A Retribuição escrita por BadWolf


Capítulo 37
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Olá.

O último cap pegou fogo, né?
Ainda estão com queimaduras?Espero que sobrevivam a mais algumas.
Escrevi isso com o S2 partido.
~snif~


Boa leitura!



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Extraído do Diário Pessoal de John H. Watson


Londres, Inglaterra. 07 de Abril de 1907.



Nos últimos tempos, o trabalho e minha recente vida de pai de três meninas têm me tornado negligente com meus escritos pessoais. No entanto, tendo em vista os acontecimentos dos últimos dias, sinto-me obrigado à recorrer à caneta para ordenar os fatos, tais como eu presenciei, numa tentativa de reorganizar minhas idéias e buscar alento ao meu coração entristecido.

Minha esposa, Molly, tem o hábito de dizer que a dor alheia me consome. Sinto que ela diz isto fazendo referência aos meus pacientes, mas creio que seja mais do que isso. Nos últimos anos, sinto-me quase um criminoso por carregar qualquer felicidade me meu peito, diante da vida infeliz que leva meu grande amigo, Sherlock Holmes, e sua esposa, Esther Katz. Por mais que meu amor por Molly tenha ajudado a dissipar a antiga obsessão que eu nutria por ela, eu ainda me sentia conectado a ela de alguma forma, e também por sua dor. Eu também tinha perdido um filho, afinal, e o tive tirado de meus braços no instante em que ele nascera, e não apenas ele, mas minha eterna Mary. Notei olhares ciumentos de Holmes, quando ele me vê consolando Esther, de tal modo que evitei fazê-lo, guardando minhas considerações a mim mesmo. Não queria causar mais dano a algo já tão alquebrado.

O casamento dos dois vinha caminhando a passos descompassados fazia seis anos, não sendo mera coincidência o início desta ruína. Desde que o filho do casal, Jonathan, foi cruelmente tomado dos braços de sua mãe a relação entre ambos jamais foi a mesma. Homem racional, Holmes era incapaz de se ver pai, e temo eu, agia mais friamente do que se esperava. Durante o curso do caso, eu notei raiva em seus olhos, mas era uma raiva claramente direcionada à crueldade dos sequestradores para com Esther, não com a criança e seu desfecho incerto. Ele jamais se sentiu pai, assim dizia Esther em uma de suas várias discussões. Se desde o doloroso momento em que descobri a respeito de suas verdadeiras relações eu sentia certo companheirismo entre os dois, agora eu nada mais via além de um casal unido pela mera casualidade de um registro de casamento. Ambos caminhavam para uma relação extremamente comum no nosso meio vitoriano: um casamento sem amor.

Confesso que imaginei, quando descobri que os dois tinham um romance, que ficaria feliz se, por algum motivo, Holmes e Sophie Esther se separassem. Mas a cada dia que se passava, e eu avistava o casal cada vez mais distante. Na época em que descobri, de um modo horrendo, a natureza de seu relacionamento, certamente ver os dois em tal estado dar-me-ia felicidade, mas agora, eis que um estranho sentimento de tristeza abateu-me. Lembro-me de ver meu amigo estranhamente mais leve e feliz desde que voltara de seu Hiato e acredito piamente que seu romance secreto tenha sido causa fundamental. É uma pena que pouco tenha visto do verdadeiro casal que meu amigo formou com Esther, e tento explicar para mim mesmo, cada vez que ouço os gritos das discussões de casal irrompendo por Baker Street, que fora um fato dramático que lhes empurrara à esta situação.

Talvez o fato de a família de Sherlock Holmes ter estado envolvida no rapto de Esther e da criança tenha empurrado ainda mais a relação de ambos para este abismo. Como me foi conhecido, Siger Holmes, pai de meu amigo, é um homem que coleciona preconceitos, sendo peça crucial no sequestro da esposa de seu próprio filho. Isso me perturba sempre que penso no assunto, e imagino que deva perturbar os dois também. Afinal, Holmes decidiu não denunciar seu pai, alegando que ele já era um homem velho demais para uma prisão, o que deixou Esther profundamente irritada. Nem mesmo os apelos de Mycroft, atestando o grau de enfermidade do Sênior Holmes, puderam mudar a opinião dela sobre o assunto.

Não assisti a evolução das discussões dos últimos anos, pois finalmente casei-me com Molly Sarandon e passei a morar em minha própria casa – a única vez em que me casei sem remorso por deixar meu melhor amigo sozinho. Entretanto, eu não estava plenamente em paz. Molly e Esther eram amigas e conversavam muito, algo tipicamente feminino, e eu acabava por saber, ainda que poupado de certos detalhes, que a relação dos dois ia de mal a pior.

