Skia Project escrita por Gabrielle


Capítulo 2
Capítulo 1 - Você vem pra baixo


Notas iniciais do capítulo

Oi pessoal ^^ To aqui com o capítulo um,nessa bela noite de domingo.Como esse capítulo é meio depre,recomendo que vcs escutem a You come Down,da Marika Hackman .Dedico esse cap aos meus amigos Manoel Orlando e Luiz Henrique , que serviram de inspiração para moldar o Orlando. Enfim,espero que gostem.Boa leitura.



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I - Raízes

Capitulo I – Você vem pra baixo


Heleanor acordou com uma forte câimbra em sua panturrilha. Sentia a contração, tão intensa que não teria como aliviar-se, apertando a região dolorida.

Os últimos raios lunares iluminavam o céu, assim como uma parte de seu humilde - lascado, na verdade - quarto. As estrelas diziam adeus à penumbra e fugiam para terras distantes. Ela contemplou o silêncio da madrugada fria, não podendo evitar a lembrança de seu irmão mais velho, Michel.

— Se você estivesse aq... — Deixou a frase morrer em seus lábios, porém não conteve sua memória.

Lembrou-se de suas noites de pesadelos quando era menor e da figura de seu irmão a confortando.

— Foi só um pesadelo, Hele. — dizia enquanto acariciava seus cabelos e a fitava com seus virtuosos olhos castanhos esverdeados. — Nossa cabeça nos engana às vezes. Eu estou aqui, não estou?

Heleanor deixou um sorriso escapar de seus lábios ao lembrar-se do modo que balançara a cabeça freneticamente... a antiga cabeleira castanha balançando enquanto concordava com o irmão.

— Então! — seu tom era carinhoso e brincalhão. — Volte a dormir agora. Vou estar aqui para qualquer coisa. — ele a encaminhou para a cama, cobriu-lhe e lhe deu um beijo na testa. Heleanor lembra que só depois do sussurro do irmão conseguiu dormir novamente — Agora e sempre.

Michel estava certo: às vezes, nossa cabeça nos engana. Mas ele não poderia estar ali. Não mais. Seu irmão estava morto.

Lembrou-se, também, de quando recebeu a notícia de Tobias, seu pai. As palavras vieram como se estivesse embaixo d’água, ofuscadas e confusas. Ela simplesmente congelou. Não conseguiria falar sequer uma palavra até que seu pai a deixará sozinha, e enfim, desabara em lágrimas, afundando em seu pranto.

Pensava que conhecia a dor. O luto. A perda... Não conhecia.

Primeiro a doença levara sua mãe, ainda quando a garota era uma inocente criança de quatro anos. Como reação a morte de Lena, Tobias começou a beber, até que fez disso seu vicio. Portanto, a mágoa foi grande. Afinal, ela não seria um ser humano digno de viver se não sentisse falta de sua mãe. Mas eram tão poucas memórias... Ela nem sabia o que de fato ocorrera e o que era sua imaginação. Um enorme abismo se fez na relação com seu pai, não sendo diferente com Michel. A ausência paterna e luto pela mãe fez com que os irmãos buscassem um consolo mútuo.

Até um maldito aprendiz de lenhador não prestar atenção. O “pequeno tropeço“ de Kai custara a vida de seu irmão. Fez com que suas rachaduras na alma por fim se tornassem cacos em seu ser. Fez com que seu pai perdesse o pouco da essência e da força para viver que lhe restava, se entregando ao vicio.

A vida nunca fora tão dura e solitária.

Mas não adiantava mais. Não podia se permitir cair nas cinza das horas. Os mortos apodrecem abaixo do solo. Os vivos devem prosseguir, querendo ou não. Prometeu-se que hoje iria parar. Hoje seria o ultimo dia que perderia grandes porções de tempo pensando em seu irmão. Sabe que lembraria dele para sempre, mas com moderação, saudades e imenso carinho. Não pensando que também morrerá. Hoje, enfim, Heleanor seguiria sua vida.

O céu já estava mais claro, com um certo tom de lilás. A garota caminhou pelo fino corredor. As paredes de carvalho seco, o chão de terra batida. Adentrou no quarto de seu pai, deparando-se com a mesma surpreendente - porém habitual - cena dos últimos anos: Tobias deitado no canto do quarto, baba lhe correndo dos lábios e pela barba por fazer. Para completar, uma garrafa em sua mão.

— Pai? — Um ronco como resposta. — Tobias, acorde.

Nada.Respirou fundo e se agachou ao lado do pinguço.

— Pai, precisamos ir. — Ela disse, sacudindo-o com violência.

