1000 Anos de Escuridão escrita por Chris Lima, Emanuel Hallef


Capítulo 3
Capítulo 02


Notas iniciais do capítulo

Capítulo escrito por Chris d'Arc



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Há muito tempo ela não cogitava a possibilidade de fazer o que iria realizar agora. Decidir voltar para a casa de seu pai, para Agnes, fora a decisão mais difícil que tomou nos últimos meses. Mas ela precisava iniciar tudo pelo berço. Anos atrás, ela deixou pendências naquele estado e ela precisava pôr um fim em tudo.

A relação que a garota tinha com o pai nunca foi das melhores, ela concordava muito pouco com seu pai, as atitudes mesquinhas que ele tomava influenciou muito para isso. Entretanto, o que mais a fez odiar aquele homem foi a desonra que ele causou a sua mãe.

Ela testemunhou com seus próprios olhos o assassinato.

Ainda doía muito se lembrar daquilo.

Uma lágrima escorreu pelo seu olho esquerdo, lágrima que foi secada rapidamente pela garota. Tudo contribuía para que ela nunca mais quisesse olhar para ele, pois além de ter destruído a própria família, ele, há mais de vinte anos, sancionou um decreto-lei, que visava proibir os casais a de terem filhos sob risco de pena de morte, tal insanidade não demorou muito para se tornar legal.

Para ela, aquilo não poderia ser real...

Ele matou a própria esposa, o caso ficou impune.

Mas se uma pessoa tem filhos, deverá morrer.

Seu corpo se dominou novamente pela raiva. O mundo estava louco, as pessoas estavam loucas. Deve ser por causa de tanto tempo sem o sol. Só poderia ser aquilo. E agora, além de tudo, mais uma desgraça aconteceu. Ela estava sozinha, pois sua irmã, tão frágil e tão pequena havia morrido há dois meses atrás.

Quando tudo isso irá acabar?

Ela continuou andando por aquelas ruas mal iluminadas. Por onde passava, ela via apenas miséria. As casas caindo os pedaços, a falta de reboco nas paredes, o olhar desesperado das crianças. Ela tentava ignorar tudo aquilo e continuar andando, mas era tudo muito absurdo para sua mente.

— Moça bonita, você teria como ajudar uma velha faminta? — Perguntou uma senhora. Sua pele enrugada, suas mãos cheias de calo e seu olhar vazio, pediam um pouco de alimento, imploravam por compaixão.

Agnes olhou sua mochila, agradeceu a si mesma por ter colocado alguns enlatados em sua bolsa. Entregou dois terço do que tinha para a senhora e continuou andando. O caminho para a rodoviária era longe, mas ela não tinha como pagar um transporte coletivo, o seu dinheiro estava estritamente contado para todos os seus gastos na viagem.

Ela olhou em seu relógio, era meio dia, mas parecia meia noite. Na verdade, qualquer momento parecia meia noite. Triste fim esse que a humanidade teria. Mergulhada em seus próprios pecados. Sujas. Indignas.

A garota olhou para cima, tentou enxergar as estrelas, mas aquele enorme material semitransparente que envolvia as cidades não permitia tal façanha. As cidades se tornaram menores e estavam dentro de uma espécie de uma enorme estufa. Isso foi feito porque a estufa servia para concentrar o calor nos centros urbanos e também facilitava a regulação da temperatura por um sistemas de refrigeração baseados em energia nuclear e queima de combustíveis fósseis — pois outras reservas foram encontradas.

Apesar da morte das plantas, a atmosfera não sumiu, pois a população há mil anos na terra respirava cerca de 6 trilhões de quilos de oxigênio por ano e, no total, a atmosfera, possui cerca de 1 quinqualhão de quilos de oxigênio. Hoje em dia, a população diminuiu drasticamente e o consumo de oxigênio também, por isso, o ar ainda era, digamos assim, “respirável”.

A maioria dos países eram localizados nas zonas geotérmicas do nosso planeta, e a energia geotérmica também era utilizada. Ela era a mais cobiçada, pois era a energia mais limpa e a mais renovável.

Assim que ela chegou à rodoviária, sentou-se um pouco para recompor suas energias. Ela estava suada e extremamente cansada. Sua ultima refeição não foi tão farta, mal conseguiu saciar sua fome, o que dirá oferecer sustento para uma enorme caminhada.

— Agnes, o que você faz aqui? — Uma voz soou por trás dela, estrondosa, alta, rasgando seus ouvidos.

Ela olhou para trás e era uma antiga amiga que havia se casado. Ela demorou um pouco para reconhecê-la e se sentiu desconcertada, mas assim que ela viu seu enorme sinal no pescoço sorriu e a abraçou.

