Uma canção de esperança escrita por Lu Rosa


Capítulo 33
Trinta e Três




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Os dias começavam a ficar frios naquele final de outubro de 1941. E Hanna olhava pela janela vendo as pessoas passarem apressadas pela casa do comandante nazista. Ela queria ir visitar as crianças no Orfanato, mas desde que fora confrontada por Julian estava com medo de voltar lá.

Mas quem era ele para decidir se ela era ou não bem vinda ao Orfanato? Ela iria sim. Gostava das crianças, gostava das amas e de Padre Honoré. E, como os dias ficando mais frios, as crianças iriam precisar de agasalhos.

Hanna correu para fora da sala chamando sua ama.

–Nannau! Nannau!

A criada veio da cozinha onde supervisionava o preparo do jantar.

– Sim, minha criança? O que foi?

– Pegue todas as cobertas do meu enxoval que eu não vou precisar. Aquelas com peles, que me dão alergia. Pegue todas e fale com Marie. Quero que ela pegue na dispensa o que vem na provisão dos oficiais e nós não usamos. Carne, sopa, biscoitos... Ah peça pra alguém ir ao mercado e comprar doces.

– Tudo isso pra quê, minha criança?

– Nós vamos voltar ao Orfanato.

– Querida, tem certeza que quer voltar a esse lugar onde foi proibida de ir? - perguntou Clara preocupada.

– É claro! - Hanna bateu o pé no chão. - Já recebi ordens demais. Agora vou fazer as coisas por minha conta, Nannau. Fale com Marie. Tenho certeza que ela não vai se opor, quando souber para quem é a comida. Nós temos tanto e cada vez chega mais. Vá, corra! Quero fazer isso antes do jantar.

A velha senhora juntou as mãos de sua patroa e as beijou.

– Você é um anjinho. Sempre querendo o bem.

Hanna passou a mão pelos cabelos brancos da senhora num gesto de carinho.

– Graças a você e a mamãe. Agora corra. Vou pedir para Franz preparar o carro.

– E ele não falará nada ao Kommandant?

– Não. Eu confio no Franz. Além do mais, ele está de namorinho com a Marie. Por que você acha que eu pedi para ela nos ajudar? - ela riu.

Clara balançou a cabeça, sorrindo. Sua Hanna estava ficando espertinha demais.

***

Julian abraçou Lucille.

– Bem, foi bom enquanto durou.

Lucille deu um sorriso triste.

– Eu queria muito poder corresponder ao seu amor. Mas eu não pude, Julian. E agora que eu sei que Gerard está vivo, mesmo não admitindo para ele, quero que ele volte para mim.

– Ele não disse o porquê dele ainda não ter voltado?

Lucille teve que contar até dez para não falar o segredo de Gerard. Afinal Julian era da resistência e poderia interpretar mal o fato de Gerard estar entre os nazistas.

Só que ela não sabia que Julian estava ciente do que Gerard estava fazendo.

– Não. - ela falou simplesmente. - Ele contou sobre o acidente, mas não disse nada mais. Os homens, assim como as mulheres, têm os seus segredos.

Julian assentiu. Se ele não contara nada a esposa, só podia ser para protegê-la.

– Bem, eu já vou. Vou passar no Orfanato para ver Nanette e depois vou seguir para o acampamento.

– Espero que você fique bem, Julian. Você se tornou especial para mim.

– Você também, Lucille. Espero que você fique bem. E que Gerard cuide de você agora que voltou. Não é bom para uma mulher morar sozinha.

– Você fala como Elsie. Eu estou bem e sei me defender. E você, procure ficar a salvo. Não é sempre que você vai encontrar uma enfermeira competente como eu.

Julian riu. Engraçado, ele amou Lucille desde a adolescência. Mas agora não conseguia vê-la a não ser como, se não uma irmã por causa do que viveram juntos, mas como boa amiga. Ele depositou um beijo no alto da cabeça dela e desceu as escadas da varanda.

Lucille o viu partindo e suspirou. Julian merecia uma jovem que o amasse como ele merecia. E com certeza ele a encontraria. Bastava que ele tirasse o véu do preconceito e enxergasse a verdade à sua frente.

***

Apesar dos bons sentimentos, Hanna não deixou de sentir medo ao passar pelos portões do Orfanato. Havia sido descoberta e exposta perante todos por Julian. Talvez as crianças não tivessem entendido o que seu sobrenome significava, mas as crianças maiores, as amas e Padre Honoré sim.

Mas, ela iria em frente. Se sua presença não fosse aceita ali, pelo menos Padre Honoré teria o discernimento de aceitar os alimentos e os cobertores que trouxera.