Tobias abriu seus olhos castanhos escuros assustado. Balbuciou algo e virou seu corpo para o lado. Após alguns segundos, virou novamente na direção da filha, percebendo que a menina não havia entendido.

— Vá na frente hoje.

— Claro — murmurou Heleanor, assistindo seu pai se encolher em posição fetal. — Como faço todos os dias. — Sussurrou.

Voltou ao seu quarto, vestiu o uniforme camuflado dos lenhadores — velho e desgastado que um dia pertencera ao irmão. Calçou suas desgastadas botas de couro e andou até o banheiro, onde mascou sálvia para afastar o mau hálito e começou a travar a habitual luta com seu cabelo.

Escovando-se, a garota fitou a si própria por alguns minutos no espelho. Não era alta, nem baixa. Haviam algumas madeixas num tom de cobre em seu cabelo castanho escuro no mais belo estilo do corte “Joãozinho”. Não tinha nada contra seu nariz e boca, porém havia certa implicância com o formato triangular do rosto, que lhe dava uma fisionomia dura, fazendo com que parecesse um menino. Seus olhos eram castanhos claros, como os de sua mãe, segundo o pai.

Afastou o pensamento de sua mente. Fizera uma promessa a si mesma. Teria que superar e voltar a viver normalmente. Saiu do banheiro, apressada. Antes de deixar a velha casa, pegou uma bisnaga e mordeu, arrependendo-se em seguida pela dureza do pão. Calçou as luvas e saiu, seguindo a trilha que levava para a floresta.

No caminho, lembrou das canções que Michel apreciava. Todos os dias em que Heleanor observava o pai e o irmão trabalhar, quando era pequena, Michel cantava uma canção. Quando sua mãe veio a falecer, seu pai não permitiu que ficasse sozinha em casa. E foi assim que Heleanor ingressou no ramo da família - e de boa parte da população que ali vivia. Quando seu pai se entregou ao álcool e trabalhava com pouca frequência, seu irmão continuava a cantarolar aquelas melodias geralmente animadoras.

Como seu irmão mais velho conhecia aquelas canções a menina não sabia. Tudo que sabia era sentia falta daquilo e queria ter a coragem de cantarolar uma melodia feliz.

Balança a cabeça em negativa, como se o movimento afastasse as lembranças. Em vez de buscar consolo nas velhas melodias, deixou-se levar pelo balanço das árvores no vento e no som que as folhas produziam. Perdeu-se na maravilhosa sensação do vento em seu rosto.

O forte dos lenhadores não estava longe. A trilha já apresentava mais vida. É possível ouvir ao longe o som de árvores caindo. Realmente não estava longe. Heleanor se lembrou de quando era pequena e da forma que ficava assustada com o som das árvores caindo e insegura pelo simples fato de estar na trilha.

— Nunca se sabe quando os sequestradores estão por ai. — Falava Tobias, o rosto estampado com um sorriso cínico. Michel lhe encarava com um olhar de advertência.

—Você não precisa ter medo disso, Hele. — Dizia, indignado — Crianças somem todos os dias. Assim como não somem. Se você deixar isso te atrapalhar, nunca sairá de casa.

Assentiu com a cabeça, esquiva.

Sorriu sarcástica com a lembrança. Ela realmente temia os sequestradores. Agora nem sabia ao certo se eles existem.

Nesse exato momento, percebeu a presença de uma mão em seu ombro. Sentiu-se tensa e seu sangue gelou.

"Não pode ser", pensou.

Ao virar-se para trás, afim de visualizar o rosto do sujeito, Heleanor reconheceu o rosto amarelado que prendia uma risada. Era Orlando Del Mondo, seu melhor amigo.

— Seu filho da puta! — Disse, dando-lhe um tapa na orelha tentando não rir.

— Bom dia, Heleanor! — Respondeu, sarcástico, ignorando a pancada . —Por que tão apreensiva?

— Eu juro que se você me assustar mais uma vez — Fez uma pausa para surtir o desejado efeito, mesmo sabendo que era inútil — Não vai ser em uma árvore que usarei o machado.

— Como estamos agressivos hoje! Bem, pode tentar o que quiser... Você nunca consegue me assustar mesmo.

Ela riu, dando um soco de leve em seu braço.

Ao mesmo tempo que a companhia de Orlando era - no mínimo –irritante, também era divertida. E Heleanor precisava de um amigo. Se bem que o contrato sigiloso - que alguns preferem nomear de amizade - entre Heleanor e Orlando durara 3 anos, o que é bastante tempo para uma menina aturar um menino chato e um menino aturar uma menina bruta.