A aparência daquela mulher estava mais cansada, era possível ver algumas cicatrizes em seu rosto. O que teria causado aquilo? Ela se perguntou, mas não foi intrometida o suficiente para perguntar.

— O que faz aqui? — Agnes perguntou.

— Vim visitar meus irmãos, e você, está chegando ou indo?

— Indo — A garota olhou para os ônibus no local de embarque, o que ela iria pegar chegara há alguns segundos — preciso ir, adeus — falou Agnes.

Assim que se despediram, ela pegou sua passagem e entregou para o motorista. Assim como as outras pessoas, o olhar daquele homem também expressava tristeza. Parecia que sua alma já não estava mais em seu corpo. Seus movimentos eram mecânicos demais, sem nenhuma expressão ou sentimento.

Ela se sentou em sua poltrona e fechou os olhos. Se pudesse, ela se transportaria de lá, viajaria no tempo para no mínimo uns 2000 anos atrás. Dessa forma, ela teria tempo de sobra para aproveitar o calor do sol e o brilho da lua. É, por causa do desaparecimento do sol, nem a lua brilhava mais, pois na verdade ela nunca teve um brilho próprio.

O ônibus deu partida e ela suspirou.

Os próximos dias seriam longos e extremamente estressantes, mas era preciso fazer aquilo. “Só espero que isso funcione”, ela pensou. Enfrentar seu pai será uma dos maiores feitos que ela irá realizar, talvez ele revogue aquele decreto terrível, se tudo ocorrer bem.

Difícil, muito difícil.

Agnes abriu a cortina da janela e viu as casas passarem, uma por uma. Aquele exercício visual era uma das melhores formas que ela tinha para se acalmar durante uma viagem. Quando pequena, ela gostava de contar quantas pessoas haviam sentadas nas calçadas, sentia-se tão animada com a brincadeira.

No entanto, ela apenas queria cair no sono no momento. Adormecer e acordar somente no final da viagem. E foi isso que aconteceu, pois não demorou nem dez minutos para os sonhos abraçarem aquela garota e lhe mostrarem um mundo mais quente e iluminado.

Cinco horas depois, o ônibus, que Agnes estava, passava por um enorme deserto. A temperatura daquele local, em tempos quentes, chegava a zero graus célsius. A estrada estava desgastada e a visão era difícil. Uma enorme neblina tomou a visão do motorista, aquilo era bastante comum, pois a umidade do local era relativamente alta por causa do oceano que estava perto. E devido às baixas temperaturas, a água se condensava, formando aquele enorme amontoado de branco.

O motorista, alheio àquela situação, continuou com uma enorme velocidade, pois, para ele, o quanto antes chegasse ao destino, mais tempo livre teria, para se embebedar até transbordar de álcool. Ele também estava com sono, seus braços mal se moviam e seus olhos insistiam em ficar fechados.

Foi num desses momentos de descanso que ele perdeu o controle do ônibus. Um enorme buraco desconcertou um dos pneus daquele veículo, fato que lhe jogou para fora da pista. Um declive enorme acolheu o ônibus desgovernado, e ele capotou várias vezes.

Agnes acordou com o enorme barulho, estava desnorteada, assustada e tonta. Sentia seu corpo girando várias vezes, como se estivesse em uma espécie de bola sendo chutada. Tentou parar aquele movimento, mas foi em vão. Ela analisou o sinto que usava e previu o pior, ele estava se rompendo.

Não teve tempo nem de pensar no que fazer, pois o ônibus capotara novamente. Foi nesse momento que o seu cinto cedeu e ela bateu sua cabeça no teto do ônibus, o que lhe deixou desacordada. Seu corpo, agora solto, acompanhava o movimento do ônibus, debruçando-se em cada parte do veículo. Ela dançava no mesmo ritmo dos giros, ela estava dançando uma dança frenética da morte.

Na segunda vez que seu corpo bateu contra o vidro da janela, este se estilhaçou em inúmeros pedaços e o corpo de Agnes foi lançado para fora do ônibus, a metros de distância da rodovia. Por mais alguns instante, o ônibus continuou capotando até que diante de tanto vazamento de gasolina, explodiu.

Desacordada, o corpo da garota pedia arrego. Ela estava muito ferida e suja. Se não recebesse ajuda, em algumas horas iria a óbito. Aquele seria seu fim? Talvez. Qual louco passaria por aquele lugar tão deserto e tão esquecido? A esperança daquela garota de mudar a sua realidade lhe foi retirada de uma forma tão cruel.

Ninguém irá chorar por ela.

Acontecerá com Agnes o mesmo que aconteceu com sua irmã: não possuirá um velório, pois seu corpo não será encontrado.

“Eu não permitirei que tu morras” soou uma voz na cabeça da menina, que mesmo desacordada foi capaz de distinguir entre seus sonhos.


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