Dead Girls Never Say No escrita por Hikari Ouji


Capítulo 10
Virando o Jogo


Notas iniciais do capítulo

Tomada pela fúria, Sharon consegue enfrentar Rafael, mas em vez de fugir, decide se vingar de tudo o que já passou até o momento.



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Por um segundo Rafael lembrou-se de um confronto que teve em uma favela na zona norte do Rio de Janeiro. Seu tio havia sido morto pela polícia quando ele e sua quadrilha tentaram invadir a favela rival no meio de uma noite chuvosa. André ficou tão revoltado que atirou com sua metralhadora para todos os lados, matando inclusive um de seus próprios comparsas, dois policiais e um morador da região. O confronto durou horas até que eles conseguissem chegar ao alto da favela. Pareciam personagens de um desenho que eles costumavam ver na televisão que embora achasse uma idiotice era interessante em certas coisas. O fato é que assim como na televisão, o tal chefão acabou aparecendo e em vez de poderes mágicos cujo nome variava de alguma constelação no firmamento, ele usava uma pistola dourada, a coisa mais linda que Rafael havia visto. Mas sua admiração durou exatos dois segundos quando um tiro estraçalhou o vidro de uma janela a menos de dois centímetros de seu nariz. Ele não soube como, mas por puro reflexo, ou obra divina, ele não ficou igual ao seu tio. Cinco minutos depois André acertou pelo menos sete balas no rival, que mesmo ferido tentou fugir. Rafael riu do chefão que ostentava a arma dourada e agora se arrastava no chão enquanto oferecia uma quantia milionária em troca de ajuda. Ninguém nunca viu a cor do dinheiro, mas Rafael o ajudou. Pegou a arma dourada e atirou uma só vez no espaço em que as duas sobrancelhas se encontravam. Com o chefão morto, o morro foi dominado pela polícia e o tiroteio parou, mas com a incompetência da policia carioca o morro logo voltou a ser dominado pela bandidagem. Dessa vez pela quadrilha do falecido tio, cujo líder era o irmão que havia fugido da prisão na zona oeste e se juntou ao grupo. Rafael não quis assumir por que preferia o asfalto ao morro, mas contribuía fielmente ao novo chefe que não suportava.

Rafael foi trago a realidade com uma pancada que novamente ele conseguiu se safar, mas dessa vez teve sangue. Sharon com toda a fúria desferiu o fio do machado mirando a cabeça de Rafael, mas foi surpreendida quando ele se esquivou e se jogou no chão. O machucado ardeu quando o suor tocou a linha vermelha que lhe arrancou a pele de uns bons centímetros de sua bochecha direita, se ele demorasse mais um segundo sua boca teria sido destruída. Quando pensou em levantar, percebeu que os golpes não tinham cessado. A garota havia perdido o juízo de vez. A cada grito que ela dava desferia um golpe em sua direção sem mirar nenhum ponto específico. Ela girava e golpeava o machado em qualquer ponto que Rafael tentava fugir. Pedras, lascas de troncos de árvores e lama voavam cada vez que ela atacava. Rafael acuado escorregava pela lama e atirava terra na direção do rosto de Sharon, mas ela ignorava o ato. Só parou quando o machado atingiu um tronco tão fundo que acabou emperrando o objeto. Furioso, Rafael não mediu esforços em avançar contra a garota e sem dó nem piedade socou-a no mesmo local onde ela o atingiu com o machado. Ela perdeu o equilíbrio, tropeçou nos pés enlameados e caiu sentada de costas em uma bananeira cujas folhas vibraram com o impacto.

— Mas que desgraçada! – gritou cuspindo a saliva com gosto de sangue no mato.

Ele a observou, possivelmente desmaiada e voltou alguns passos para recuperar a filmadora que estava jogada no mato quando a deixou cair ao ser atacado.