Quando, enfim, Orlando terminou de contar sobe sua rotina em casa e de como seu irmãos mais novos eram irritantes e Heleanor argumentar que devia ser algo de família, os amigos chegaram ao forte.

Um conjunto de homens puxava algumas toras cortadas, uns cerravam os desnecessários galhos e outros se muniam de suas ferramentas e matérias de segurança.

Heleanor e Orlando equiparam-se com cordas, capacetes, pinos de tora, machados e serras transversais, uma unidade para cada. Puseram seus equipamentos no carrinho de mão e se caminharam em direção à área do departamento de derrubada das árvores. Orlando não conseguia equilibrar seu carrinho direto, o que fazia com que os lenhadores mais velhos - porém jovens também - lhe dirigissem um olhar de reprovação.

— Que diabos você está fazendo, Del Mondo? — Perguntou Heleanor, indignada.

— Heleanor, olhe para os meus braços. — Orlando disse, parando o carinho. A menina obedeceu — Viu?

— Eu não vi nada.

— Você está cega, minha cara. — ele disse, dobrando as mangas de sua blusa — Como você pode ignorar esse músculos ?

Heleanor não respondeu, apenas revisou os olhos.

— Veja, eu sou muito forte, porém sou desajeitado. E empurrar esse carinho requer ter um grande senso de equilíbrio.

— É mesmo? — provocou a garota — Veja isso .

A magrela empurrou o carinho com uma mão só, debochando de seu amigo.

— Você é do mal e tem habilidades sobrenaturais, então não conta. Pessoas normais, como eu, têm que se virar com os músculos que tem.

Heleanor não compreendia o motivo de Orlando se achar tão desejável ultimamente. Quer dizer, seus músculos eram definidos, mas isso é uma coisa comum em lenhadores. Orlando possuía um rosto redondo, narinas abertas e sobrancelhas grossas e negras. Cabelo negro cortado rente a cabeça e olhos castanhos avermelhados. Poderia até ponderá-lo bonito, se não fosse pela sobrancelha.

O velho Corcos a fitava enquanto dava uma longa tragada em seu charuto. Caminhou na direção deles e imediatamente a garota parou com a análise mental sobre a estética de seu amigo. Sua grande pança lhe exaltava a superioridade que tanto queria. Afinal, estava rodeado de famintos e mal alimentados. Tinha uma bonita cabeleira grisalha curta que de fato não merecia os olhos cinzentos, como o bom mercenário Heleanor sabia que era.

Corcos era o patrão, o chefe, mas nunca o líder. Seu pai era o empregado, mas há muitas luas deixara de ser bom em seu oficio. E Heleanor era uma das poucas “mulheres” que trabalhavam ali. A implicância não era de hoje. Corcos Trent implicava com qualquer criança, jovem e mulher que colocasse os pés no forte. Mas, para sua infelicidade, não era ele que fazia as regras.

Ele não era um Turner. Apenas os Turners mandavam e desmandavam em Streinfool.

— Kinsllins. — Disse o velho gordo, sibilando. A fumaça de seu charuto irritava o nariz — Brincando em serviço?

— Não senhor. — Ela disse, tentando ser mais natural o possível. —Apenas demonstrando a um amigo como se equilibra um carinho de mão.


— Sei. — Ele fitou-a, tragando o charuto e soltando a fumaça em seu rosto em seguida. Olhou para o carinho e tornou a fitar a menina. —Seu pai não tem aparecido muito por aqui, sabia?

— Bem, eu moro com ele e ele não esta ao meu lado, então acho essa pergunta um tanto desnecessária . — Lhe respondeu. Sentiu os olhos arregalados de seu amigo sobre ela.

Corcos sorriu, mostrando seu perfeito, porém amarelado, sorriso.
— É mesmo? Interessante. Então, criança, avise ao seu pai que se ele não der as caras por aqui, está na rua. E ele não fez nenhuma hora extra esse mês. —Ele fez uma pequena pausa para mais uma traga. — Sabe o que isso significa ?

— Sem matérias extras. — murmurou a garota.

— Isso mesmo! — Ironizou, levantando seus braços para cima num gesto teatral. Trent assobiou, apontando para o carrinho em seguida. Seus capangas rapidamente estavam lá como dois cães fieis. — Você é bem esperta para uma menina de doze anos, Kinsllins.

— Tenho catorze.

— Tanto faz. — Respondeu, indiferente, com o charuto em seus lábios. —Não passa de uma ratinha. Os problemas da sua família não estão só aqui agora. Se James Turner for justo como é, seu pai pagará por tudo que fez e não fez. Klarc, Phill, vocês já sabem o que fazer.