Felizmente a primeira pessoa que encontrou foi justamente o Padre, que teve um sobressalto ao vê-la acompanhada de uma velha criada e um homem com uniforme de soldado alemão.

– Olá, Padre... - ela cumprimentou com voz baixa.

Madame Von Gorthel. - ele levantou-se da pequena horta e tirou as luvas. Adiantou-se para cumprimentá-la, mas parou ao ver o soldado. - O que a traz aqui? - ele olhou para os lados, nervoso.

– Por favor, Padre. Chame-me de Hanna. Ou pelo nome que Lucille me deu. Sei que o meu sobrenome causa mal estar a todos.

– Ela sabe quem você é. - não era uma pergunta. - Lucille é uma das melhores pessoas que eu já conheci e por isso sei, que apesar de seu sobrenome, você não é uma pessoa ruim. E seus olhos são puros quanto de uma criança.

Os olhos de Hanna ficaram cheios de lágrimas e ela soltou a respiração que prendera sem perceber. Como temera ser escorraçada dali pelo Padre. Ele era um religioso, mas como os outros a encarariam? Ela passou a mão no rosto para secá-lo.

– Padre, esta é minha ama Clara Berger que eu chamo carinhosamente de Nannau.

O Padre apertou a mão de Clara e as convidou.

– Venham.. Está começando a esfriar.

Hanna deu uma olhada rápida para Franz.

– Franz, por favor. Dê-me as sacolas e você poderá esperar no carro.

– Sim, Dame Von Gorthel. - o rapaz entregou as sacolas e fazendo um cumprimento ao Padre voltou para o carro.

– Franz veio comigo e Nannau quando me casei. Era filho do motorista de meus pais e é meu motorista particular. Mas, infelizmente, obrigado a envergar esse uniforme maldito. Oh, perdoe-me, Padre.

– Não por isso , minha filha. - o Padre Honoré sorriu compreensivo. - Começo a perceber que nem todo alemão é nazista. Infelizmente as pessoas não pensam desse modo tão simples.

– O senhor não acha que a Guerra deveria ficar restrita aos campos de batalha?

– Ah, minha filha... Mas a guerra também é política. E, quanto mais Hitler conquista países, mais poder ele tem.

– Tenho a impressão que isso não vai acabar bem para ninguém.

O Padre a encarou pensativamente.

– Por que diz isso, filha?

– Ele distribuiu o mal por toda a parte. O senhor não acha que ele vai envelhecer tranquilo numa vila de frente para o mar? Ou observando os netinhos a brincar?

– Hanna, você tem uma sensibilidade extrema. Não se preocupe com isso. Cada um recebe o que oferece ao mundo. Rezo para Deus para que ele perceba o mal que está causando. Mas acredito que, até para Deus, o senhor Adolf é um caso perdido.

Os três entraram e se dirigiram ao salão, onde todos se divertiam ouvindo uma das amas tocar um piano.

Os olhos de Hanna se iluminaram ao ouvir a melodia.

– Mas... é Schumann! Lembra-se Nannau? Mamãe tocava Schumann para mim, Charlotte e Karl. E ele sempre dormia no seu colo.

A velha senhora fungou emocionada ao lembrar a cena doméstica.

– A senhora Chanot é uma ótima pianista. O nosso piano que não está à altura dela.

Mas, quando o grupo foi notado pela pianista, as notas morreram no silencio que se seguiu.

– Por favor, Madame Chanot. Continue a tocar. Essas são nossas amigas, Hanna e Clara.

Não passou despercebido a Hanna que algumas amas mais jovens abraçaram as crianças pequenas como se para protegê-las.

Ela tinha que se manifestar.

– Por favor, não me temam. Eu não farei mal a vocês. Não deixem que o peso do meu sobrenome continue a me fazer sofrer. Quero muito ser aceita pela pessoa que eu sou..

– Os alemães fizeram-nos muito mal. Por pouco um soldado nazista não violenta uma de nossas mocinhas. Se não fosse madame Vermont, hoje, Nanette não seria mais nada. - disse uma das amas mais velhas.

– Tenho certeza que esse não é um comportamento aceitável e que esse soldado já foi punido.

– O superior dele ficou furioso quando se inteirou do fato. Ele o puniu na nossa frente.

– Quem era o superior? - perguntou Hanna.

O Padre tentou lembrar o nome.

– Minha memória já não é tão boa. Vaan Sacher... Von Secher...

– Capitão Vaan Sucher?

– Sim! Isso mesmo. Capitão Vaan Sucher.

– Eu o conheço. É secretário de meu marido. E um dos oficiais mais admirados por ele. E por mim também. É justo e sensato.

– E nazista também. - disse uma voz.


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