entrar fiquei com a importante missão de fechar a porta. Segurei a maçaneta para puxá-la, mas assim que a comecei a trazê-la para dentro o barulho estranho voltou, separando-a da porta. Poderia fingir que nada disso havia acontecido, entretanto uma das partes na maçaneta caiu no chão e avisou todos ali presentes que estraguei uma das partes da casa de um bando viciado em violência. Caralho.

— Já estava assim! – expliquei rapidamente, chegando a gaguejar.

Ao contrário dos olhares opacos que o resto me lançava, Leonardo jogou a cabeça para trás e fechou os olhos. – Sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde. – suspirou. – Vamos comprar outra mais tarde. Pode se livrar disso. – o obedeci, alegre por não ter dado nenhum tipo de piti como Gabriel teria feito.

Tentei arranjar um lugar no sofá em que Leonardo estava, mas todos ali se espalharam quando me aproximei.  Restou o sofá em que estava Jô e Gigante, que novamente me farão companhia. Jô educadamente me cumprimentou; Gigante apenas acenou a cabeça distante. Conversamos sobre assuntos aleatórios, contudo desviava meu olhar de tempos em tempos para checar a figura que me interessava. Era incrível como Leonardo juntou tanta gente para abrir seu grupinho. Chego até a duvidar se todos aqui, totalmente diferente uns dos outros e aparentando serem mais velhos que ele, o obedece sem questionar. Não, observando-os melhor, eles não são tão diferentes assim. Mesmo com alturas variadas, roupas e cabelos, todos tinham tatuagens – mesmo que também diferentes – e muitos músculos. Como que estas pessoas musculosas obedecem a Leonardo, o mais fino dali?

— E aí, quantos anos você tem? – indagava uma voz distante.

— Sim.

Todos os homens pareciam tão confortáveis ao seu lado, relaxados. Sorriam e riam sempre. Eles o tratam como um verdadeiro líder. Seus olhos atenciosos e brilhantes os entregam sobre intensa admiração que tem pela figura que os mantém unidos em uma nesta sala esquecida no tempo.

— Eu. Perguntei. Quantos. Anos. Você. Tem.

— Sim.

Leonardo parece servir como uma mãe para todos estes rapazes. Mesmo distante pude notar que eles competiam entre si sobre quem terá a atenção do líder por mais tempo, contando coisas interessantes e algumas até mesmo inacreditáveis, como o homem perdido na cidade que domina todos os estilos de luta do mundo todo. Leonardo, entretanto, parece não se importar. Trata todos da mesma maneira.

Ainda pensando sobre como o meu segundo amigo conseguiu reunir tanta gente senti uma mão tocar o meu ombro. Virei minha cabeça e percebi um Jô estressado. – Você está me ouvindo?

Repassei tudo o que nós falamos. – Sobre o filme que passará hoje à noite? Sim, estou animada.

Jô me lançou um olhar cansado e retirou a mão do meu ombro. Chegando o corpo para trás encostou as costas no sofá, imitando o gesto de Leonardo. – Tem cinco minutos que estou falando para as paredes, pelo visto. – disse entre suspiros. Abri a boca para pedir desculpas, mas ele continuou a falar: – Estava perguntando quantos anos você tem.

— Dezessete.

Como meio de me redimir parei de pensar em Leonardo enquanto mantinha a conversa. Descobri que Jô é uma pessoa interessante; gosta de ler e escrever poemas, caseiro e é extremamente educado. Tem como hobby assistir filmes melosos enquanto chora encima das pipocas. Depois de tanta conversa percebi que ele não usa palavrão. Nenhum. Nada. Zero. Será que ninguém ensinou para ele que pra caralho é um advérbio de intensidade?

O baixinho, que notei que não estava presente até aparecer no meio dos acentos, carregava diversos pratos e talhares que depositou na mesinha de centro pronta para quebrar. Todos pararam de conversar e prestaram atenção nas panelas que ele logo começou a trazer. Arroz. Feijão. Salada. Batata frita. Carne. O suspense que fazia para abrir cada panela deixava os rapazes ansiosos, e acabavam gritavam um “anda logo, Pedro”. Assim finalmente descobri seu nome. Tudo ali parecia saboroso. Pedro parecia um famoso mestre cuca. Ele chegou a me oferecer, mas tive que negar. Já havia almoçado e não estava com fome, ainda assim quase cai em tentação por causa do cheiro maravilhoso que se espalhou pela sala.

Gaby apareceu pouco depois vindo da não-porta que estava no primeiro dia em que estive aqui. Ele estava um pouco atordoado, todavia logo se juntou a conversa da sala. Todos o receberam bem, fazendo imitações e piadas de quando desmaiou. Ficou bravo no início, mas não resistiu; caiu na gargalhada com todo mundo.


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