Klarc e Phill eram, na verdade, os gêmeos bastardados de Corcos. Os homens pareciam dedicarem cada parte da sua vida servindo ao pai apenas para serem aceitos. Lamberiam a botas de Trent se ele pedisse. Não, não é metaforicamente.

Phill, o do rosto com sardas, abaixou-s e retirou do carinho de Heleanor a serra e o capacete.Klarc, o dos olhos azuis, jogou o machado, a corda e os pinos no chão, manejando o carrinho para longe em seguida. Parou, como se estivesse esquecido algo e estendeu a mão para a garota .

— As luvas. — Ele disse, quase com pena. Quase. Heleanor descalçou as luvas e passou para o homem.

O mercenário e seus cães se afastaram até Corcos parar. O que ele quer agora?

— Ah, Del Mondo. — Corcos disse, fazendo com que Orlando quase tivesse um derrame. — Nós não temos espaços para fracos aqui. Se essa rata é mais forte que você, sugiro que procure outro ramo. Seu pai foi para os negócios enquanto pode, mas nós dois sabemos que ele é um fardo com aquela perna traumatizada. Temos bastantes lenhadores em Streinfool, porém poucos padeiros. Pense nisso.

E assim, Dom Pança se afastou.

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“Eram tantas bolhas”, pensou Orlando voltando para o lar no pôr do sol ao lado de Heleanor - mãos – fodidas .

A amiga era teimosa e ousada. Sabia que não deveria ter falado daquela forma com Corcos. Mas agora a merda já estava feita.

Porém, Heleanor poderia ter cortado mais devagar, usando menos força. Mas não. A garota derrubou cada árvore como se cortasse a cabeça de Corcos do pescoço.

— Quem ele pensa que é?! — Ela dizia, pausando em cada palavra para em seguida acertar a árvore. — Esse idiota.

Puxar as toras depois não ajudou muito. Fez com que todas as erupções estourassem.

Agora, finalmente, Heleanor estava mais calma. Porém suas mãos estavam tão vermelhas que o rapaz não sabia como ela articulava os músculos do membro.

— Isso tá bem feio, Hele... Quer que minha mãe dê uma olhada ?

A mãe de Orlando é a melhor curandeira de toda Streinfool, sem ele querer se gabar, claro. Ter uma mãe assim possui suas vantagens e desvantagens. Por exemplo, Orlando odiava ser acordado às altas da lua para ajudar sua mãe com os “pacientes”. Porém, quando ele ou um de seu irmãos se machucava, ficavam tranquilos, pois sabiam que ela daria um jeito. Mesmo quando seu pai quebrou -de uma forma medonha e muito nojenta - a perna esquerda no serviço, ele ficou calmo. Mesmo com aquele osso pra fora e daquele sangue. Porque sabia que Sandra daria um jeito em tudo. Em parte, estava errado.

Seu pai ficou bom, claro, mas nunca mais conseguira andar direito. Agora caminhava de muletas para todo lugar. Não existia a mínima possibilidade de voltar ao seu ofício, já que a tarefa necessita da força total de qualquer indivíduo que a faça em qualquer departamento.

Agora todos os Del Mondo precisam dele. Seu pai, sua mãe e seus irmãos. Ele tentava com todo o seu ser, mas nunca se sentia forte o suficiente. Fisicamente e mentalmente.

— Estou bem, Del Mondo. — Heleanor disse, destacando o l em seu nome, acordando de seus devaneios — Você tem coisas mais importantes pra se preocupar.

Apenas assentiu. Odiava quando Heleanor fazia isso. Não demonstrava nada. Preferia ficar emburrada em um canto ao invés de abrir com ele. Ele contava tudo que o incomodava a ela. Era muito pedir um retorno?

Em uma hora, Heleanor estava super bem, conversando, rindo e falando mal das outras pessoas. E, de repente, se isolava. Orlando a entendia em parte, pois sempre estava viajando por aí, perdido em seus sonhos. Mas ele percebia algo de diferente na amiga. Algo sufocante, gelado. Sim, ele sabia que o irmão mais velho de Heleanor morrera, quando a mesma tinha 11 anos. Sabia, também, de sua mãe também. Mas, depois de tanto tempo, a tristeza ainda dominava-a tanto assim? Não adiantaria perguntar. Nem sobre seu passado, sobre seu irmão ou como a menina se sentia. Ela apenas mudaria de assunto, fingiria que não escutou ou, na pior das hipóteses, começaria a chorar.

Ele viu o pedaço da trilha que separava o caminho dos amigos.

— A gente se vê amanhã? — perguntou.