Molly era uma esposa atenciosa e dedicada. Com dois anos de matrimônio, ela engravidou de nossa primeira filha, Suzanne. Minha filha primogênita Emily, fruto de meu conturbado relacionamento com Rose Willians, era cuidada por ela com igual afinco a uma filha legítima, o que me deixava aliviado e me fazia sentir aliviado por ter encontrado esposa tão maravilhosa. Se amei Esther por muitos anos, sofrendo por ter sido rejeitado por um homem que sempre me pareceu um estranho, Molly me fazia sentir ser amado e cuidava de mim com extrema devoção.

Sua devoção estendia-se também aos assuntos que me perturbavam. Como uma boa esposa de médico, ela era compreensível e sempre parecia preocupada com meus pacientes. Pergutava por eles pelo nome, e sempre mandava mimos quando lhe era permitido fazê-lo. Aos meus amigos, sua preocupação também se estendia, embora eu sentisse que ela já tinha um tomado um partido na intensa briga formada entre meu amigo Sherlock Holmes e sua esposa.

–Minha pobre amiga... – ela se lamentava, em nossa sala de jantar. – Os dois não param de discutir, John! Você precisa fazer alguma coisa!

Eu dei de ombros.

–Não há o que fazer, Molly. Esse é um problema entre casais. É mais fácil a você dizer-me isso, afinal eu imagino que Esther deva te contar tudo o que está acontecendo, mas Holmes é um homem... Tímido, eu diria.

Franzi o cenho para meu próprio termo. Bom, chamar um detetive consultor, que tem no disfarce e interpretação grandes ferramentas de trabalho de “tímido” não é o termo mais adequado, mas acabo recorrendo a tal adjetivo para assim classifica-lo. Se meu amigo conseguia apresentar desenvoltura para interpretar idosos e mesmo mulheres quando disfarçado, o mesmo não se pode dizer de meras conversas sobre assuntos mais íntimos, que escapavam da natureza de seu trabalho.

Lembro-me, desde o início de nossa associação, de vê-lo evitar assuntos mais “masculinos”, principalmente os que incluíam as mulheres. Se eu comentasse um detalhe mais particular, ou mesmo íntimo, a respeito de uma de minhas relações anteriores, eu chegava a vê-lo corar. Claramente, sua educação fora diferente da minha.

Ele não tivera, como eu, um pai bêbado, que costumava falar mais do que devia depois de três copos de vinho, e que sempre aparecia desagradando minha mãe com um rabo-de-saia diferente, e nem mesmo amadurecera dentro de um quartel, convivendo com todo o tipo de pecado que um homem pode possuir. Imagino Holmes criado dentro de uma educação rígida e religiosa, e amadurecido em meio a livros de uma biblioteca de uma Universidade renomada. Ao conhecer seu irmão, e depois seu pai, minha suspeita tornou-se certeza. Suspeito que meu amigo jamais teve uma conversa própria e aberta sobre temas adultos – aliás, suspeito que tenha se casado virgem com Esther se não tivesse escutado sua confissão de que se deitara com ela antes disso. Mesmo com o casamento, meu amigo não mudou este aspecto de sua personalidade, permanecendo retraído com esse tipo de assunto. Pensei que, sendo um homem casado, as conversas “de homem para homem” poderiam acontecer, mas quando o vejo se esquivar do tema sempre que toco no assunto, percebo que me enganei fortemente.

–Acho que lhe farei uma visita. – disse, por fim, à Molly, que pareceu mais aliviada, pegando minha mão com carinho.

–Faça, John. Eu... Eu estou com um mau pressentimento.

Ri disso. – Pressentimento? Ora, Molly, você jamais foi disso!

Molly parecia olhar distante.

–Ontem eu e Esther tomamos chá juntas. Ela estava... Estranha. Não sei. Na última semana, parecia entusiasmada com alguma coisa. Pensei que... Pensei que algo entre ela e seu amigo estivesse acontecendo, mas eu percebi que não. Eu tenho certeza de que é sobre o bebê.

Bebê. Era até estranho chama-lo assim, visto que ele deveria ter quase sete anos de idade – se ainda estivesse vivo.

–Por quê diz isso?

–Os olhos dela brilhavam. Não eram olhos de uma apaixonada, eram olhos de uma mãe.

Eu ponderei por um momento.

–Vou dar-lhes uma visita. – decidi. – E será hoje.

O instinto de minha esposa estava certo, certíssimo. Assim que abri a porta, fui recebido por Mrs. Hudson, muito nervosa.

–Oh, Dr. Watson! Um verdadeiro anjo do Senhor mandado para nós!

Eu estranhei o tom dela, e percebi que ela parecia triste.

–O-O-O que...?

De repente, ouvi um ruído, vindo do andar de cima. Certamente seria Sherlock Holmes, tendo mais uma discussão calorosa com Esther, pensei inicialmente. Suspirei longamente, deixando meu chapéu no cabide.

