Uma canção de esperança escrita por Lu Rosa


Capítulo 4
Quatro




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Gerard aproximou-se do imóvel com aparência de abandonado e bateu quatro vezes na porta.

A porta se abriu e um homenzinho com um sorriso alegre o saudou.

Monsieur Vermont! É um prazer recebê-lo. – ele abriu mais para dar passagem a Gerard.

O ambiente fervilhava e sons de música e risos se fazia ouvir. O ar estava enevoado com a fumaça dos cigarros e cheirava a perfume. Num palco, um grupo de mulheres dançava ao som de uma música alegre. Seus braços e pernas rodopiavam no ar, e alguns centímetros de pele podiam ser vistos sob as roupas espalhafatosas.

Uma mulher de cabelos escuros veio ao encontro dele e beijou-lhe os lábios.

– Achei que havia esquecido de mim, mon cher. – ronronou ela com voz rouca.

Ele deixou-se acariciar mantendo o sorriso que ostentava desde que entrara no salão.

– Seria impossível para mim esquecê-la, Claudette.

– Mentiroso... Aposto que deixou alguma [1]petit chienne lá em Londres.

– Uma só não, Claudette. Várias. – ele se apertou dela e deu-lhe um tapa no traseiro.

A morena aceitou o pseudocumprimento com um sorriso malicioso enquanto o levava para os fundos do estabelecimento.

Ela abriu a porta e Gerard adentrou uma pequena sala. Imediatamente Claudette fechou a porta e ele esperou seus olhos acostumarem à penumbra depois do brilho do salão anterior.

– Olá Vermont. Achei que não ia aparecer.

– Eu nunca falto a um compromisso, Cavendish. Eu apenas tive um contratempo.

– Ah... As mulheres de Paris. Como elas nos tomam tempo.

Gerard deu um sorriso sem humor.

– Talvez você tenha esse problema, Cavendish. Eu estava me referindo a uma única mulher... A minha.

Outro homem parou de escrever e olhou para Gerard.

– Sua esposa, Vermont? Ela o reconheceu?

– Não Huntingdon. Estava escuro. Um assaltante a atacou e eu a defendi.

– Oh, quem diria... – Cavendish ironizou. – Um fantasma salvador de viúvas indefesas.

Gerard sentiu o sangue ferver ante a ironia do outro. Seu encontro com Lucille era especial demais para ser desdenhado daquela maneira.

– Tem algum problema com isso, Cavendish? Quer resolver?

– Na hora que você quiser, Vermont.

– Calem-se! Temos algo muito mais importante pra resolver do que as disputas dos senhores.

Eles ouviram em silêncio a reprimenda do agente sênior. Huntingdon era uma espécie de lenda no ambiente deles.

– Cavendish, você está com os documentos?

– Sim. – o rapaz abriu uma maleta sobre a mesa. – O austríaco foi bastante receptivo. Ele está a caminho da Inglaterra e de lá para América do Sul. Pobre rapaz, ter que se enfiar numa selva por que não concorda com Hitler.

– Antes ele estar na selva, Cavendish, do que enfrentar a corte marcial alemã por deserção. – disse Gerard.

– É bom para o espírito ter isso em mente: Todo nazista é alemão, mas nem todo alemão é nazista. – respondeu Cavendish.

– Mas ele não é alemão. – lembrou Gerard.

– Senhores, por favor. – pediu Huntingdon – Vamos nos ater aos fatos. A caracterização será mínima. Foi sorte ele ser da sua altura. Cor dos olhos e cabelos também. Você só terá que tirar essa barba, mas deixar um bigode e clarear os cabelos das têmporas. Vamos transformar você no braço esquerdo de Von Gorthel.

– Espero que o seu alemão esteja impecável.

[2]Das ist gut für Sie oder gerne selbst ausprobieren, Cavendish?*

Cavendish fez um gesto de pouco caso.

– Já preparamos sua história, Gerard. – Huntingdon abriu a pasta de documentos. – Aleksander Vaan Sucher, 35 anos, suíço de nascimento, foi com os pais para Viena e depois para Salzburg. O pai Franz, era psiquiatra contemporâneo de Sigmund Freud; a mãe, Eliza, era professora infantil. Frequentou a Universidade de Salzburg, onde foi aluno considerado mediano. Foi recrutado para o exercito alemão em 1925. Chegou ao posto de capitão em 1940, sendo designado para ser ajudante de ordens do segundo na hierarquia das tropas de ocupação, Gen. Otto Von Gorthel.

– Bem, pelo menos terei uma formação acadêmica.

– Tudo está sendo preparado para sua chegada. – Huntingdon entregou a Gerard alguns documentos. – tenha em mente que você agora é um soldado nazista. Você terá que tomar algumas decisões que serão contra tudo o que você acredita. Estamos em guerra, Vermont. Infelizmente temos que assumir papéis nada agradáveis.

Gerard recebeu o comentário do agente sênior com uma tranquilidade sepulcral.

– Joseph, é o meu trabalho. Vou desempenhá-lo da melhor maneira possível.

– Vou chamar o francês que ajudará você nessa missão. Gustave Mason é uma das pessoas mais bem informadas que eu conheço em Paris. Já realizou mais de cinquenta missões de reconhecimento e informação na Europa durante o período entre guerras. – ele foi até a porta e chamou o francês.

