Escola de Guardiões escrita por Tynn


Capítulo 7
Capítulo 7 - Indígenas




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Lulu não é tão bom de cálculo como eu pensava. Por isso, estávamos despencando a uma altura de, no mínimo, 100 metros. Eu escutava os gritos de Jorge e Natália misturados ao meu, a floresta abaixo de nós se aproximando como um tapete mortal de árvores pontiagudas e prontas para nos destruir. Percebi que Jorge tentava unir a gente, como se fôssemos um grupo de paraquedistas, e vi Natália juntando as mãos. Uma bolha enorme nos envolveu, impedindo que qualquer um de nós nos afastasse um do outro. Vi que a cara de Natália não era das boas.

– Isso vai dar certo?

– Não sei. – Ela admite. – Nunca testei antes.

Apesar de estarmos dentro de seu campo de força, caímos como três jacas moles em direção à floresta. Os primeiros galhos bateram no campo de força e foram torados ao meio. Quando chegou no tronco de uma velha árvore, contudo, o campo rolou para o lado. Me senti dentro de uma bola de futebol descendo a ladeira de Olinda. Nossos corpos eram jogados de um lado ao outro, enquanto quebrávamos alguns galhos e éramos arremessados por outros. Por fim, chegamos ao solo. As coisas dentro da bolha pareciam bagunçadas e confusas. A mochila de Jorge se abriu e tinha roupa, barrinhas de cereais e salgadinhos espalhados para todo lado. O campo de força de Natália, contudo, continuou forte e firme.

– E aí, pessoal? Como nós estamos?

– Acompanhados. – A curandeira avisa.

Ao nosso redor, um grupo de indígenas apontavam lanças e flechas em nossa direção. Eles tinham a pele bronzeada e o rosto pintado por seivas naturais. As mulheres seguravam as crianças e corriam para dentro das tocas enquanto os homens tentavam espetar a barreira energética com suas lanças, mas não conseguiam passar. O local era amplo e existiam várias ocas. Por sorte não caímos em cima da fogueira. Estávamos cercados por índios de outra dimensão.

– O diretor nos mandou para o local certo? – Jorge quis saber, pegando seu tacape e apontando para as criaturas.

– Eu não vou aguentar por muito tempo. O campo de força daqui a pouco falha.

– Vocês conseguem nos ouvir? – Eu gritei, balançando as mãos desarmadas.

Como resposta, eles gritaram palavras sem sentido e atiraram flechas em nossa direção. Todas foram impelidas pelo campo de força. Eles continuaram a nos ameaçar, espantados e raivosos.

O mais velho da tribo se aproximou de nos. Ele nos analisou e falou algumas palavras sem significado para mim. Em seguida, virou-se para a sua tribo e todos ergueram as armas em aprovação. Espero que não sejam assim que eles agradecem a refeição. Pelo visto, me enganei. Os primatas passaram a atacar com mais ousadia o campo de força, tentando perfura-lo com suas lanças e facas rudimentares.

– Eu não posso ficar o dia todo aqui. Nós vamos ter apenas um minuto para passar por eles e corrermos para a floresta. Preparem suas armas.

Eu peguei minha espada e apontei para as criaturas; Jorge preparou seu tacape e aguardamos o sinal de Natália. Assim que ela ergueu os braços, uma onda de choque irrompeu de seu corpo e arremessou vários indígenas para trás. Com isso, a barreira se desfez e ficamos a mercê dos primatas.

Jorge saiu no frente com o seu tacape. Ele bateu com força no peito de um adversário, que foi jogado para uma oca. Puxou o braço do segundo o sacudiu na direção de vários inimigos. Jorge era como um grande trator derrubando tudo o que encontrava pela frente. Natália estava fatigada. Ela, entretanto, puxou uma flecha da aljava e atirou em um dos nossos inimigos. A flecha atingiu de raspão o braço dele, o suficiente para impedi-lo de correr atrás de nós. Eu acabei ficando para trás, pois era realmente dificultoso correr com uma espada e um escudo. Consegui me defender de uma flechada e bati o escudo na cabeça de um índio. Enquanto tentava me defender, contudo, sentir uma forte dor na perna esquerda. Tentei gritar, mas algo puxou o meu pescoço e fui suspenso no ar. Três indígenas apontaram suas lanças em minha direção enquanto um me suspendia. Eu vi Natália desaparecer no conjunto de árvores a nossa frente, a esperança de sair vivo de lá se esvaindo. A minha perna estava machucada, eu tinha sido atingido por uma flecha, e eles deixaram bem claro que atirariam de novo caso eu tentasse reagir.

Fui jogado para dentro de uma oca. Eles pegaram minhas armas e a mochila. Antes que eu conseguisse me levantar, um homem me puxou para um tronco e amarrou meus punhos no mesmo, deixando-me preso junto com outro refém que eles possuíam. Os indígenas falaram alguma coisa entre si e saíram de lá, deixando eu e a minha dor em paz. No lado esquerdo, vi que uma garota também se encontrava na mesma situação. Ela estava sentada no chão, assim como eu, e os braços amarrados para trás. Era jovem, deveria ter menos que 17 anos, e os cabelos eram longos e escuros.

