Porque, ela pensou pela milésima vez naquela semana, as pessoas da Capital tinham nomes tão estranhos? E porque eles tinham de ser tão coloridos? A Revolução tinha acontecido há muito tempo mas, mesmo assim, às vezes ainda era possível distinguir exatamente quem era forasteiro. Ela lembrou de como era estar na capital com Matt. Uma aventura sem fim, eles ficavam horas rindo dos nomes das pessoas, das roupas estranhas e imitando o sotaque. Agora, Mags era uma deles. E aqui estava ela de frente para um professor de cabelo verde com o nome de Crav.

Não que ele fosse ruim. Não era. Na verdade, ele tinha sido uma das pessoas mais simpáticas com Mags desde que ela chegara na Capital. O que era dizer algo. Ela não sabia o que era pior. As pessoas lançando olhares desconfiados ou os tapinhas nas costas condescendentes. Na aula daquele manhã, ela descobriu algo que poderia ser mais aterrorizante. Crav cabelo verde perguntando por que ela estava fazendo química.

Alguém terminara de falar. Um belo discurso sobre como a química mudara sua vida. Crav cabelo verde sorriu e agradeceu. Agora era vez da Mags, O homem apenas acenou em sua direção e soltou um simpático "sua vez querida". Não um "vamos ouvir a filha do tordo" ou " sua vez Margareth" como se já fosse intimo dela. Mags nunca gostou tanto de alguém na vida.

–Eu estou aqui....

Como ela poderia explicar a eles? Como explicar que ela estava ali para fazer os gritos pararem? Da sensação de alivio toda vez que podia sair do local escuro e fechado em que ela e Matt estavam? Da felicidade que sentiu quando ela viu o sorriso da mãe afirmando que a erva que Mags encontrara aliviara um pouco a crise do Peeta? Da alegria de ver Haymitch sóbrio e tendo uma boa noite de sono pela primeira vez em muito tempo? Da estranha conexão com o livro da mãe? Ela se sentiu como se tivesse dez anos de novo, escondida com Matt no armário do quarto, cantando para o irmão enquanto sua cabeça gritava... Pare, por favor, pare!

–Eu estou aqui porque... bem quando eu descobrir, conto para vocês.

Idiota, Idiota. Felizmente os colegas riram. O professor deu um sorriso falso que não conseguiu esconder seu desagrado. Ela sentiu suas bochechas ficando quentes. Imaginou a nova manchete do Panem News. "Filha do tordo tenta carreira como comediante" Quantos pontos de audiência ela conseguiria? Ela observou Seymor Audrick se empertigar para falar.

De todas as pessoas da Capitol, talvez de toda Panem, o garoto era o que pior tratava Mags. Seymor era um irritante filho da Capital. Do tipo que a família rica tinha perdido tudo por causa da revolução. Então, ele inevitavelmente tomara para si a função de fazer a vida de Mags um inferno. Faziam quatro dias que ela tivera sua primeira aula, e desde então não havia um dia em que não largava uma piadinha para a garota.

Seymor ainda tinha o dom de aparecer nos lugares mais indesejados. Por exemplo, quando Mags foi atacada por um bando de repórteres com perguntas indiscretas na saída da aula. Quando um dos repórteres perguntou se ela já tinha experimentado um beijo dos garotos da capital e Mags para variar gaguejara, o garoto tivera um acesso de riso e se sentara confortavelmente para observar enquanto Mags era torturada. Mags não parara de lançar olhares assassinos para ele.

A frase que saiu da boca do colega, no entanto a pegou totalmente de surpresa.

–Estou aqui para ajudar alguém- A voz dele estava estável, mas Mags pode ver suas bochechas ficando um tom de marrom mais claro, entregando o desconforto do menino- Huum, quero dizer, estou aqui porque, acredito que posso fazer a diferença.

O professor assentiu, parecendo satisfeito

–Muito bem. Acredito que vocês tenham tido uma grande semana aqui conhecendo seus colegas, professores e futuros empregadores. E aposto que estão ansiosos para o mês que vem para saberem em que setor e com quem trabalharão- ele olhou para todos os alunos com igual fervor-Química meus caros, é a ciência da combinação, a ciência capaz de aliviar dores e ao mesmo tempo ser tão letal quanto uma bomba atômica. Por isso, estejam com seus olhos, ouvidos e corações atentos. Sejam bem vindos a aula de Química Orgânica I.

