Doce Fruto de um Passado Amargo escrita por XxLininhaxX


Capítulo 28
POV Camus/POV Hyoga


Notas iniciais do capítulo

Yooo pessoinhas ^^/
Tudo bem com vcs? Desculpa demora... qria postar dois caps de uma vez, mas non consigo me segurar!! Enton... lá vai mais um cap pra vcs!!
Esse cap é de transição, enton non vai ter mta ação!! Mas é importante, por isso tenham paciência, please XD!! O próximo já vem, prometo XD

Non se esqueçam de deixar comentários, sugestões e tudo mais XD!! Eu fico mto mto mto mto feliz quando vcs comentam, mandam reviews XD!! Isso me inspira a escrever mais e mais rápido XD!!
Agradeço mto quem tem sido presente nesses últimos caps, vcs são uns lindos XD!!
Espero que gostem desse ^^/
Boa leitura!

=**
^^v



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Eu acordei antes que o despertador tocasse. Olhei para o lado e vi que Hyoga e Milo ainda estavam dormindo. Hyoga virara para Milo durante a noite e os dois estavam abraçados. Sorri. Queria que fosse assim a partir de agora. Talvez fosse melhor que Hyoga dormisse conosco, pelo menos por enquanto. Se ele estava ali, eu podia garantir que dormiria. Deixá-lo no quarto sozinho não estava dando certo. Ele acordava no meio da noite e não dormia. Ficava chorando o tempo todo. Não sabia se isso ia melhorar a partir de então. A data da morte de Natássia passou, mas agora vinha esse desafio da doença da avó. Além disso, ainda tinha aquilo que Hyoga escondia de nós. Eu não sabia o quanto aquilo ainda o afetava. De acordo com a teoria de Milo, provavelmente era algo que ainda mexia com ele. Como não sabíamos o que era, não dava pra dizer até que ponto isso interferiria.

Não queria levantar, pois tinha medo de acordar Hyoga. Faltava pouco tempo pro despertador tocar, mas não queria que ele perdesse nem um minuto de sono. No dia que ele chegara, eu não sabia se ele tinha conseguido dormir. No dia seguinte ele não dormiu muito. E no dia anterior, mesmo que ele tenha dormido durante o dia, não sabia dizer que horas ele acordou e por quanto tempo ficou chorando sozinho. Pelas olheiras que ele tinha, parecia estar bem cansado. Não podia culpá-lo. Aconteceram tantas coisas ao mesmo tempo. Eu, sinceramente, não sei se conseguiria lidar com aquilo na idade de Hyoga. Quando eu tinha 14 anos, não tinha muitos problemas. Tive pai e mãe, embora não me desse muito bem com meu pai, mesmo ele não tendo sido muito presente em minha vida. Mas não tinha nenhum trauma envolvido. Ele sempre foi muito rígido e desnecessariamente agressivo. Eu não costumava dar motivos pra que ele me batesse, mas não me agradava o modo como ele tratava minha mãe. Volta e meia lembro-me de vê-la com hematomas no rosto, braços, pescoço. Quando eu era criança, não entendia muito bem. Comecei a desconfiar depois que fiquei mais velho. E então passei a defendê-la. Claro que isso me trouxe alguns problemas, mas foi por pouco tempo. Ele faleceu muito novo. Depois que ele partira, minha vida foi a mais normal possível. E eu não podia só reclamar do meu pai. Apesar dos pesares, ele nunca deixou que nos faltasse nada e, querendo ou não, sua rigidez me tornou um homem muito disciplinado e focado. Cheguei onde cheguei graças a sua criação. Claro que não me espelhava nele, mas aprendi com ele que a vida não me daria folga. Não foi o melhor pai, mas estava longe de ter sido o pior. Já minha mãe era praticamente um anjo. Graças a ela eu não virei um ser completamente frívolo. Claro que eu era contra violência, mas pela maneira que fui criado eu não deveria ser a pessoa mais emotiva do mundo. E embora eu mantivesse a postura, se eu tinha qualquer tipo de empatia, era graças a minha mãe. Melhorou muito, também, depois que conheci Natássia e mais ainda depois que me envolvi com Milo. E agora, com Hyoga, estava desenvolvendo um lado que sequer sabia que existia em mim. Perguntava-me se eu sempre quis ser pai e apenas fingia que não. Será que de algum modo eu senti falta de uma figura paterna mais presente e mais amável? Não sabia dizer e também não me importava mais. Eu não tinha medo de me tornar como meu pai, porque eu sabia que isso jamais aconteceria. Poderiam pensar que era arrogância, mas eu sabia que me tornara um homem muito melhor que ele, em todos os aspectos. E eu tinha Milo ao meu lado, que me manteria com os pés no chão. O questionamento correto é se o pai que eu era, seria suficiente para Hyoga?

