Uma canção de esperança escrita por Lu Rosa


Capítulo 20
Vinte




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Lucille abriu a porta da casa ao ouvir a sineta. Estava em roupas de faxina, aproveitando a folga de dois dias dados por Claude para fazer uma limpeza na casa.

Madame Lucille Vermont? - um sorridente soldado alemão perguntou.

– Sim. Sou Lucille Vermont. O que deseja? – ela sorriu de volta. O rapaz era tão jovem... Ela ficou triste em pensar que logo ele seria levado para frente de batalha.

Ele pegou um envelope e lhe estendeu.

– Correio, madame.

– Ah, sim. Obrigada. – ela pegou o envelope e agradeceu fechando a porta em seguida.

Olhou o remetente abrindo um grande sorriso. Era uma carta de Colette! Rapidamente ela rasgou o envelope. Ela ficara dois anos sem receber notícias da irmã. Nunca soube se ela, o marido e a filhinha recém-nascida tinha conseguido chegar à Suíça. Graças a Deus, tudo perecia ter corrido bem.

Ansiosa Lucille começou a ler a carta

“Querida Lucille,”

“Acredito que você não tenha recebido minha primeira carta visto que a situação aí na França estava caótica. Espero que essa segunda carta lhe encontre bem.”

“Não vou aborrecer você com os detalhes de nossa viagem, basta que você saiba que, embora difícil, todo o grupo conseguiu chegar na fronteira. Nos primeiros dias eu fiquei um tanto doente, fraca por causa da jornada, afinal de contas eu estava de resguardo. A mãe de Pierre cuidou de mim com desvelo de mãe e aos poucos fui ficando boa.”

“A casa da família de Pierre é grande e bem acolhedora e os pais dele ainda estão vivos, acredita? Todos são muito unidos na aldeia, acredito que você saiba a razão.”

“Agora estamos bem aqui em Ville d’Argent, uma aldeia nos arredores de Genebra. O lugar é pacato e totalmente campestre. Você iria gostar. Fica próximo da cidade o suficiente para Pierre ir trabalhar. Ele conseguiu um emprego num restaurante, modéstia à parte, meu marido cozinha muito bem.”

Lucille riu alto ao ler essa observação de Colette. Sempre dizia que Pierre havia conquistado ela pelo estomago. Colette era um terror cozinhando.

“A guerra parece algo distante por aqui, a maioria da população é de pessoas de meia idade e crianças. Muitas crianças. Hélene já tem vários amiguinhos.”

“Outro dia, fui ao cabeleireiro e vi uma revista francesa. Comecei a folheá-la e mal pude acreditar quando vi uma foto sua. Você estava ruiva, mas eu a reconheceria até se você estivesse pintada de rosa com bolinhas brancas. “A nova sensação de Paris”, dizia o anúncio. Fiquei muito orgulhosa e sem ninguém perceber arranquei a página da revista. Comprei uma moldura e a coloquei sobre o console da lareira.”

Os parágrafos seguintes deixaram Lucille emocionada.

“Queria muito que estivéssemos juntas. Sinto sua falta, minha irmã. Mas sei que você tinha razões para ficar em Paris. Pensou que eu não soubesse, não é? Falo muito com Hélene sobre você e sempre mostro aquela fotografia que papai tirou de nós durante o passeio no Castelo de Versalhes. Estou mandando uma fotografia nossa, para que você veja o quanto Hélene é parecida com você. Ela tem até o mesmo trejeito seu quando está pensativa, de cruzar os braços e inclinar a cabeça para o lado.”

“Toda a noite, eu peço para Deus lhe proteger. E para que essa guerra não demore muito para acabar.”

“De sua irmã que lhe ama,”

“Colette.”

Lucille dobrou a carta e pegou a fotografia dentro do envelope. Colette parecia mais cheia de corpo, com certeza com o ar puro dos Alpes e a vida tranquila contribuíam para a boa figura. Pierre continuava com o mesmo ar grave e sério de sempre e Hélene era uma garotinha linda! Envergava um vestidinho, sapatos e meias e duas trancinhas lhe desciam pelos ombros. Sim Colette tinha razão. A menininha se parecia muito com ela, Lucille. Todos sorriam felizes e Lucille pensou na sorte que eles tiveram. Algumas pessoas não tiveram tanta sorte. Ela se lembrava de uma conversa que escutara numa fila do mercado. Duas mulheres conversando sobre um grupo de fugitivos.

