Exílio Soturno escrita por Kirialini
26 de outubro de 2014.
Ponto de Vista de Daphne:
Estamos há mais de meia-hora, sentados esperando pela reitora, que estava ocupadíssima para nos atender. Como se não fosse o suficiente, temos que aturar a secretária com sua cara feia e enrugada nos encarando o tempo todo. Nunca vi tanta maquiagem num rosto desde que desmascaramos aquele palhaço fantasma. Quando já estava perdendo a paciência, ela se aproxima da gente.
— A reitora está pronta pra atender-lhes — ela diz apontando seu dedo seco pra uma porta.
Abrimos a porta e lá está ela, sentada em sua cadeira acolchoada. Não posso deixar de notar a quantidade de prêmios que cobrem uma parede inteira. Quando nos vê ela se levanta e chega mais perto de nós.
— Sejam rápidos — ela diz com aversão. — Minha secretária disse que são jornalistas que querem falar dos 175 anos da nossa instituição de ensino superior.
— Bem — eu começo a dizer com desajeito. — Na verdade...
— Querem saber sobre os desaparecimentos — ela me corta e revira os olhos. — Eu deveria saber, se é só isso podem se retirar imediatamente — ela vai em direção a porta.
— Mas não está preocupada com seus alunos? — Velma pergunta surpresa.
— Olha aqui, mocinha — ela cogita apertar os braços de Velma, mas recua ao ouvir os rosnados do Scooby. — Eu lido com adolescentes mimadinhos e intrometidos como vocês todos os dias. Eu chamei a polícia, fiz minha parte, não vou me estressar à toa, pra alguns dias depois, descobrir que eles estavam apenas fazendo o que “deu na telha” — ela abre a porta. — Saiam daqui seus inconsequentes — seu tom de voz está alto agora.
Não pensamos duas vezes e já estamos fora da universidade.
— Eu espero que tenhamos mais sorte com a diretora do orfanato — diz Fred.
— Eu espero que ela não nos olhe como se quisesse dilacerar nossas gargantas com os dentes — diz Salsicha engolindo seco.
— Essa mulher é uma completa tirana — estou irritada. — E com certeza não sabe que aquelas botas não combinam com aquele terninho sem graça. Quase avancei nela quando falou com Velma naquele tom.
— Eu também — o resto da turma diz em coro.
Nós entramos na van e ficamos lá por algum tempo.
— Eu sinto que há algo estranho com você, Fred — eu o encaro. — Desde hoje cedo...e não era a cueca de coração.
— Primeiro — ela está sem jeito. — Prometam não falar mais desse incidente. Segundo, há algo de estranho sim. Foi um sonho que tive.
Ele nos conta sobre o pesadelo e a cena rodou como um filme na minha cabeça. Arrepios tomam conta do meu corpo. Eu não consigo deixar de pensar no sonho que tive também todo aquele cenário, a situação em que fui posta, a situação em que eu pus Fred. Parecia tão real que acordei com olhos encharcados e um aperto no peito. Queria lhes dizer, mas acho que não é a melhor hora, Fred está abalado ainda e não sei como contar a eles.
— Eu acho que devíamos voltar ao hotel — Velma diz. — Digo, se você quiser um tempo.
— Sem chance, o orfanato é a duas quadras daqui — ele se recompõe. — Segurem firme, turma — então coloca o pé no acelerador.
Ponto de Vista de Velma:
Primeiro, o sonho que tive noite passada, toda aquela situação agoniante comigo e com a turma. Agora, Fred me vêm com esse seu pesadelo. E Daphne, com certeza, não ficou atrás. Ontem, um pouco depois de eu acordar aterrorizada pelo meu sonho no meio da madrugado, ela fez o mesmo. Porém, estava muito mais abalada que eu, pelo menos por fora: estava ofegante, seus olhos molhados e não tirava a mão do peito. Achei melhor deixá-la em paz e fingi que estava dormindo. Se ela quisesse se abrir, eu sabia que viria até mim, pois eu faria o mesmo. Só não faço agora, porque todos estão em choque e não quero atiçar pânico neles. Essas meninas desaparecidas podem estar lidando com coisas piores que pesadelos, por isso devemos manter o foco no mistério.
Como Fred mesmo havia dito, o orfanato era perto de onde estávamos, então meu pequeno devaneio preencheu o tempo até lá. Provavelmente, o resto da turma permaneceu calado durante o passeio também, pois teria percebido se estivessem falando comigo.
