The Untouchable Family escrita por Isadora Nardes


Capítulo 3
Pedro Castelloneur




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Pedro Castelloneur - 40 anos – divorciado – dois filhos – morto por mutilação.

Eu tentei examinar a reação do Sr.Krastburn quando lhe estendi a foto de Pedro. Ele apenas demonstrou indiferença, embora eu tenha pensado ver algo diferente em seus olhos.

–- O calhorda – o Sr.Krastburn disse, como se cumprimentasse a foto do homem estirado ao chão. – Esse italiano de merda mereceu.

–- Me explique – eu pedi. Aurélio revirou os olhos.

–- Você é bonita, mas é bem burrinha, né? – ele perguntou.

Ele vai tentar te atingir, Martha. Não se deixe intimidar.

Eu limpei a garganta, decidida a não deixá-lo perceber que a ofensa havia me atingido.

Aliás, por que havia me atingido? Ele era doente. E só isso. Doente.

–- Por que o chama de “italiano de merda”? – eu perguntei, lutando para manter a voz uniforme.

–- Um retardado que falava com a mão – o Sr.Krastburn fechou uma das mãos e bateu, repetidas vezes, na palma da outra.

–- Explique, por favor, Sr.Krastburn.

Ele revirou os olhos novamente.

–- O cara era um bêbado – Aurélio demonstrou impaciência na voz. – Fugiu da família porque não tinha pulso o suficiente para aguentar o tranco!

Eu examinei o perfil da vítima. O filho mais novo tinha oito anos, o mais velho, 14. Ambos ficaram com a mãe, que não se casou de novo, e era empregada doméstica. Juntei as peças, e tudo ficou muito óbvio na minha frente.

–- O Sr. Castelloneur representa seu pai? – eu tentei confirmar, olhando para Aurélio. – Quer dizer, em sua fantasia doentia?

Pensei ter visto o lábio inferior de Aurélio tremer. Ele virou a cara para a janela novamente. Há essa hora, o céu já havia virado um misto de azul escuro com azul claro, e os vestígios de nuvem pouco importavam naquele calor.

O Sr.Krastburn abaixou o rosto, depois levantou, olhando pra mim com raiva, e dizendo, numa voz sarcástica:

–- Até que não é tão burrinha, ein?

***

Aurélio observava, espantado, o pai fazendo as malas. Nunca vira o pai tão raivoso. Seu rosto estava vermelho, o que era bem visível, pois ele era absolutamente branco. Ele pegava as roupas e atirava na mala, sem dobrar nem enrolar, e fazendo movimentos bruscos.

A mãe de Aurélio observava, no canto, tremendo e com a mão na boca, como que para abafar os grunhidos. Os olhos dela estavam inchados, e ela parecia prestes a desabar no chão.

O pai cheirava a cerveja, mas Aurélio estava tão acostumado que nem sentiu.

–- Pai... – Aurélio começou. O pai o interrompeu.

–- Não quero saber!

Aurélio sentiu o pânico tomar conta.

–- Deixa eu pelo menos te ajudar... – Aurélio ia dobrar uma camisa em cima da cama, mas o pai afastou-o com um empurrão. Quando deu por si, Aurélio estava no chão, observando o pai apontar o dedo para ele.

–- Seu merda – ele grunhiu.

Aurélio se contraiu, querendo começar a correr. Mas não podia. Deixar a mãe, frágil, na companhia daquele homem bruto? Ela iria desintegrar, iria virar pó, suas cinzas iriam cair no carpete e iam ir embora num aspirador de pó, como se ela fosse apenas uma sujeira que se varre pra debaixo do tapete...

–- Pai... – Aurélio grunhiu desesperado. Ao mesmo tempo em que não podia deixar a mãe com ele, não podia deixar o pai ir embora. Era seu pai. Sustentava a casa, e, embora perdesse facilmente o controle, Aurélio o amava. Amava, inclusive, os sorrisos falsos e a satisfação forçada que o pai dava ao apresentar a família no trabalho. – Pai, por favor...

–- Nada de “por favor” – o pai de Aurélio grunhiu, sem parar de jogar coisas na mala. – Não pra você. Pro seu irmão, talvez, mas pra você não.

Aurélio sentiu os olhos ardendo. Olhou para o irmão, que estava parado na porta, e sentiu uma raiva e um ciúme tão grande que ele não tinha ideia de como cabiam nele, que era tão pequeno.