Mags teve que admitir, a aula daquela sexta-feira tinha sido a mais divertida da semana. Senhor Crave teve a decência de não comentar, como muito do restante dos funcionários do departamento e do corpo docente, que o prédio e todo o sistema de ensino só existiam graças a revolução. E graças ao seus pais. O que era injusto era o fato de ninguém prestar atenção nos outros revolucionários. Gale era famoso, ela sabia. Mas e os outros?

Felizmente, não tinha havido mais atrasos, já que ela marcara o despertador para uma hora antes do previsto e sempre vinha a pé para o Departamento. Ela sempre escolhia rotas diferentes para despistar os jornalistas. Não se importava com a caminhada, a Capital era bonita e tranquila naquele horário. Um capuz e ninguém a reconhecia naquela hora. Ela se sentia diferente, livre.

Mas sempre havia a hora do almoço. Chegou na cafeteria e sentiu os olhares familiares se postando sobre ela. "Apenas pegue o suco de laranja e o sanduíche de bacon e suma daqui". Antes que ela pudesse chegar até a metade do caminho, um grupinho de garotos da idade dela a interceptou.

–Olá Margareth. Você viu a nova matéria do Panem Diary?- Perguntou um dos garotos. Eles não eram bem calouros, mas Mags reconheceu alguns rostos de sua turma, entre eles Seymor.

Respire, respire. Apenas respire.

–Não, eu não vi. Possivelmente alguma matéria dizendo quantas calorias tenho perdido? Eles ainda não decidiram se sou anorexia ou preciso urgente de uma cirurgia bariátrica- Respondeu Margareth no pior humor possível.

–Ah não seja grossa. É uma matéria muito interessante sobre sua família você deveria ver- Comentou Seymor.

O Garoto estendeu o jornal. "A loucura e o tordo. A verdade sobre os amantes desafortunados". Mags encarou o colega. Lembre-se do que seu pai lhe ensinou. "Seja gentil com seus amigos e você será uma boa pessoa. Seja uma boa com seus inimigos e você mudará o mundo" . Maldição! Tudo o que ela queria agora era socar cada um daqueles idiotas.

–Muito engraçado. Super interessante.

Mags se dirigiu para o local onde estavam servindo a comida, pegou seu sanduíche e o suco e saiu. Ela ainda pode ouvir alguém assobiando a melodia do tordo. Aquela que as vezes sua mãe tinha ataques ao lembrar de Rue cantando. E risadas, muitas risadas. Isso estava ficando pior a cada dia.

–Você precisa começar a se defender sabe?- Mags ouviu a garota de olhos puxadinhos, Phoebe falando.

Tinha resolvido se sentar no jardim onde era mais sossegado, mas as pessoas pareciam entender isso como uma mensagem para segui-la. Ela se obrigou a respirar fundo. Não era culpa de Phoebe.

–Tudo bem. Eu meio que estou acostumada. 20 anos e tal- Mags deu de ombros.

Phoebe a analisou descaradamente.

–Gostei de você. Essa atitude "mantenha a cabeça erguida e eu não estou nem ai para o mundo". Você é mais forte do que pensei franguinha.

Antes que Mags tivesse chance de responder, uma garota apareceu. Tinha os cabelos amarrado em um rabo de cavalo.Um tom de castanho quase ruivo que lembrou Mags das flores caídas na floresta no outono. Os olhos verdes eram grandes e ficaram ainda maiores quando viram as duas garotas conversando.

–O meu Deus! Ela não está perturbando você está? Phoebe tem a mania de falar pelos cotovelos.

A voz dela era mais grossa do que Mags esperava. Quase pode sentir o que a garota queria dizer "Não perturbe a filha do tordo", mas quando olhou para a menina, ela parecia ter uma expressão bem humorada. Do tipo que diria isso para qualquer um. Phoebe soltou um guincho indignado.

–Eu não estou perturbando a garota. Estou prestando solidariedade. O que é bem diferente.

A outra olhou para ela desconfiada.

–Então presto minha solidariedade, pela solidariedade de Phoebe.

Mags não conseguiu conter uma gargalhada.

–Tudo bem, ela até que é legal.

