O Reflexo escrita por Jéssica Sanz


Capítulo 13
Capítulo 13


Notas iniciais do capítulo

Felizmente, não é o último capítulo.
Infelizmente, é o penúltimo.
Boa leitura.



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Mary Ann vestia uma camisa branca, de mangas compridas dobradas até a metade do pulso e uma saia lápis preta. Eu conhecia as duas peças, pertenciam a Liz, e ela usara o conjunto em uma de nossas saídas com o pessoal do trabalho. Eu sabia que Mary Ann costumava prender o cabelo para trabalhar, mas suas mechas avermelhadas caiam sobre os ombros. Ela segurava uma tigela de sopa com uma colher.

– Bom dia, bagunceiro – disse ela, se sentando na bordinha do sofá-cama. – Você está melhor?

Virei um pouco o rosto, desconfiado. Aquilo não fazia sentido.

– Você não deveria estar trabalhando?

– É, eu estava indo trabalhar. Artie estava me levando, e aí nós encontramos você. Aquela cena nos deixou um pouco chocados.

Arregalei os olhos um pouquinho. Afinal, eu tinha beijado o namorado dela na frente dela.

– Ah, me desculpe por isso. Eu... não sei o que deu em mim.

– Não se preocupe. Eu pude ver que você não estava bem. Fiquei preocupada com você, então liguei para uma amiga me substituir, e vim pra cá de táxi assim que ela chegou. – Mary Ann passou a mão pelo cabelo, colocando todos os fios sobre o ombro direito. Quando ela fez isso, percebi uma coisa. Eu não sabia se era de propósito, mas os primeiros botões da camisa estavam soltos. Esse detalhe, somado ao olhar azul brilhante que parecia muito invasivo, me deixou desconfortável. Ela se inclinou sobre mim e perguntou. – Você está melhor agora?

Instintivamente, eu cheguei um pouco pra trás, e meu corpo todo doeu.

– Ai.

– Evite se mexer – disse ela, voltando à posição original e mexendo na sopa com a colher. – Você está todo machucado, e precisa se alimentar. – Ela pegou uma colher de sopa e conduziu à minha boca, mais uma vez se inclinando. Eu aceitei. O relógio da parede dizia que era uma da tarde. Minha única “refeição” tinha sido uma meia xícara de café, já que a outra metade deveria estar perfumando a escada da casa de Liz junto aos estilhaços. Ou seja, eu estava com fome, e bastante. Eu queria me alimentar sozinho, mas sabia que cada movimento geraria uma dor insuportável. Então, apesar de toda a situação ser desconcertante, eu aceitei várias colheres de sopa, até termina-la. Mary Ann colocou minha tigelinha no chão e começou a mexer no meu cabelo, o que foi muito estranho.

– Não faça isso – eu pedi, me esforçando pra ficar um pouco mais sentado. Infelizmente, isso fez a minha coberta cair um pouco, e afinal, eu estava sem camisa desde cedo.

– Eu não vejo porque não. Acho que você está precisando de um pouco de carinho.

Talvez eu estivesse, mas certamente, eu não queria o carinho dela.

– Obrigado. De verdade. Mas não precisa. Você já fez muito por mim. – Eu odiava ter que ser grato em uma situação tão estranha.

– Não é incômodo nenhum cuidar de você. Como eu disse, você precisa ser cuidado. Eu pude perceber isso com aquela cena lá na praça.

– Tá. Então eu beijo seu namorado e você fica com peninha de mim e achando que eu estou carente? Que fofo.

– Você está sendo ingrato, Wes. – Ela sentou mais perto de mim. Eu não tinha como chegar pra trás, embora quisesse. – Eu estou preocupada com você, de verdade. Mas você tem uma autoestima muito boa para achar que não está carente. – Eu comecei a sentir que ela estava me invadindo, mas não de um jeito que queria me expor. Ela estava querendo entrar em meu coração. E conseguiu, mais do que antes, me deixar receoso. - Artie me contou um pouco do que aconteceu, do quanto você pareceu confuso. Mesmo no carro eu pude notar que você estava abalado. E aí eu chego aqui e encontro você deitado sobre um monte de cacos. – Ela chegou ainda mais perto. – Eu quero entender o que está acontecendo com você. Porque eu realmente não sei explicar. Mas eu sei que você foi rejeitado pelo Artie, e isso te arruinou. Não é mesmo?

Eu não disse nada. Ela dizia tudo com uma voz muito doce, como se quisesse me enfeitiçar. Eu queria empurrá-la, para impedi-la que ela fizesse qualquer coisa a mais, mas minhas mãos estavam por debaixo de coberta, e erguê-las seria doloroso, ainda mais se eu usasse a minha força.- Seu coração está machucado. Eu vim para curá-lo.

– Não – eu disse, fechando os olhos com força, como se quisesse afastá-la com meu pensamento. – Não faça isso, por favor.

– Wes, pare de fechar os olhos para o que está na sua cara. – Eu abri um olho e olhei para ela, bem na minha frente. - Você já correu atrás do Artie por tempo demais. Acha que eu não sei que aquela coisa toda da Liz era um teatrinho fajuto? Bom, vai por mim, o Artie não é tão legal quanto parece. Eu o conheço a mais tempo que você – mentira – e posso dizer o quanto ele é patético. E mesmo que não fosse, ele não vale mais à pena. Você já viu a que ponto chegou. Você se submeteu ao nível de beijá-lo, e mesmo assim, ele não ligou pra você. Você sabe que é hora de partir pra outra.