Estamos em frente a porta principal do orfanato.
— Gostaríamos de falar com Muriel Endollyn, por favor — eu digo pelo interfone.
— Ela mesma, quem gostaria? — sua voz nos responde.
— Somos detetives e estamos investigando os recentes desapareci...
— Oh, podem entrar — ela não me deixa terminar a frase — Venham logo.
Entramos e lá está ela no hall do orfanato a nossa espera. Uma mulher elegante que, ao contrário da reitora Brunhild, parecia gentil e sorridente.
— Obrigado por nos receber Sra. Endollyn — Fred diz a ela estendendo sua mão em cumprimento.
— Me chame de Muriel. E eu que devo agradecê-los pela vontade em recuperar minhas crianças — parece emocionada. — Não me entendam mal, a polícia não mede esforços em nos ajudar, mas quanto mais pessoas nessa causa, melhor.
— Entendemos perfeitamente — Daphne diz.
— Podemos fazer algumas perguntas? — eu questiono.
— E uma boquinha? — Salsicha vêm com gracinhas e eu dou uma cotovelada nele.
— É claro — ela diz no tom mais doce de todos. — Venham a minha sala. A propósito, lá sempre tem algum docinho — ela sorri para os rapazes.
Entramos na sala e sinto um cheirinho de canela.
— Se acomodem — ela senta-se numa poltrona e nos convida a sentar no sofá a frente — Querem um pouco de chá de canela?
Sou a única que aceito, Scooby e Salsicha são tentados pelos cookies e não resistem quando ela oferece.
— Vamos falar das garotas, Alice e Margaret — Daphne diz. — Como elas eram?
— Elas são... — enfatiza — as crianças mais meigas que eu já conheci. Elas... — seus olhos se enchem de lágrimas, mas ela não as deixa escorrer. — Todas essas crianças são importantes pra mim, eu me apego a cada uma delas. Vocês não imaginam a dor que me consome quando tenho que deixá-las, mas dessa vez tiraram-nas de mim a força — ainda está chorando.
— Queremos encontrá-las — Fred diz. — Mas tem que nos ajudar. Não lembra de nada diferente com elas nos últimos dias? Algum lugar que foram, algo que disseram?
— Nós somos bem rígidos, seis da tarde fechamos o portão, às oito é hora de dormir. Permitimos apenas passeios a biblioteca, que é perto daqui.
— Onde é que fica? — Salsicha pergunta.
— A Universidade de Boston compartilha a sua biblioteca com nossos órfãos, eles disponibilizam todo o seu acervo pra gente, desde livros didáticos até romances juvenis.
— Interessante — eu digo. — Você se lembra se elas foram a biblioteca no dia em que desapareceram?
— Não lembro, mas registramos todas as idas a biblioteca para a segurança de todos — ela se levanta, vai até a gaveta de sua mesa e tira um caderno de capa preta de lá, corre os olhos por duas páginas e finalmente diz algo — Isso é estranho.
— O que houve? — Fred pergunta. — Os registros sumiram?
— Não — ela ainda parece surpresa. — Aqui diz que elas foram a biblioteca a semana inteira, não é do feitio delas. Eu teria notado, mas semana passada foi cheia de reuniões, estive bastante ausente.
— Então quem fez as anotações? — Salsicha pergunta.
— F-f-fantasmas? – Scooby treme todo.
— Oh, não — Muriel ri. — É nossa mais nova conselheira, Jacquelyn Pretscot, tenho certeza que ela não é um fantasma, inclusive, é ela que acompanha as garotas aos passeios.
— Podemos conversar com ela? — eu pergunto, esperando que ela nos dê alguma direção nesse mistério.
— Temo que não seja possível, hoje é o dia de folga dela. Mas sintam-se a vontade para voltar amanhã — ela nos anima.
— Muito obrigada outra vez — eu digo. — Foi um prazer conhecê-la — aperto a mão a ela. – Temos que investigar outros lugares agora.
— Não deixem de contar comigo, no que eu puder ajudar, pode ter certeza que eu irei.
Todos se despedem e vamos até a van pra discutir as informações.
— Ficou mais do que claro que devemos ir até aquela biblioteca — Fred diz.
— Acho que devemos esperar até amanhã — Salsicha está tenso. — Aquela mulher não parece que iria gostar da gente se intrometendo lá mais de uma vez num dia.
— Salsicha tem razão — Daphne concorda. — Esperemos a poeira baixar um pouco.