– Olá. – Eu disse. Alguém precisava quebrar o gelo. – Eles não sabem como tratar os convidados bem.

Ela sorriu. As chances de encontrar alguém falando português em outro mundo eram remotas. Contudo, aprendi na Escola que nós sempre íamos para uma missão com uma espécie de tradutor simultâneo que captava a língua nativa e traduziam para o português. Existiam mais de dois mil idiomas cadastrados. Infelizmente, a língua dos indígenas não estava cadastrada.

– Eu pedi para trazerem um copo de água. Estão demorando muito.

– Imagino... – Eu tentei me soltar da corda, mas ela estava bem amarrada. Além do mais, minha perna doía. – Você sabe dizer se eles são canibais?

– Acredito que sim. Devem estar preparando algo para a refeição. Primeiro servem os mais velhos para adquirirem sua sabedoria. Depois, vão para os jovens, onde pretendem adquirir sua força e coragem. Não se preocupe, eu irei primeiro.

– Pera aí, você não é tão velha assim. Deve ter o quê? 15, 16 anos?

Ela olhou pasma para mim, como se eu fosse um ser de outro mundo. De fato, eu era, mas ela não tinha como saber disso. Talvez eu não usasse tocas como os índios ou roupas de camponês, ainda assim não justificava a reação dela. A menina abaixou a cabeça, exausta. Ela deve estar aqui mais tempo do que eu, só aguardando a hora do jantar. No pescoço dela, um pingente de safira brilhava em tons esverdeados.

– Não se preocupe. Meus amigos irão nos salvar.

A moça se esforçou para recuperar a esperança. Eu bem que queria estar em uma posição melhor para dar um pouco mais de ânimo, todavia eu estava tão desesperado quanto a garota. Nem mesmo sabia onde Jorge e Natália estavam.

Um guerreiro indígena entrou na oca. Ele ordenou que um dos seus amigos desamarrasse a garota e a levasse para fora. Entrei em pânico, pois sabia para onde eles iriam a levar. E ela corria o risco de virar o prato principal do dia.

– Ei! Vocês não querem me levar antes?

Gritei, mas a única que prestou atenção foi a menina. Ela olhou para mim enquanto era arrastada para fora da oca. Suas mãos estavam presas pelo guerreiro e outro me olhava de lado. Eu tateei meu bolso e descobri que o celular ainda estava lá. Espero que meu plano dê certo.

Ainda com os braços para trás, peguei o aparelho e aumentei o volume no máximo. Não precisava ver o celular, já sabia fazer os comandos apenas com o tato. Apertei no botão “play” e um frevo pernambucano começou a invadir os tímpanos dos nativos. Eu arremessei o celular no chão e vi os dois indígenas olharem para ele apavorados. O que me encarava apontou a lança para o celular, como se ele fosse um bicho peçonhento. O outro guerreiro, que segurava os braços da jovem, entrou em pânico, arremessando a garota para o lado e apontando a lança ao celular. Eles falaram algo para mim e depois começaram a cutucar o celular com suas armas. De repente, o frevo terminou e um rock pesado soou do aparelho. Foi o suficiente para eles ficarem desorientados. A garota aproveitou o momento para pegar uma pedra e cortar as cordas que amarravam minhas mãos.

– Que espécie de instrumento mágico é esse? – Ela perguntou e eu me segurei para não rir.

– Depois eu te conto.

Eu fui cambaleando até a entrada, passando por trás dos dois índios intrigadíssimos com o celular. A garota me ajudava a andar, servindo de apoio para mim. Quando já estávamos vendo o céu azul, escutei o celular quebrar de vez e os indígenas perceberem a nossa fuga. Já era.

Os índios deram um berro estrambólico de dentro da oca. Eu e a garota misteriosa corremos para a oca mais próxima, onde entramos sem pensar duas vezes. A quantidade de pernas apressadas de um lado ao outro foi assustadora e respirei aliviado ao ver que eles passaram por trás de nós. A menina, contudo, estava pálida. À nossa frente, uma índia segurava o seu bebê aninhando-o para dormir. Outra estava estirada na rede e uma terceira apontou o arco-e-flecha na nossa direção.

Saímos o mais rápido possível desviando com sorte das flechas. Minha perna ainda doida bastante e eu não era capaz de acompanhar os passos da nova aliada. A mulher que nos atacou avisou aos demais que estávamos ali e, de repente, éramos caçados por toda a tribo. Ao nosso lado direito, uma densa floresta se estendia sendo aquele o único lugar onde poderíamos fugir. Fomos naquela direção sem pensar duas vezes, vendo que flechas saiam do emaranhado de folhas e atingiam as ocas dos indígenas. Encontramos Natália mais a frente, preparando o seu arco.

– Onde está Jorge? – Ela indagou.

– Como eu vou saber?

Um barulho de coisas se quebrando ressoou da oca. Vi Jorge arremessando três indígenas para o lado e destruindo uma oca com um golpe do seu tacape. Ele carregava a minha espada com a outra mão e parecia feliz por ter atingido seu objetivo. Um fraco campo de força repeliu os indígenas que tentaram segui-lo; eu fiquei impressionado com o dom de Natália. Assim que o bárbaro se juntou a equipe, corremos como loucos pela floresta até ter certeza de que tínhamos despistado os canibais.


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