— Desgraçada, filha da mãe! Quem ela pensa ser pra me atacar assim! E ainda me machuca! E cadê o desgraçado do André que não aparece! Quer saber, vou acabar logo com essa merda, entregar essa porra de filme e pegar a droga do dinheiro e me mandar sozinho daqui!

Rafael quase que gritava enquanto procurava pela câmera. Por fim a encontrou de cabeça pra baixo com a luz mirando o chão. Por sorte já estava amanhecendo e a claridade o ajudou a encontrar o equipamento que não estava quebrado, mas não se livrou de ganhar alguns arranhões. Sentindo a dor no rosto, resolveu virar a câmera para si e ver pelo visor se o quão grave era o ferimento. A luz forte o cegou por uns momentos, mas deu pra ver o corte que o fio do machado provocou. O sangue escorria e algumas gotas misturadas ao suor e chuva pingavam do seu queixo com barba pra fazer.

— Merda... – sussurrou ao tocar de leve e fechar os olhos ao sentir a dor aumentar.

Quando voltou a abrir os olhos percebeu algo se mover no seu ombro, mas era só uma barata que saiu voando.

— Bicho nojento!

Ele voltou a testar a câmera ainda se vendo na tela e novamente viu algo se mover em suas costas, mas dessa vez não era nenhum inseto nojento, era uma garota e Rafael podia jurar que não era humana. Antes que pudesse se virar sentiu uma dor na têmpora esquerda e apagou.

Suellen agora observava as luzes do teto do hospital passarem rapidamente. Há alguns segundos tinha sido retirada da ambulância e era acompanhada por Martha e o jovem policial:

— Isso. Ela disse que eram três rapazes: Rafael que era namorado dela, Robson que atende pelo nome de Robinho e André que é namorado da amiga dela, a Sharon que ainda está desaparecida... Conseguiu falar com ela? E aí?... Pois é, nessa região o sinal é muito ruim... Certo. Vou procurar com alguns policiais... Estou no hospital com a Suellen, ela já está em boas mãos. Avise a família dela... Ok... Até logo - O rapaz terminou a ligação e voltou a guardar o celular no bolso do jeans escuro que usava voltando a dar atenção à Suellen.

— Suellen, já falei com o delegado e os policiais já estão à procura deles. A sua família já está sabendo e está a caminho da cidade. Então, tenta ficar calma e seguir os conselhos dos médicos. Por enquanto só descanse ok? Vamos encontrar sua amiga - disse mantendo contato visual constante e pousando a mão no ombro de Suellen.

Ela afirmou com a cabeça e tentou ignorar os olhos azuis do rapaz que passavam um sentimento de força. Se não estivesse tão abalada pelos últimos acontecimentos, até que acharia ele “interessante”, mas estava tão cansada que seus pensamentos se perderam. Seu devaneio despertado quando um policial entrou correndo pelo corredor e esbaforido disse que um carro avançou sobre a barreira a algumas ruas dali. Logo após isso, ambos correram pelo caminho que o policial veio e foram conferir o ocorrido. Por sua vez, Suellen continuou sendo carregada sobre a maca em direção a uma sala. Ela já havia estado no hospital outras vezes, mas não na emergência, onde pela segunda vez passou por alguém que estava chorando. Uma porta abriu e a maca entrou em uma sala iluminada e com uma cama simples. Um médico aproximou e se apresentando como Dr. Renato fez uma série de perguntas, exames superficiais e retirada de sangue para exames. Logo depois de constatar uma fratura no pé e diversas escoriações, foi medicada com dois comprimidos para que o tratamento fosse feito sem dor e mais dois médicos chegaram e começaram a limpar os ferimentos. A sala começava a rodar com os efeitos do medicamento, quando um grito a trouxe a realidade. Não podia enxergar bem, mas parecia que um homem sentado numa cadeira de rodas gritava de dor. Suellen tentou focalizar, mas não conseguia enxergar as mãos do homem que parecia dois borrões vermelhos. O homem por fim se calou e quando a cadeira de rodas virou em sua direção Suellen reconheceu o rosto, mas antes que pudesse falar, o remédio foi mais rápido. As dores foram passando, um sentimento de calma foi surgindo e em seguida seus olhos se fecharam.

