Uma canção de esperança escrita por Lu Rosa


Capítulo 34
Trinta e Quatro




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Todos se viraram e Julian estava na porta olhando para Hanna como se fosse o próprio anjo vingador que expulsou Adão e Eva do paraíso.

Ele se encaminhou na direção do grupo. Nanette saiu do lugar onde estava e correu para abraçar o irmão.

– Julian! Você demorou a vir! - ela reclamou.

– Eu tinha algumas coisas a fazer. Mas estou aqui, não estou? - ele fez um carinho na cabeça da irmã

Mas quando seus olhos caíram sobre Hanna novamente, ele tornou a fechar a cara.

– O que ela faz aqui?

Quando Padre Honoré abriu a boca para responder, Hanna respirou fundo enfrentou Julian.

– Eu vim como amiga e trouxe algumas coisas para o Orfanato.

– Não precisamos da caridade nazista, madame Von Gorthel.

– Julian, o que é isso? - repreendeu Padre Honoré. - Não se fala assim com uma dama.

– Isso não cabe a você decidir, Julian Desmonts. Você não é o responsável por essas pessoas. – Hanna virou-se para Padre Honoré – Com todo o respeito Padre. Se o senhor quiser, eu vou embora. Eu só peço que o senhor aceite tudo que eu trouxe. São alimentos, cobertores e alguns mimos para as crianças.

Padre Honoré passou os braços pelos ombros da moça.

– Hanna, seu coração é puro e você sempre será bem vinda aqui. – Padre Honoré olhou para todos enquanto falava como se desafiasse alguém.

Nanette saiu do lado do irmão e antes que ele pudesse impedi-la, ela segurou nas mãos de Hanna.

– Você é uma pessoa boa e eu gosto de você.

Como se as palavras da menina fossem uma senha de comando, as outras crianças correram para Hanna abraçando-a. A jovem acariciava os pequeninos e as lágrimas corriam copiosas pelo seu rosto.

Julian olhou a cena e saiu da sala pisando duro. Padre Honoré saiu atrás dele e o encontrou andando de um lado para outro na capela.

– Julian, meu filho... Por que tanta irritação?

– Não pode ser Padre. Isso está errado. Ela é uma alemã! Casada com um nazista! E não é um nazista comum. É o comandante de ocupação. O homem que decide o destino da França. E por que o senhor não me contou que Nanette havia sido atacada e que Lucille a salvou? – Julian despejou tudo de uma vez.

Padre Honoré deixou o jovem extravasar toda sua raiva para então esclarecer.

– Para evitar sua reação. Agora tudo está resolvido. O monstro que tentou fazer isso foi punido duas vezes. Apanhou de uma mulher, o que vai lhe render muitas pilhérias e de seu superior o que provavelmente causou sua prisão. Mas se você estivesse aqui, você o mataria e seria preso e executado. Esses soldados esperar uma oportunidade para matar ou levar aos campos de extermínio, Julian. Pense em Nanette e tenha cuidado. – o padre adquiriu um ar malicioso. - E quando você percebeu que você está apaixonado por Hanna?

Julian parou de falar e encarou o Padre como se tivesse levado um choque elétrico. Fechou os olhos como se sentisse dor e sentou-se pesadamente sobre um dos bancos.

O padre sentou-se ao lado dele.

– Eu a vi pela primeira vez quando meu grupo atacou um comboio alemão nos arredores de Paris. Eu atirei no motorista e abri a porta do carro esperando ver algum oficial que pudéssemos prender. Ao invés disso, vi duas mulheres abraçadas completamente aterrorizadas. Quando a mais jovem ergueu os olhos para mim, eu... Eu me senti...

– Como se a Terra tivesse parado de girar? – completou o padre. – Como se tudo que você já vivera e sentira até aquele momento fosse insignificante?

– É. – rapaz fitou o outro homem com surpresa. - Como o senhor sabe a respeito disso?

– Eu também já amei como um homem, Julian. – o padre esclareceu imerso em lembranças – Eu amei uma moça em minha juventude. Era minha prima irmã, por parte de mãe. Nossa família nunca iria aceitar o nosso amor. Mas nunca ninguém soube. Meus tios arrumaram o casamento dela com um rico empresário. Eu não pude suportar e entrei para a Igreja. Encontrei conforto na religião. Hoje vivo um amor com a Igreja e tenho meus filhos de coração.

– Puxa, padre Honoré... Passei tantos anos com você e nunca soube disso.

– Quando você se torna um homem de Deus, meu filho, algumas coisas de seu passado devem ser enterradas em seu coração. Mas voltando ao seu caso, por que você não tenta se aproximar de Hanna? Tenho certeza que ela não recusará você.