A colega assentiu, com uma cara séria que fez Mags soltar mais um sorriso.

–Até que é legal descreve perfeitamente a situação- disse ela sabiamente.-Eu sou Nash.

Mags ficou confusa

–Nash? Não é um nome masculino aqui na capital?

Phoebe e Nash riram, olhando para Mags como se ela fosse algo extremamente curioso.

–Você é realmente uma garota do interior né? Não percebeu o pomo de Adão?- Riu Phobe.

–Eu era um homem antes- Respondeu Nash meio na defensiva.

Mags sentiu o estômago se revirar.

–Oh meu Deus, eles não te obrigaram....

Mags sabia que a Capital tinha uma cultura estranha com relação a cirurgia de mudança corporal. Sua mãe uma vez contara que tinha conhecido uma mulher com cara e cauda de tigre. Será que o garoto tinha sido obrigado? Isso seria terrível demais.

Nash olhou para a garota, seu sorriso um pouco mais frio.

–Não, eu fiz porque queria.

Mags, sem querer, soltou um suspiro de alivio.

–Oh ótimo.

Phoebe arqueou as sobrancelhas para ela.

–Você não vai chamá-lo de aberração?- Perguntou ela.

Mags sentiu que Phoebe sempre saia na defensiva de Nash. Seria legal ser amiga de pessoas como eles, que sempre estavam dispostas a se defenderem.

–Por que eu faria isso?- Mags arregalou os olhos- Quer dizer... não faz a menor diferença.

Phoebe olhou para Nash, as duas claramente avaliando Mags.

–Ela não é fofa? Acha que podemos ter a garota do interior no nosso grupo?- Perguntou ela para a amiga.

Para alivio de Mags, Nash anuiu solenemente.

–Se vou andar com vocês, vamos deixar as coisas claras. Não sou uma garota do interior.

Phoebe e Nash sorriram

–Certo, garota do interior. Bem vinda ao grupo. Phoebe Lander, distrito 5, mas moro na capital com meu pai há 3 anos. Essa é Nash Hamlin, nascida e criada na Capital. E não ligue quando disseram que você está andando com os perdedores. É totalmente intriga da oposição.

Mags sorriu, finalmente ela estava fazendo amigos.

Effie ficou feliz quando Mags contou sobre os dois na hora do jantar. "Vai te ajudar a lidar com a mídia ter um grupo sólido de amigos", ao que Mags revirou os olhos.

–Não revire os olhos mocinha. Você não está fazendo um bom trabalho nesse sentindo. Ignorou todos os pedidos de Claudios Caligula. Tem noção de quem ele é?

Mags apenas botou mais uma batata na boca.

–Um velho de 70, com uma higiene péssima, que acha que pegar no meu pé vai esconder o fato de ele não ter namorada?

Effie levantou as mãos para cima.

–Odeio quando você resolve ser parecida com sua mãe. Marquei uma entrevista para a próxima segunda. Quanto antes você se livrar desse homem, melhor. Dolorido e rápido, como arrancar um band aid.

–Como arrancar um band aid- repetiu Mags- certo.

E-continuou Effie- Chegou algo para você. Parece que Matt anda com saudades da irmã.

Mags soltou pulinhos interiores e um maior para pegar a carta da mão da Effie.

–Boa noite Mags- disse ela indo para o quarto- E Lembre-se...

–Rápido e indolor como um band aid!

Ela ainda ouviu Effie suspirando antes de sair da sala, mas já estava com sua atenção totalmente voltada para carta do irmão. Mags deveria ter ligado para ele. Como estava com saudade de ouvir aquela voz . No entanto, sabia que uma carta ainda era a melhor forma de conversar calmamente com o irmão caçula.

E a carta que ele lhe enviara. Era tão doloroso ver Matt perdido. Mags sentia uma gana tão protetora que às vezes até ela mesma se assustava. E agora ela não estava lá. Ela não poderia curar o coração partido dele. Não poderia cuidar dos machucados ou implicar com ele até conseguir que ele tivesse coragem de fazer algo perigoso, mas necessário. Ela sempre lutaria por Matt, e mais uma vez, ela faria isso. Com as armas que ele usava melhor, com palavras.