— Claro. — Heleanor disse, distante.

— O.K. Até, Hele.

Pôs-se a andar mais rápido até as estradas se dividirem de fato.

Orlando Del Mondo sabia quando estava perto de casa por um simples fato: o cheiro. A podridão.

"Um bom lugar para morar", pensou ironicamente. A parte de Streinfool onde Orlando morava se tratava da mais esquecida e detestável. O esgoto correndo a céu aberto por fossas rasas que cavaram nos limites do terreno. A merda de toda Streinfool estava lá, passando próximo a sua vizinhança, próximo a sua casa. Uma beleza.

E os ratos durante as noites? Maravilha. Lembrou-se que sempre temia que os roedores andassem pela casa enquanto dormia e do temor que tinha de ter o cheiro do lugar onde morava, porque sabia que muitos de seus vizinhos não exalavam o cheiro de rosas e não percebiam. Tinha medo de ser como eles.

Ele tinha um sonho, claro. Mudar-se daquele lugar assim que pudesse. Mas não podia. Era o homem da família agora. Tinha deveres, responsabilidades. Fugir seria uma atroz covardia. Com seus irmãos pequenos, que teriam de segurar o peso do machado mais cedo. Com seu pai, que sempre fez de tudo para sustentá-los e a mãe, que sempre lhe tratava com carinho e amor incondicional. Sua família. Não poderia.

Ao avistar sua velha casa de carvalho, viu a figura de seis homens saindo de residência. Eles não pareciam o tipo de pessoa que visita sua mãe para curar uma ferida e sim para provocar uma. Quatro deles usavam longas capas pretas com a borda verde. Os outros dois, que pareciam apenas vigiar, usavam calças e blusas pretas com um colete verde. Um dos encapados subiu seu capuz, e os três copiaram seu gesto.

"Que viadagem", pensou.

Esperou os homens saírem de sua casa e se afastarem para prosseguir.

— Quem são os Dráculas? — Perguntou assim que entrou na casa, tirando as botas.

Recebeu um olhar de advertência da mãe e ouviu a risada de seus irmãos.

— Eu disse que ele pareciam o Drácula, mamãe! — Otávio falou entre risadas, acompanhado por Otto.

— Cobradores. — Respondeu sua mãe com o tom severo demonstrando o quanto abominava tudo aquilo. — Dívidas e essas coisas, querido.

— E... Foi tudo bem? — perguntou, sentando-se na cadeira mais próxima, preocupado.

A mãe lhe olhou no fundo dos olhos como se tocasse sua alma. Os cabelos castanhos se tornando grisalhos, as primeiras rugas no rosto. Sentiu o coração se aquecer.

— Claro, querido. — Ela contorna a mesa e lhe da um beijo na testa. —Graças a você.

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Orlando comeu o caldo - que na verdade era mais água de batata, cenoura e espinafre do que qualquer outra coisa -, banhou-se e por fim, deitou-se no surrado colchão no chão. Só então percebeu.

Como era tonto. Não era à toa que Trent fez toda aquela ladainha. Resolveu até ponderar como uma bondade de aviso do patrão. Heleanor estava com problemas.

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A lua já estava alta no céu. Tobias ainda não havia chegado em casa. Ele podia não trabalhar, embebedar-se e tudo, mas nunca havia deixado Heleanor sozinha em casa de noite. A garota veste um dos casacos de inverno do pai e sai na penumbra da noite.

Não acreditava que ele estava fazendo isso com ela. Abandonando-a dessa forma. Afinal, ela também sentia falta. Ela também sentia dor. Pensara várias vezes em terminar com seu sofrimento, mas não sabia ao certo o que seu pai faria em seguida. Não queria ser culpada pela morte de Tobias.

Porém, possuía um negro sonho. Toda sua família morta, juntos outra vez, embaixo do solo. Nessa altura do campeonato, com a alma de seu pai já destroçada e ela já sem forças,não parecia uma ideia tão ruim.

— Onde você está, Tobias...? — murmurou, prendendo o choro na garganta.

Viu quatro homens encapuzados saindo de um trecho da floresta. Ficou imóvel até o estranho grupo se afastar. Foi até onde estavam.

Reconheceu o corpo de seu pai jogado ao chão. A mesma baba da manhã misturada a lágrimas e sangue.

O grito veio inconsciente pelas cordas vocais. Alguém a segurou com força.


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Notas finais do capítulo

É isso por hoje pessoal,semana que vem volto com mais.Espero que tenham gostado. Sintam-se livres para comentar o que quiser .Beijos da gorda,até o próximo domingo (ou sábado ,quem sabe ?) ;*



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