Um homem absolutamente comum entrou. Ele era um estudo em sépia. Cabelos e um bigode farto do mesmo tom castanho. Não era nem alto nem baixo. Um indivíduo que passaria invisível entre as pessoas.

– Este Gustave, é o homem que você ajudará com informações. Nunca saberá o nome dele por uma questão de segurança.

– Oui, monsieur Huntingdon. Pode contar comigo.

– O que você nos fala de Von Gorthel?

– Um homem notável. Era um sargento inexpressível em 1936. Teve uma ascensão meteórica. Mas se tornou arrogante demais. Von Gorthel arranjou inimigos no Terceiro Reich. Mas ainda era um dos preferidos de Hitler. Até ele demonstrar interesse a Eva Braun.

– A amante de Hitler? O homem é louco?!

– Sim. A esposa de Von Gorthel quase nunca é vista. Dizem que é uma rica herdeira bávara. O casamento se deu há um ano e meio. A pobre não teve chance de recusar o menino de ouro de Hitler. Mas a boa vida e os vícios destruíram Von Gorthel. É meio insano. Dizem que quando se interessa por uma mulher, ele a destrói totalmente. Ela aceitando ou não seu assédio. É claro que ele não conseguiu fazer isso com Eva Braun. Mas o desastre já estava feito. Hitler o tirou de Berlim e o despachou para cá. O pai de Hanna Von Gorthel é muito amigo de Hitler e só por isso ele não foi despachado pra África, por exemplo. Mas se ele cometer um errinho que seja... – Gustave passou o dedo pela garganta para ilustrar o destino de Von Gorthel.

– Gustave, como sempre você foi impecável. Será de grande ajuda para a nossa missão. – Joseph estendeu a mão para o francês.

– Estou à disposição, monsieur Huntingdon. – ele apertou a mão do inglês.

Ele apertou a mão de Gerard.

Monsieur, aguardo sua convocação.

– Entrarei em contato.

Nisso o homem que abrira a porta para Gerard entrou na sala.

Monsieur Huntingdon. Os profissionais que pediu chegaram.

– Ah , sim. Vamos começar a prepará-lo. Obrigado, Henri.

– Uma última coisa, Joseph antes de eu me transformar num capitão nazista.

Henri se preparava para sair da sala.

– Henri! – Gerard foi até ele.

Oui, monsieur Vermont.

Gerard deu a ele uma nota de 100 francos.

– Tente descobrir tudo a respeito de Lucille Vermont. Como ela está, sua filha, tudo.

– É sua parenta, monsieur? Desculpe-me, não é da minha conta. – ele desculpou-se pela falta.

– Não se preocupe. É minha esposa.

Henri abriu a boca surpreso. Mas logo assumiu a postura tranquila de sempre.

– Não se preocupe monsieur Vermont. Vou lhe trazer todas as informações. Com licença.

Huntingdon se aproximou de Gerard.

– Você está infringindo nossas regras... De novo.

– Eu tenho que saber como ela está, Joseph. Ela parecia tão desamparada.

– Nós cumprimos nossa parte. Ela teve todo apoio financeiro necessário para sobreviver.

– Não estou falando disso. Mas ela parecia ter perdido a alegria.

Cavendish aproveitou esse momento para ser cruel.

– Por que você não diz a ele, Huntingdon?

– Dizer o quê? – perguntou Gerard.

Huntingdon pareceu constrangido.

– Não é o momento. Ele não precisa saber disso agora e você não precisava atacá-lo desse jeito.

– Não quero saber se é o momento ou não, Huntingdon. Se for sobre minha esposa ou minha filha, eu quero saber e quero agora.

– Sua filha morreu, Vermont. – sibilou Cavendish – A menina faleceu no último inverno. Eles estavam voltando do enterro quando nós demos a falsa notícia da sua morte.

– Minha filha? Morta? Meu Deus... – Gerard sentou-se colocando as mãos no rosto. – E Lucille estava sozinha... E sozinha aguentou todo esse sofrimento.

– Ela teria morrido mesmo com você aqui. O inverno foi muito rigoroso. Muitas mortes. – apartou Huntingdon.

– Sim. Mas eu estaria aqui. Joseph, é minha última missão.

– Ah, Gerard. De novo essa história...

– Vou executá-la da melhor maneira, como eu sempre executei minhas missões. Mas acabou. – ele olhou para Cavendish. – Deveria ficar feliz. Conseguiu sua promoção. Agora quero ficar sozinho. – ele sentou-se numa cadeira.

Os homens saíram da sala. Cavendish olhou para Huntingdon.

– Você acha que ele conseguirá?

– Ele sempre consegue. É meu melhor agente. – ele se virou para sair, mas voltou-se para dizer.

– E só por causa de sua crueldade, fique sabendo duas coisas: Eu só não demito você agora por que preciso de todos os agentes de campo. E – Huntingdon o olhou com desprezo. – Você nunca conseguirá substituir Vermont.- e só então ele começou a caminhar em direção à saída.

Naquele momento, em pontos distantes de Paris, Lucille e Gerard tinham o mesmo pensamento: “Como minha vida poderia ter sido diferente...”


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Notas finais do capítulo

[1] Cadelinha (nota da autora)

[2] Assim está bom para você ou gostaria de tentar você mesmo, Cavendish? (nota da autora)



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