Querido Matt

Se eu estou feliz? A Matt... se você pergunta se estou contente em estar na Capital, se estou bem, se estou progredindo... a resposta é sim. Você sabe, tudo é tão diferente e mais difícil quando você é um novato. Acho que consigo me ajustar. Se acostumar como uma nova vida é complicado, mas quantas novas vidas nos vivemos todos os dias?

Conheci pessoas muito interessantes. Você gostaria deles, tenho certeza. Eles são do tipo que riria com a gente por horas na floresta. Na verdade, aqui na Capital, são do tipo que poderia me fazer esquecer os problemas por um segundo.

Phoebe fala pelos cotovelos, tem opinião sobre tudo e você pode ouvi-la cantando de vez em quando, quando não está falando ou puxando briga com alguém. Ela é do tipo que vai te dizer as verdades mais cruéis e vai fazer coisas mais cruéis ainda com alguém se ele ousar te machucar .Já Nash é uma garota doce, que já viu o pior lado das pessoas mas que continua buscando algo bom. Alguém que já passou por muitas coisas mas que sempre acredita que tem algo bom vindo por ai. Não é desse tipo de pessoas que precisamos no mundo Matt?

Matt, meu caro, a vida é muito grande para você achar que deve saber quem é aos 16 anos. Quero dizer, às vezes tudo o que o mundo precisa é de alguém perdido. Quantos caminhos novos essas pessoas podem descobrir? O mundo é cheio de possibilidades Matt e todas elas estão esperando por você. Vou te contar um segredo, um segredo que às vezes as pessoas esquecem de passar a diante. Não é o que você faz o que importa, mas sim como você faz. Se isso soa meio bobo? Outro segredo, às vezes as coisas bobas são as que fazem mais sentido.

Procure Matt aquilo que te faz se sentir vivo, aquilo pelo qual você sabe que vale a pena lutar. Algo em que você não tenha medo de falhar porque, mesmo que falhe, continuaria valendo apena cada segundo.

Uma vez li em algum lugar que as pessoas não lembram do que você fez, mas do que as fez sentir. Então meu querido irmão, não se preocupe muito em não saber ainda o que quer, você não falhou. Só teria falhado se tivesse desistido de saber quem é.

Então é isso Matt, eu estou bem e me descobrindo a cada dia aqui. Felicidade é uma palavra muito vazia para descrever o que sinto. O que é felicidade afinal? A felicidade é um coleção de momentos bons, mas a verdade que os momentos ruins também fazem parte dela. Para ser uma pessoa completa Matt é preciso ser sábio o suficiente para aguentar a dor. Saber que, mesmo com todo o medo, todas as perdas e todo o desespero, você continua vivo. Continua respirando e inteiro.

O segredo Matt é que eu nunca deixaria você sozinho na água. Parece que eu não estou lá, mas estou te observando. Me sentindo orgulhosa porque você está nadando sozinho, tão bem e tão confiante. Vejo que você está com frio e cada fibra do meu ser grita para te tirar da água e te enfiar de baixo de um cobertor quentinho. Mas que sentido isso faria? Quando você percebe que estou ali, você me atira um sorriso sarcástico. Depois de meia hora estamos ensopados de baixo de uma árvore comendo uma fruta qualquer. É assim que a vida tem que ser.

Espero que saiba Matt que, mesmo que pareça, você nunca está sozinho. Há sempre alguém lá na margem esperando por você, para estender a mão e sentar com você embaixo de uma árvore qualquer, numa tarde preguiçosa de verão. Talvez agora eu não possa ser essa pessoa. Talvez você se sinta sem rumo e sozinho e eu queria poder estar ai para te levar para floresta quando a dor fosse insuportável demais. Às vezes temos que aprender a lidar com ela sozinhos, às vezes fugir para a floresta não é a resposta.

Como estão todos ai? Diga a mamãe e papai que estou com saudades. Espero que eles estejam bem. Se mamãe passar mais tempo na floresta do que o normal ou papai tiver outro ataque, por favor, me avise. Diga a Haymitch para não beber todo o remédio que eu preparei para ele de uma vez só. Ele vai acabar dormindo mais do que o necessário e isso não seria bom. Substituir um vicio por outro não é a resposta.

Amo todos vocês.

Com carinho da sua irmã que está te esperando na Margem

Mags.

P s: Não precisa se desculpar, eu havia deixado o biscoite para você mesmo.