Voltamos ao hotel e formamos algumas teorias, ainda vagas, devido à falta de informações que temos. O melhor que tínhamos a fazer era esperar. Fred tomou uma ducha e deitou na cama, enquanto Salsicha e Scooby se divertiam e aguavam assistindo Masterchef na TV do quarto. Eu e Daphne decidimos ir ao nossa quarto, mas não permanecemos muito tempo.
— Velma — ela senta nos pés da cama. — Preciso te contar uma coisa, é sobre um sonho que...
Meu telefone interrompe ela e antes que eu possa dizer qualquer coisa, ela fala:
— Atenda. Pode ser importante — ela faz um sinal com a cabeça.
Para minha surpresa, do outro lado da linha estava Mirabelle Brunhild, a simpatia em pessoa. Em sua voz, o desespero era perceptível, e na atitude também, uma vez que ela clamava por nós. Conto para Daphne a situação e prometo que retornaremos o mais rápido o possível a nossa conversa. Logo em seguida, comunico os meninos.
— Como ela conseguiu seu número? — Scooby pergunta.
— Quando disse que éramos jornalistas — eu respondo. — A secretária pediu um número pra contato, acho que ela iria pôr no registro de atividades.
— Temos que ir imediatamente — Fred diz. — Para ela nos chamar assim, tem que ser algo urgente.
— Ou ela quer que sejamos seu jantar – diz Salsicha.
— Sem enrolação — eu digo. — Vamos lá.
Na minha cabeça, não voltaríamos tão cedo para aquela sala cheia de ego. Quando entramos, lá está ela, com a cara inchada de tanto chorar, mas ela se recompõe ao nos ver.
— Então — Daphne tem arrogância em sua voz. — O que quer dos adolescentes mimadinhos e intrometidos?
— É minha filha, Joanne — ela diz fungando. — Eu esperava encontrá-la logo depois da sua visita hoje de manhã, mas não há sinal dela. Liguei para amigos, parentes e nada.
— Você fez a sua parte, não fez? — Daphne está de cara feia. — Chamou a polícia?
— Aposto que ela está fazendo o que “deu na telha” — Salsicha me surpreende.
— Não se estresse — Scooby completa. Ele olha com indiferença.
— Eu chamei a polícia hoje de tarde — lá se foi sua fragilidade. — Mas eles só fizeram algumas perguntas irrelevantes, confiscaram os arquivos das câmeras de segurança e foram embora, com certeza estão ocupados com os órfãos desaparecidos. Perda de tempo! Ninguém vai sentir falta deles mesmo, eles são... — ela parece buscar uma palavra específica — Órfãos.
— Você não precisa de nossa ajuda — estou com nojo. — Ou melhor, você não merece. Mas a ajudaremos, sabe por quê? — ela olha confusa para mim. — Porque sua filha não tem culpa do monstro que você é.
— Velma está certa. — Fred me apoia.
— Tudo bem, então — ela continua indiferente. — Mas espero que sejam úteis.
— Quem ainda não mostrou ser útil até agora, foi você — Daphne diz. — Que não nos forneceu informação alguma, já que não poderemos contar com as imagens das câmeras.
— Se quer que resolvamos alguma coisa — Fred diz a ela. — Terá que mostrar que está interessada e nos informar sobre tudo que sabe.
— Tudo bem — ela começa. — Há três dias, ela foi a um festival de outono e deveria voltar hoje ao meio-dia. Há uma banda que toca todo ano lá, mas ela nunca pôde ir — ela suspira. — Sequer sei se ela chegou a cidade do festival, não tive contato com ela desde que partiu, ou melhor, não temos um contato muito forte. Ela não é de se abrir muito, nossa relação é complicada. Podem ficar com esta foto dela, caso precisem – ela entrega a fotografia para mim.
— Onde fica esse festival? — eu pergunto.
— Salem — Salsicha e Scooby já estão gemendo de medo.
— Nós vamos precisar visitar sua biblioteca amanhã, se importa? — Daphne pergunta.
— Avisarei a bibliotecária que virão. Fiquem a vontade!
— É melhor a gente ir — Fred diz a todos e nos despedimos da reitora.
Enquanto saímos da universidade e caminhamos em direção à Máquina Mistério, Daphne faz uma ligação.
— Alô, Arlene Wilcox?
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Arlene Wilcox é uma personagem que aparece em "The Scooby-Doo Show" no episódio "To Switch a Witch".