Efeito Dominó escrita por Snowflake


Capítulo 15
Capítulo XV




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POV Dominique

 Escutei risos e uma conversa animada logo que me aproximei da cozinha. Sorri comigo mesma assim que senti o cheiro de café fresco, apreciando os raros momentos de bom humor matinal. Sentia-me tão bem que nem fiquei tão emburrada quando vi Jude sentado à mesa, rindo de algo que vovó tinha dito. Apenas saudei-os, juntando-me a ele e alcançando a garrafa térmica no mesmo instante.

— Olha só, alguém acordou de bom humor – Percebi uma pitada de maldade em sua voz, que foi ignorada com sucesso, se querem saber.

— Dormiu bem, querida? – Minha avó se aproximou, passando a mão em meus cabelos. Olhei de relance para Van der Bilt, que ergueu as sobrancelhas e colocou um sorriso desafiador no canto dos lábios, também ansioso pela resposta.

— Sim, dormi sim – Jude, assim como eu, permaneceu sem quebrar o contato visual entre nós. – Mas sabe como é, estava tão cansada que acho que até se dormisse no chão daria no mesmo – Provoquei, recebendo um olhar debochado de volta.

— Tem certeza de que sua noite de sono não foi fantástica, amorzinho? – Van der Bilt devolveu com a mesma moeda, piscando para mim. – Vamos lá, não seja tão orgulhosa, love.

Antes mesmo que eu pudesse responder, Jude me puxou para perto de si, abraçando-me pelo pescoço com um braço. Consequentemente, meu rosto foi afundado em seu ombro sem qualquer aviso prévio. Agoniada, comecei a dar tapas em qualquer lugar da extensão de seu corpo que minha mão alcançava, mandando-o me soltar, sem sucesso. Vovó, que estava voltada para a pia, tornou a nos encarar. Deu risada e saiu da cozinha, comentando algo que não consegui entender. Senti Jude beijar o topo da minha cabeça e retribuí com um tapa relativamente mais forte, no mesmo momento em que um flash iluminou o ambiente. Tão desnorteado quanto eu, afrouxou o braço e aproveitei a deixa para desvencilhar-me de seu abraço desajeitado. Deparamo-nos com uma senhora sorridente, segurando sua clássica Polaroid, já um tanto amarelada pelo tempo. Vovó balançava a pequena foto que saíra da máquina, esperando a imagem clarear. Pegou uma caneta preta e escreveu, debaixo da imagem, nossos nomes e a data de hoje. Soltando um "Vocês ficam tão bonitos juntos, crianças!", entregou-me a fotografia. Jude pigarreou, coçando a nuca e nos entreolhamos. Subitamente, me senti mal por estar mentindo para minha avó. Girei a maldita aliança em meu dedo, sorrindo falso.

— Dominique! – Vovó chamou, arrancando-me de meus devaneios. – Por que não leva Jude até aquele parque que você adorava quando era criança? Lembra-se dele, não é? – Automaticamente, olhei para Van der Bilt, que apenas deu de ombros. Assenti com a cabeça e, ainda um pouco atordoada, pedi licença para buscar um casaco. 

Peguei qualquer blusa e permaneci de pé, tentando raciocinar sobre o ocorrido na cozinha. Em todo caso, percebi que demorei mais do que o necessário quando algumas batidas na porta chamaram minha atenção. Fechei a mala rapidamente, lamentando pelo meu bom humor ter se esvaído tão depressa. 

— É para hoje, amorzinho— Provocou Van der Bilt, aguardando escorado no batente da porta. O sarcasmo em sua voz era evidente, o que tornou impossível não revirar os olhos. 

Amorzinho, é? 

— Só estou te enchendo o saco, garota – Bufou, revelando que atingi meu objetivo.

Ofereci-lhe meu melhor sorriso sarcástico – um traço de família, devo acrescentar – e caminhei ao seu lado, fazendo uma breve pausa para despedir-me de vovó. Assim que chegamos em seu ângulo de visão, Jude segurou a minha mão, apertando-a com mais força do que deveria. Sra. Paddington nos acompanhou até a porta, antiga tradição familiar, esperando virarmos na esquina para voltar aos seus afazeres. A partir do momento que estávamos fora de vista, nos afastamos quase que brutalmente. Caminhando em silêncio, cruzei os braços e respirei fundo, admirando o antigo parque que tanto marcou minha infância. Permanecemos quietos até que encontrei um lugar para sentar, debaixo de uma árvore.