O pai de Aurélio empurrou a tampa da mala, e fechou o zíper, que tintilou e grunhiu, mas fechou. Ele levantou a mala com só um braço, e foi até a porta. Nem parou para olhar para a mulher, que abraçava a si mesma, a procura de consolo. Passou a mão na cabeça do filho mais velho, Gabriel, ao passar pela porta.

Aurélio estava transbordando desespero. Escorria em lágrimas. Ele se curvou, tentando tornar-se menor do que um átomo, tentando evitar que se afogasse em si mesmo. Ele se encolheu, e ficou ali por um longo tempo, imerso em desespero e em tristeza, esperando que tudo passasse.

Por que o deixara?

***

Eu tentei limpar a garganta, mas me faltavam forças pra isso.

Eu estava dizendo a mim mesma que nada justificava os crimes que o Sr.Krastburn havia cometido. Porém, e se casa segundo de sofrimento na vida dele tornou-se uma amargura intensa, e, ao invés de escorrer em lágrimas, escorreu em sangue?

Era uma teoria plausível. É claro que ele era doente, e a culpa não era da doença. Se eu acreditasse em Deus, eu provavelmente ia dizer que o diabo o tentou a fazer isso ou alguma merda do tipo.

Mas não.

Fora ele.

O diabo não existia, mas o Sr.Krastburn existia, e estava ali na minha frente. E ele fez aquilo porque não existia nenhum ponto de compaixão ali dentro. Nenhum.

Eu umedeci os lábios, e ordenei:

–- Relate a morte do Sr. Castelloneur.

***

Pedro fora pego desprevenido pelos cacos de vidro em sua cabeça.

Se ele tivesse ouvido o homem se aproximar, poderia ter corrido ou lutado com ele. Mas era tão silencioso que ele pensou que fosse sua imaginação. No entanto, ao sentir a garrafa quebrando em sua nuca, soube que não era sua cabeça.

Enquanto despencava para o chão, não pode deixar de gritar. A pior coisa que podia ter feito. O homem pegou um enorme caco de vidro e enfiou na boca de Pedro. Pedro sentiu as pontas raspando por seus dentes, cortando sua gengiva e o teto de sua boca, enquanto o sangue escorria por sua língua...

Ele babava, e tentava se desvencilhar. Porém, o golpe na nuca o tirara totalmente de órbita. Os membros estavam pesados, e ele pensava debilmente em correr.

–- Seu filho da puta – ouviu o homem dizer. – Vai, engole a garrafa agora! Engole-a inteirinha, seu bêbado vagabundo! Eu lembro como você adorava...

Pedro compreendeu a parte do “bêbado vagabundo”, mas quem diabos era aquele homem?

Sentiu o sangue descer pela garganta, e tomar o caminho errado. Desceu pelo lugar onde o ar deveria sair, e Pedro quase pode sentir descer pelos seus pulmões. Lutou contra o sangue para recuperar o ar, mas não adiantava.

O homem empurrou o caco mais fundo na garganta dele. Ele a sentiu abrindo, cedendo, e o sangue escorrendo…

–- Agora vai, engole! – o homem disse. – Engole!

Pedro começava a mexer as pernas, mas nada muito útil. Debateu-se, mas cedeu. Não tinha forças nem para recuperar o ar. O homem apenas empurrava mais o caco, e Pedro não podia fazer nada.

Uma morte silenciosa e dolorida pairou no ar.

***

Eu me senti mais enjoada do que perturbada com aquele relato. Quando Aurélio fora explicar como enfiara os cacos de vidro na garganta de Pedro, eu tive de me controlar para não imaginar a cena e vomitar ali mesmo.

Afastei esses pensamentos, ainda imaginando os cacos de vidro cortando a boca de Pedro.

Eu ia me levantar, mas uma curiosidade não ignorável surgiu em minha cabeça.

–- Sr.Krastburn... Você não sente pena?

Ele me fitou, despreocupadamente.

–- Por que sentiria? – ele perguntou.

Ali, uma certeza definitiva me dominou. Era terreno infértil para compaixão. Se nós pegássemos uma pequena muda de compaixão, plantássemos na cabeça de Krastburn e deixássemos crescer, ela iria apodrecer na terra e ia ficar fedendo ali pelo resto da eternidade.

Eu levantei, me virei e saí.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo foi meio pequeno e chatinho, não? Bom, só faltam mais duas vítimas, e então vem a segunda parte: As Consequências! Estou escrevendo essa.



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