Longe dali, André havia conseguido despistar os policiais e tentava ligar desesperadamente para Rafael e avisar da possível busca que poderiam estar fazendo na região. Na terceira tentativa frustrada largou o celular de mão e concentrou em não chamar atenção de nenhum carro da polícia. Por um segundo lamentou o que fez com Robinho, mas antes ele do que a si próprio. Assim que chegou a rua que levava a rodovia, viu um carro da polícia pelo retrovisor e acelerou para que pudesse chegar a Rafael o mais rápido possível e caírem fora dessa situação.

O dia amanhecia nublado e frio. A chuva se transformara numa garoa que caia fina sobre a região. Rafael acordou como se tivesse despertando de um pesadelo e notou estar amarrado em uma cadeira velha de madeira. Seus braços estavam amarrados para trás do encosto, os pés também estavam amarrados por fios pretos, e aos poucos a mente foi lhe trazendo incontáveis pontos de dor pelo corpo. Mesmo tonto forçou seus olhos a enxergar na penumbra e percebeu estar em uma casa. Com certeza não era um cômodo do cativeiro. Depois de ter levado uma pancada na cabeça, deduziu que foi arrastado para algum lugar próximo de onde estava e lembrou-se da cabana. Quando engoliu a saliva, percebeu que tinha uma corda em volta do pescoço que levava a algum lugar que não podia ver. A dor na barriga era contínua, mas a da bochecha havia cessado. Seu jeans estava rasgado na perna direita mostrando arranhões e lama que se espalhava por toda a parte direita do seu corpo. Mesmo dolorido tentou forçar as amarras, mas estavam muito bem presas com fios de telefone. Lá fora ouviu o pingar da chuva e gritou por ajuda até cair na real e perceber o quão ridículo essa situação era. O cara que matou dezenas de pessoas, agora era mantido em cárcere privado.

— Apareça Sharon! Eu sei que foi você!  - disse sentindo o gosto férreo em sua boca descer pela garganta – Me solta! Apareça desgraçada!

Do nada uma luz branca iluminou o local. Não vinha do teto, mas de alguém que estava sentada num canto do que se revelou ser o interior do casebre onde horas antes encontrou Robinho sem as mãos gritando como uma criança doida. Como havia parado ali era um mistério, mas como diziam as pessoas nas redes sociais...

— Parece que o jogo virou não? – disse a voz feminina por detrás do feixe de luz da câmera.

— Me solta!

— O que leva você a acreditar que eu vou te soltar seu desgraçado! – disse Sharon abrindo a cortina e deixando a luz do amanhecer invadir o recinto, fazendo Rafael fechar os olhos por alguns segundos devido à claridade. Quando se acostumou à luz, pôde ver Sharon que mais parecia ter saído de um filme de terror – o que de fato não era mentira. Suja de lama e sangue, seu rosto apresentava tons de vermelho e roxo. Seu lábio estava rachado, seu vestido rasgado, o cabelo desgrenhado, mas estava ali. Firme e forte de pé, descalça e furiosa.

— O que você quer? Dinheiro? Só pode ser dinheiro ... Essas mulheres só pensam nisso. Não podem ver um cara de olhos verdes ou com carro que já querem... – Ele nem teve tempo de completar, pois um tapa estalou em seu rosto.

— Eu não sou esse tipo de garota! – gritou Sharon. A câmera tremia junto com o corpo que tentava não se render ao frio.

— Ah tá! – riu Rafael.

— Cala a boca! – berrou novamente ela agora com a arma, que antes fora dele, na mão.

— Olha como você está tremendo imbecil. Está com medo do quê? De não ser resgatada? É bom mesmo, pois ninguém conhece isso aqui.