— Divirta-se, Van der Bilt. Vá espalhar este seu charme barato para alguma das suas garotas com um gigantesco caso de atraso mental e me prive da sua ilustríssima companhia – Pedi, arrancando-lhe um riso debochado. Olhou ao seu redor, teatralmente, e sentou-se ao meu lado. 

— Namorada liberal você, amorzinho. Mas, para sua sorte, vou ficar por aqui mesmo. Não é como se as opções fossem muito variadas – Terminando sua sentença, encarou-me. – Está mais calma? Digo, em relação a ontem. 

— Por que o interesse? – Respondi-lhe com outra pergunta. – Aliás, por qual motivo me ajudou ontem? – Questionei, sincera. Era algo que tirava minha quietude desde que acordei. Demorou alguns instantes para que eu obtivesse uma resposta.

— Pode não parecer, mas acredite em mim, DiNozzo – Começou, olhando para algum ponto ao longe. – Eu me importo contigo. Não gosto que nada te atormente – Ergui as sobrancelhas, confusa, e Jude me encarou. – Apenas eu tenho esse privilégio – Piscou para mim, revelando seu sorriso mais sacana.

Gargalhei, agora sim reconhecendo-o. Não foi um riso repleto de escárnio ou sarcasmo, como de costume, mas sim uma risada honesta. Era uma excelente piada, admito. Desde que o conheço, Van der Bilt se preocupa única e exclusivamente consigo mesmo. Egocentrismo era praticamente seu nome do meio, um fator contribuinte para que ele ocupasse o topo da lista Coisas Que Enojam Dominique DiNozzo. Apesar do asco, nos últimos dias, devo confessar, tenho me sentido relativamente confortável. Já havia me acostumado com a presença de Jude, o que tinha sido um enorme exercício para a minha paciência recém adquirida. Foi só aí que minha ficha caiu: noite passada, não tive pesadelos. Muito pelo contrário, dormira como uma pedra. Não creditaria a Van der Bilt minha excelente noite de sono, é lógico. Nove horas dentro de um avião deixa qualquer um exausto, certo? Em todo caso, o importante é que finalmente conseguira que minhas olheiras se despedissem de mim. Ainda desconcertada pela resposta que recebi, segurava uma risada quando me virei para ele, deparando-me com sua feição séria. Pigarreei, recompondo-me. 

— Não conhecia este seu lado calmo – Jude quebrou o silêncio, agora distraído com algo em seu celular.

— Você não me conhece, Van der Bilt – Rebati.

— Só por que você não me deixa te conhecer.

Revirei os olhos, ignorando seu comentário presunçoso e me levantando. Até parece que ele faz questão, pensei. Se já sabendo tão pouco sobre mim já me tirava completamente do sério, calcule se me conhecesse. De qualquer forma, tentei lembrar em qual direção ficava um antigo café que costumava frequentar com minha mãe, apressando o passo quando pude ver a fachada. Escutei-o chamar o meu nome antes de me afastar de fato. Não tive tempo de perguntar o que queria, uma vez que ele soltou aquelas malditas palavras quase que no mesmo momento.

— Eu te amo. 

Tornei-me para Van der Bilt, não podendo estar mais perplexa. Senti meu rosto se configurar em uma careta, além da minha testa se franzir ao máximo. Temia que meus olhos saíssem das órbitas de tão arregalados que estavam. Minha boca, entreaberta, não era capaz de emitir som algum. Totalmente privada da Arte da Conversação. Não sei dizer ao certo quanto tempo permaneci naquela situação deplorável, mas acordei do transe com um riso exagerado.

— Acreditou! – Disse Jude entre gargalhadas, literalmente rolando no chão. – Caralho, DiNozzo! Não creio que você realmente acreditou! – Colocava a mão na barriga, provavelmente na região que doía pelo excesso de risadas. – Fala sério, Dominique! Realmente pensou que... – Interrompeu sua fala assim que notou que eu caminhava em sua direção. Sentia minhas bochechas arderem, certamente estavam vermelhas. Jude, no entanto, levantou-se e começou a correr, rindo, comigo logo atrás. Assim que pude alcançar o maldito, pulei em suas costas. Ao mesmo tempo que utilizava minhas mãos para me segurar, batia em seu peito. Van der Bilt me apoiara pelas pernas, ainda correndo, enquanto eu revezava entre gritar para que parasse e alguns termos relativamente ofensivos. Sua gargalhada ainda não havia cessado por completo, e não sabia se acompanhava ou ficava mais possessa ainda. No final, acabei rindo entre um insulto ou outro.

 POV Jude

 — Você precisava ter visto a sua cara – Comentei, controlando o riso e seguindo Dominique em direção ao estabelecimento. – Estava hilária.