–I-Isso é tão triste... – soluçava Mrs, Hudson. – Eu nunca pensei que...

–Mrs. Hudson, quer me contar o que está havendo? – perguntei, já irritado por suas maneiras reticentes. – Quer saber? Eu vou ver com meus próprios olhos! E por favor, vá sentar e se acalmar, porque no dia seguinte tudo voltará ao normal.

Eu ignorei o choro crescente de nossa velha senhoria e subi as escadas.

Encontrei uma cena aterrorizante.

Sherlock Holmes, caído ao chão, vestido com sua camisola, sentado e com o queixo sobre os joelhos, num reconhecido estado de prostração. Ele estava envolvido em algum caso sério e isso tirou Esther de seu pleno juízo? Uma vez ou duas, quando Holmes estava perto do esgotamento mental em um caso, Esther discutia com ele, dizendo que “desejava o mesmo afinco para encontrar seu filho”. Seria esta mais uma ocasião?

–Holmes?

Ele não me respondeu. Eu percebi que seus olhos cinzentos estavam vidrados em alguma coisa. Do seu lado esquerdo, havia uma seringa vazia.

Não. Depois de tantos anos completamente “limpo”, ele tinha voltado a usar drogas; Mas que diabos de discussão poderia tê-lo levado a voltar ao vício? O que quer que tenha sido, Esther certamente me ouviria no dia seguinte. Ela precisava saber que suas preocupações, embora corretas, tinham um limite.

–Holmes? – perguntei, com um tom mais agressivo e questionador.

Suas pupilas dilatadas não se desviavam, eu percebi, de um pedaço de papel pequeno pousado no chão, diante de si. Timidamente, eu retirei o papel do chão e li. Era, claramente, uma carta.


Sherlock,

Gostaria de escrever esta carta, dizendo que estou relutante ou triste com minha partida. Entretanto, não quero começar minha despedida com uma mentira.

Um sentimento de leveza e alívio escapa de meus pulmões agora. Minhas malas já estão prontas, no canto de nosso quarto. A única tristeza que escapa-me agora é a de que eu desejava que tudo tivesse dado certo entre nós dois. Mas não deu. A ausência de nosso filho – ou melhor, meu filho, uma vez que você jamais sentiu a sensação da paternidade – serviu por arruinar o sentimento mais intenso e terno que já senti por alguém. Talvez eu tenha superestimado você quando nos conhecemos. Você ama sua vida de Detetive Consultor, com nenhum compromisso além de aqueles que exigem seus clientes. Acho que não há, e jamais houve, espaço para mim, muito menos para quem quer que fosse. Tudo deu muito certo enquanto sua solteirice foi mantida e nossa relação em mera aparência. Nossos encontros clandestinos eram perfeitos, e agora, que durmo todas as noites ao seu lado, percebo que você não nasceu para esta vida. Talvez eu também não.

Ainda assim, a minha vida está estacionada naquele 22 de Fevereiro de 1901 – a data de nascimento de nosso filho, caso não se lembre. Preciso pôr um fim às minhas incertezas. Meu menino está mesmo vivo? Ou já está com D’us? Sinceramente, tenho medo das respostas, mas eu preciso continuar a me fazer essas perguntas. Esperei que você desejasse o mesmo, mas vejo que em nenhum momento você se fez essa pergunta.

Sentirei sua falta.

De sua, eternamente sua,

Esther.


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Notas finais do capítulo

E pronto. Chegamos ao final dessa fanfic.

Sim, eu sei que isso está longe de ser um final feliz, mas posso dizer que a partida de Esther dará o pontapé para o próximo cap. Devemos nos lembrar que Jenkins realmente fugiu com a criança, e que ele tinha "planos grandiosos". Mas o que será que ele quis dizer? Não sabemos ainda, mas eu tenho certeza de que Esther não descansará enquanto não resgatar Jonathan.
E quanto ao Holmes, sem comentários. Acho que ele mereceu um pontapé na bunda, mesmo. Espero que ele aprenda agora a ser mais humano.
Quem sabe, na próxima fic, ele não se redima?

Eu já comecei a escrevê-la e pretendo postá-la ano que vem.
E desta vez, eu irei agendar TODOS os caps. Mesmo esquema, quarta e sábado.
O título jáfoi escolhido, mas prefiro guardar segredo, porque dará um baita spoiler dos primeiros caps da fanfic que também já estão prontos.
Só o que posso dizer é que jamais pensei em chegar tão longe assim escrevendo sobre a Esther. Custo a acreditar que já esteja há anos escrevendo fanfics. Realmente, só tenho a agradecer a cada um de vocês, queridos leitores, por toda a minha caminhada. Prometo entregar a vocês um final digno, recheado de surpresas e reviravoltas.

Um grande abraço, e até breve!
Badwolf



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