POW! O som ecoou em todos os cantos do cômodo e saiu pela janela agora despedaçada pelo tiro. Sharon sentiu o braço vibrar, mas não tirou os olhos de Rafael que se calou. Ela podia ter fugido horas atrás, mas não iria deixar um bandido desses escapar tão facilmente. Em sua cabeça, só havia duas saídas: Matá-lo ou entregá-lo de alguma forma a polícia. E nas duas ela saia viva. Seu coração pulsava tão forte que era possível sentir a veia se mexer no pescoço. Ela não aceitaria o fato de vê-lo livre e continuar a fazer isso com outras pessoas ou até mesmo dele ir atrás dela ou de sua família em busca de vingança. Logo, antes que ele agisse, ela agiria. Ela seria o pesadelo dele. Era sua vez de dar o troco.

— Quem é o tal gringo? – disse aproximando a câmera do rosto dele.

— O que leva você a pensar que eu te diria? – debochou virando o rosto pra longe da luz.

— Está tudo gravado aqui. Você não tem como fugir – disse ela pondo a arma na direção da têmpora de Rafael.

— Se me matar, nunca vai saber. Além do mais, você pode ser condenada por porte ilegal de arma.

— Eu não vou te matar. Não agora – disse encostando o cano ainda quente na ferida da bochecha do rapaz que soltou um grito – Não seja criança, seu idiota. Gritando por causa de um ferro quente?

— Você perdeu o juízo Sharon!

— Eu? Você acha que estou maluca! – gritou soltando uma gargalhada.

Rafael pensou que ela estava possuída por alguma entidade, igual àquelas mulheres que via nos centros de umbanda e morria de medo quando criança. Se ela começasse a gritar e girar ali ele temia se cagar de medo.

— Eu não estou! Isso é só raiva acumulada. Raiva de ter sido enganada por um crápula igual a você. Por ter acreditado no André e pensar que poderia ser feliz com um cara que não fosse um completo babaca, mas me enganei. Pra falar a verdade eu acho que perdi o controle mesmo, por que não tem motivos pra te deixar vivo! – disse voltando a apontar a arma.

Furioso, Rafael voltou a forçar as amarras e por um momento ouviu um “crack” soar da cadeira de madeira. Reunindo as forças e ignorando a dor, se levantou com tudo e foi de encontro a Sharon dando uma cabeçada em sua barriga fazendo-a tropeçar nos próprios pés e cair sentada, fazendo a câmera rolar para um lado e a arma para outro. No mesmo instante a corda presa ao pescoço de Rafael o enforcou e o puxou para trás, fazendo cair de costas sobre os próprios braços. O “crack” voltou a soar, mas algo além da cadeira havia quebrado, pois a dor percorreu seu braço até a cabeça. Agora ele tinha uma mão inutilizada. Com dificuldade, folgou o nó que o enforcava, depois se livrou das amarras das mãos e com a única mão boa, a esquerda, desatou os nós dos pés. Tudo em questão de segundos. Quando preparava para se levantar, sentiu que tinha alguém nas suas costas e não deu outra. Ele até que tentou, mas levou uma paulada na cabeça que doeu e um palavrão saiu de sua boca. Ele até achou que já tinha se acostumado, pois conseguiu recobrar a consciência rapidamente e partir pra cima da garota.

Enquanto isso, André observava a todo o momento pelo retrovisor pra ver se estava sendo seguido, mas nem sinal da polícia e nem de Rafael no celular. Por fim, conseguiu encontrar o atalho e entrar na estrada de lama que levava até onde ele deveria encontrar seu comparsa. Algo nessa situação toda o levava a acreditar que alguma “merda” ia acontecer. Nunca alguém tinha se ferido numa dessas missões e dessa vez os três já sofreram alguma coisa. E agora com a polícia na sua cola, o plano B tinha que entrar em curso. Era hora de pegar o vídeo, entregar ao gringo, pegar o dinheiro e cair fora dali. Sozinho.

...continua...

(^_^)v

By Hikari Ouji


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