Analisei a frente do café, onde se lia, em grandes letras douradas, Café Sucré Patisserie. DiNozzo empurrou a porta de metal, adentrando o recinto com um leve sorriso nos lábios. Todavia, o ambiente com o qual me deparei era intrigante. Se algum dia me dissessem que Dominique era uma assídua frequentadora do restaurante em questão, garanto que debocharia e perguntaria se estávamos falando da mesma pessoa. Não era como o Brew, em New York. Muito pelo contrário, era decorado com papeis de parede floridos e adornos delicados. Parecia que tinha recém saído de uma casa de bonecas. Pensei em fazer um adendo, sendo impedido por uma senhora rechonchuda que atravessara o pequeno salão a passos rápidos, chamando o nome de Dominique.

— Sra. Lafaiete! – Exclamou a loira, verdadeiramente empolgada. As duas embarcaram em uma conversa animada, na qual não pude entender quase nada. Com gestos exagerados e extravagantes, aquela senhora quase derrubava alguns garçons, rindo e falando alto com seu forçado sotaque francês. Quase um minuto inteiro depois ignorando plenamente a minha presença, DiNozzo resolveu acalmar os ânimos e me apresentar para a tal Lafaiete, que me recebeu com um abraço um tanto descomedido. 

Nesse ponto, já estava 100% perdido e desolado. Sempre acreditei que a Arte da Conversação atinge seu ponto máximo quando todas as partes envolvidas têm uma vaga ideia a respeito do que estão falando, e, na presente situação, eu havia sido deixado de fora da jogada. Estava começando a me sentir como se tivesse entrado por acaso em algum tipo de Performance Surrealista – talvez uma daquelas que tentam provocar a audiência até uma reação extrema. Antes que pudesse pedir licença e sair correndo, a senhora exuberante interrompeu:

— O dever me chama! – Bradou, depois de ouvir algo em francês vindo da cozinha. Sendo assim, alisou o avental e se despediu, voltando depressa aos seus afazeres.

— Francesa, é? – Perguntei assim que garanti que Lafaiete estava longe o suficiente para não nos escutar.

— Tanto quanto o pãozinho – Dominique deu de ombros, abrindo espaço para o escárnio.

Novamente em paz, atravessamos o ambiente detalhadamente decorado. Paramos no final da fila sem trocar uma palavra sequer, e me distraí com as inúmeras opções de alimentos que nos eram expostos. Por força do hábito, puxei DiNozzo pela cintura, trazendo-a para mais perto de mim. Contudo, a loira se afastou, cruzando os braços.

— O que foi agora, Dominique? – Questionei, impaciente.

— Não quero mais fazer isso. Chega de contato físico, já extrapolamos – Impôs.

Até considerei argumentar e lembra-la do por que de estarmos na Inglaterra, mas no fundo achei mais inteligente apenas acatar sua sugestão – que havia soado mais como uma ordem, deve-se acrescentar. Mesmo que doa em mim, concordo com ela. Óbvio que nunca direi isso em voz alta, afinal tenho uma reputação a zelar. Nossa demasiada convivência dos últimos dias para cá tinha mudado muitos conceitos, abalado limites silenciosamente impostos por nós há tantos anos. Devia lembrar a mim mesmo de que o habitual na nossa relação conturbada não era abraços e carinhos – mesmo que façam parte do teatro. Já havíamos ultrapassado a linha da dramaturgia e, pela sua expressão, Dominique pensava exatamente o mesmo. Estávamos prestes a entrar em uma zona terminantemente proibida para ambos, que era evitada desde o momento em que nos conhecemos. Não seria nada saudável permitir que agora, mais de dez anos depois, regredíssemos tanto. Nosso convívio vinha se tornando prejudicial às leis que permitem que o planeta continue em equilíbrio. A falta de discussão entre nós me deixava incerto, e é possível que uma nova catástrofe seja desencadeada por brincarmos de tal maneira com os pilares que nivelam o Universo. Não que eu goste de passar todo o meu tempo argumentando com ela, só não aprecio estas mudanças que abalam, em certo ponto, a maneira como vejo o mundo. 

Apesar de que sua passagem pela minha cama tenha sido muito mais do que satisfatória, eu precisava relembrar quem é Dominique DiNozzo. Enfatizaria que ainda é aquela garota irritante que se acha a dona da razão. Continuava sendo a mesma pessoa insuportável que teimava em criticar cada passo que eu dava e discordar de absolutamente tudo o que eu digo. Aquela que implica com cada movimento e se proclama inatingível por mim. Sobretudo, a única mulher que me deixou plantado e que, por isso, ainda deve aguardar o dia da minha imensurável vingança.


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