Todas aquelas palavras eram como facadas. Ela tinha razão. Artie tinha me rejeitado diversas vezes. Mas eu não desistiria dele enquanto não fosse obrigado. No entanto, Mary Ann parecia bem convicta de que eu deveria abandonar a ideia de ficar com ele. E ela faria de tudo pra tirar Artie da minha cabeça, por um simples motivo: Ela queria substituí-lo. Então, ela me beijou. Talvez você me recrimine por eu ter permitido, mas acredite: Eu não queria. Eu estava indefeso, com um monte de feridas que eu mesmo tinha causado. Eu até tentei me mexer, mas ela meio que estava em cima de mim, então doía demais. Eu simplesmente não podia fazer nada, a não ser murmurar entre os beijos implorando que ela parasse. Mary Ann era uma garota bonita, beijava bem, estava me dando o maior mole. Mas ela não era o Reflexo, e esse era o quesito básico pra mim. Mary Ann apenas parou quando ouviu um grito estridente ecoando no cômodo, vindo direto da porta aberta.

– Mary Ann! - Artie. A situação toda não me deixou parar pra pensar no porquê de ele estar ali. Nem no porquê de não termos ouvido ele abrir a porta. Mary Ann foi parar a meio metro de mim, com a boca toda borrada, e tentando parecer o mais comportada possível. – O que você pensa que está fazendo?

– Artie – disse ela, se levantando e dando alguns passos pequenos para a frente, como se estivesse se rendendo. – Não é o que você está pensando.

Eu comecei a me levantar. Claramente, Artie não estava nada feliz, e eu sabia que isso não terminaria bem. Lentamente, afastei o cobertor, e me ergui, ficando sentado de frente pra eles, completamente preocupado. Mas isso demorou bastante, claro.

– Não, claro que não é o que eu estou pensando. Afinal, deu pra ver que o Wes estava de agarrando e que você estava completamente indefesa.

Mary Ann se encolheu um pouco, como uma criança que faz besteira. Ela realmente não tinha como se safar dessa.

– Me desculpe, Artie. Eu não...

– O quê? Você não quis? Foi hipnotizada? Eu confiei em você, Mary Ann! Eu realmente achei que você me amasse! Que estivesse disposta a fazer tudo por mim! E aí, você faz uma coisa dessas comigo? Como você pode ser tão baixa a ponto de usar o Wes?

– Artie, não precisa de tudo isso. Foi só um beijo...

– Só um beijo à força em um garoto doente. Um beijo que fez sua máscara cair! – Comecei a perceber que Artie estava um pouco alterado. Teria bebido? - Eu achava que você era a garota dos meus sonhos, Mary Ann, achava mesmo. Mas você não é nada do que disse ser. Você é uma hipócrita. Uma garota imunda! Podre! Eu tenho nojo de você! Nojo! – Artie olhou para o chão. Para os cacos ensanguentados. Ele estava olhando a própria imagem, e estava com muita raiva, como se estivesse se repreendendo pela escolha que fez. Ele se abaixou e pegou um dos cacos maiores, olhando fixamente para ele. Nem eu nem Mary Ann ousávamos nos mover. Artie certamente não estava em seu estava normal. – Sabe o que eu devia fazer? – Perguntou ele, dessa vez em voz baixa. Depois, ergueu o olhar pra ela. – Eu devia matar você agora mesmo.

Mary Ann arregalou os olhos e andou para trás tanto quanto pôde.

– Artie, o que é isso? Parou pra ouvir o que está dizendo? Deixa isso no chão, vai acabar fazendo uma besteira. – Artie se levantou.

– Não. Você fez uma besteira. Cometeu um erro muito grande. Perdeu a confiança que eu depositei em você durante todos esses anos. Esse erro é incalculável. Imperdoável. Você só conseguirá paga-lo de uma maneira.

Artie avançou em nossa direção armado com o caco de espelho. Por ironia, eu tive um reflexo, o impulso de impedir uma tragédia. De defender aquela garota, sem pensar se o risco valia à pena. Eu me coloquei na frente dela bem na hora em que Artie chegou a nós. E toda aquela dor do meu corpo virou um nada comparado ao que eu senti. O caco penetrou minha barriga profundamente. Um grito parou em minha garganta. Todos os barulhos silenciaram. E na minha frente, apenas os profundos olhos acinzentados, arregalados com a surpresa de encontrarem os meus. Minhas pernas estremeceram e falharam. Eu caí, e Artie me segurou antes que eu fosse completamente de encontro ao chão.

Minha respiração se tornou ofegante, o ar parecia não vir. Artie me segurou nos braços, desesperado. Mary Ann colocou as mãos na frente da boca, sem acreditar. Artie gritava alguma coisa comigo, mas eu não conseguia ouvir. As lágrimas escorriam pelo seu rosto. Minha visão ficou turva e começou a escurecer. Eu consegui ouvir as duas últimas palavras dele.

Me desculpe.


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Notas finais do capítulo

Acho que esse final dispensa algum comentário meu. Mas não de vocês. Quero saber o que acharam desse capítulo hipertenso.



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