“Então eu soube que eles foram presos logo que deixaram Lyon em direção à fronteira” – contou uma das mulheres.

“É mesmo?” – perguntou a outra mulher.

“Sim. Meu filho que mora em Lyon me mandou uma carta falando disso. Ele disse que todos morreram, até as crianças.”

“Mas tiveram um enterro digno, pelo menos?”

“Que nada! Meu filho disse que os homens tiveram que cavar um buraco, daí eles puseram todo mundo lá dentro e metralharam todos. Ninguém foi poupado.”

Lucille não aguentava mais e perguntou.

“Desculpe-me mas quando aconteceu isso?”

“Há uns dois meses, perto de Lyon. Um grupo de judeus estava fugindo e uma patrulha nazista os pegou. Moça! Moça! Você está bem?” – Lucille ainda a ouviu perguntar antes que desfalecesse.

Deixando esses pensamentos de lado, Lucille olhou novamente para a fotografia. Passou o dedo sobre as figuras daqueles que eram sua única família e que agora, por causa dos desmandos de um insano megalomaníaco, estavam longe dela. A saudade lhe trouxe lágrimas aos olhos e ela começou a chorar.

Foi desse jeito que Julian a encontrou quando chegou em casa alguns minutos depois.

Preocupado ele sentou-se ao lado dela.

– Lucille, o que aconteceu? – perguntou.

Com a voz entrecortada pelo choro ela mostrou a carta e a fotografia.

– Recebi uma carta de Colette.

Julian lembrou-se que Lucille tinha uma irmã mais nova, que se casou, mas precisou fugir da França com o marido que era filho de um judeu.

– E isso não é bom, minha querida? Significa que eles estão bem.

– Mas eu sinto tanta falta dela... – e tornou a soluçar.

Julian a abraçou. Ele não conseguia lidar muito bem com lágrimas. Ele já vira homens chorarem de dor, de saudades de seus amores ou de suas famílias. Mas um homem sempre consegue consolar a outro. Mas mulheres... Ele não disse nenhuma palavra. Apenas esperou que ela esgotasse as lágrimas.

Lucille soltou-se do abraço dele e enxugou o rosto com as costas da mão.

– Está melhor? – Julian segurou o rosto dela

– Estou bem. Obrigada.

O rapaz torceu as mãos com se estivesse nervoso ou constrangido. Lucille notou a aflição dele.

– Julian, o que foi?

– Eu lhe disse que encontrei dois sobreviventes do assalto ao comboio nazista. E que eles me disseram que o líder do acampamento havia morrido. Eles queriam que eu assumisse o comando do grupo.

– E isso vai colocar você na mirados nazistas. Você sabe que os líderes são sempre os mais procurados.

– Sim, eu sei. – ele levantou-se do sofá. – Mas isso significa que eles confiam em mim.

– Desculpa, Julian. Mas significa que eles não querem assumir os riscos. Você me contou que eles eram os mais velhos do grupo. E eles vão ser comandados por um jovem? Isso não te parece estranho?

– Mesmo que seja isso, Lucille. É um desafio. E eu sei que vou dar conta.

Ela balançou a cabeça, não concordando.

– Você é um homem feito. Adulto e experiente em combater. Mas, em relação às questões humanas ainda é ingênuo. Esses homens querem usar você. Mas, não vou impedi-lo se você quiser ir.

Julian tornou-se a sentar ao lado dela.

– É só por dois dias. Você nem vai ter tempo de sentir minha falta. Não fique triste.

– Não estou triste. Estou com medo que lhe aconteça alguma coisa.

– Não vai acontecer. O que vai fazer hoje? Pensei em te convidar para jantar, antes que eu fosse embora.

– Mas você já vai partir hoje?

– Vamos aproveitar que não tem lua no céu. Assim fica mais fácil nos esconder.

– Eu tinha que ir até o Le Moulin para receber minha apresentação. Mas isso pode esperar.

Julian ficou com a impressão que Lucille lhe escondia algo. Mas resolveu deixar para lá.


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