Julian riu das palavras do padre.

– Padre, está me induzindo a cometer adultério?

– Meu filho, com toda a minha experiência eu posso lhe afirmar. Hanna Von Gorthel não tem um marido. Ela tem um algoz. E nesse caso, você não estará cometendo adultério com ela. Estará salvando-a.

Padre Honoré levantou-se e olhou para seu antigo pupilo.

– Pense a respeito, Julian. Hanna é uma linda mulher e tem um coração de ouro. Precisa de alguém para protegê-la e cuidar dela.

– E o senhor acha que eu posso fazer isso? Eu sou um maqui, padre. Meu futuro é incerto.

– Deixe para pensar nisso quando chegar o futuro, Julian. Só estou dizendo para você se aproximar dela. Deixe-a mostrar o quanto ela vale. Você sempre falou de justiça, mas foi extremamente preconceituoso com essa moça. Foi uma forma de tentar ignorar seus sentimentos, eu sei. Mas você a fez sofrer.

– Eu não vou pensar nisso, padre. Não quero pensar nisso. Vou me despedir de Nanette e vou embora.

Ele virou-se para sair da capela.

– Julian! Julian, espere! – o padre o chamou. Mas o jovem já havia saído.

***

Quando Julian voltou à sala onde sua irmã estava ouviu um doce som de piano. A melodia evocava uma noite enluarada a beira do mar numa noite quente de verão.

Curioso em saber quem tocava, Julian aproximou-se da porta. Surpreso viu Hanna sentada ao piano. As crianças estavam acalentadas nos colos das amas, ou sentadas juntinhas ou deitadas sobre os tapetes ouvindo atentamente a melodia. Ele, quando rapazinho, não aguentava essas tardes de música e sempre dava um jeito de fugir para o pomar ou até mesmo para as ruas. Sempre que voltava, já anoitecendo, era recebido com um sermão de padre Honoré.

Mas as professoras que tocavam o piano não tinham a sensibilidade de Hanna cujas mãos deslizavam sobre o teclado com maestria. Mas um ponto para separá-la dele. Provavelmente tivera a mais esmerada educação. Não, padre Honoré estava errado. Nunca uma mulher como ela olharia para um João Ninguém como ele.

Mas ele continuou a observá-la. Parecia que ela se transportava para um mundo mágico, onde não existiam guerras ou medo. De repente, ela ergueu o olhar e seus olhos se cruzaram. Sua face tingiu-se de rosa e ele sentiu algo estranho no peito. Era como uma dor, como se seu coração se expandisse e tragasse toda a luz do mundo. Se não era amor o que ele sentiu naquele momento, então Julian não saberia dizer o que era.

A peça chegou ao fim e Hanna pousou as mãos sobre o colo. As crianças começaram a pedir que ela tocasse mais, mas ela virou-se para os pequenos.

– Tocarei para vocês mais vezes, assim que puder voltar.

Hanna sentiu que a tristeza permeava suas palavras, apesar de dizê-las sorrindo. Nunca ela poderia voltar, Julian já deixara bem claro que ela não era bem vinda ali. Apesar do apoio de padre Honoré e das amas, ela nunca mais queria ver o desprezo nos olhos do homem que amava.

Ele continuava ali parado, como se a vigiasse. Mas quando seus olhares se cruzaram, ela sentiu que ele a olhava de maneira diferente. E isso fez com que seu coração batesse mais forte. E agora, Hanna sabia que tinha que levantar da banqueta e ir embora, mas suas pernas tremiam e parecia que mil borboletas voavam em seus estomago.

Clara veio até ela e disse:

– Criança, nós já demoramos demais. Temos que ir.

Hanna olhou para Clara como se despertasse e acenou concordando.

Ela fez um carinho nas cabeças das crianças mais próximas e acenou em despedida para as que estavam mais longe. Um coro de "Até logo, madame." a acompanhou até a saída.

Julian bloqueou a saída delas, fazendo que ela suspirasse irritada.

Monsieur Desmonts, poderia nos dar licença? Estamos tentando realizar o seu desejo que é nos ver longe daqui.

Ele deu um sorriso meio tímido como se achando graça da irritação dela.

– Será que eu poderia falar alguns minutos com madame?

Hanna olhou para ele com o olhar meio suspeito. Mas ele parecia tão ansioso... Ela tocou no braço de Clara e disse:

– Espere-me no portão. Já irei encontrá-la

– Tem certeza, querida? – Clara estava preocupada.

– Tenho. Não vou demorar.

Clara Berger obedeceu à sua senhora e foi para o portão. Mas uma surpresa nada agradável a aguardava.


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