O despertador tocou e eu logo desliguei. Vi Hyoga acordando lentamente. Logo que viu que estava abraçado com Milo, seu rosto ficou extremamente vermelho. Ele acabou se levantando bruscamente, acordando Milo. Tive que segurar para não rir.

— Bom dia! – falei, já me levantando. – Conseguiram dormir bem?

— Que nem uma pedra! – disse Milo, se espreguiçando. – Fiquei mais tranquilo com Hyoga aqui.

— Não se acostume com isso. – Hyoga falava com desinteresse, mas seu rosto continuava corado.

— Deixa de marra, garoto. – Milo agarrou Hyoga em um abraço e fez ele se deitar novamente. – Deixa eu ver se você sente cócegas.

— Não Mi...

Tarde demais. Milo começou uma sessão de cócegas em Hyoga, que descobrimos ser extremamente sensível a elas. Hyoga rolava de um lado pro outro, rindo muito e tentando se desvencilhar do ataque de Milo. Eu que não me envolveria naquilo. Fui procurar uma roupa no guarda roupas, enquanto a brincadeira continuava. Confesso que ouvir a risada do meu filho era como música para meus ouvidos. E ver aqueles dois se dando bem me deixava muito feliz.

— Já acabou a marra? – ouvi Milo falando e a risada do meu filho diminuindo a intensidade.

— Você me paga. – Hyoga falou, recuperando o fôlego e partindo pra cima de Milo.

— Hahaha... Pode tentar à vontade. Eu não sinto cócegas. – Milo falava deitado, com os braços atrás da cabeça, enquanto Hyoga tentava achar um ponto fraco nele.

— Não é possível! Todo mundo sente cócegas em algum lugar, pelo menos. – Hyoga tentava achar algum local mais sensível, mas Milo não mexia nem um músculo.

— Já cansou? – Milo sorria vitorioso. – Minha vez.

Hyoga nem teve tempo de protestar e já estava sendo atacado por uma chuva de cócegas novamente. Eu continuava apenas observando. Estava adorando aquilo. Eu sabia que precisávamos nos apressar, mas não vira meu filho rir daquele jeito nem uma vez sequer desde que chegara. Como eu queria que aquele sorriso não fosse embora. E eu sabia que Milo estava curtindo também. Há quanto tempo ele sonhava com aquilo? Nem eu saberia dizer com certeza.

— Ch... Che... hahahahahaha... Pa... hahahahahah… Para pai… hahahahahaha

De repente Milo parou com a brincadeira. Ele olhava para Hyoga, um tanto quanto descrente. Pela cara que ele estava fazendo, eu sabia que tinha ficado extremamente feliz com o fato de Hyoga tê-lo chamado de pai. Tão feliz que parecia anestesiado, como se estivesse no paraíso naquele momento. Sorri. Já Hyoga, assim que recuperou o fôlego e percebeu o que tinha dito, ficou extremamente vermelho.

— E-eu... eu vou me arrumar... c-com licença...

Quando dei por mim, Hyoga já tinha passado pela porta feito um foguete. Suspirei. Ele continuava relutando contra algo que naturalmente estava surgindo. Não sabia quanto tempo demoraria para que ele se acostumasse com aquilo. Só esperava que fosse rápido. Voltei-me para meu marido, que continuava sentado na cama, sorrindo feito bobo. Milo olhava para o nada, como se o tempo tivesse parado. Aquilo me deixava muito feliz também. Meu filho estava começando a reconhecer Milo como alguém mais importante do que apenas meu marido. E eu queria muito que os dois dessem certo. Caso contrário, Milo se sentiria excluído. E, não só por isso, Milo queria ter a experiência de ser pai. Ele realizaria seu sonho. E isso me deixava ainda mais feliz. Ser capaz de fazer com que a pessoa que eu mais amava pudesse realizar seu sonho e ser um dos responsáveis para que aquilo fosse possível; era simplesmente um sentimento inigualável. Fui até a cama e fiquei de frente para Milo. Levantei seu rosto, apenas para lhe dar um beijo. Queria compartilhar de sua felicidade. Queria poder comemorar aquilo, junto com ele. Foi um beijo suave, mas que demonstrou o quanto eu estava feliz por ele.

— Camye! Camye! Ele me chamou de pai! Você ouviu? Você também ouviu? Eu não estou ficando louco, né? – Milo sorria de orelha a orelha, me fazendo sorrir também.

— Eu ouvi, mon ange. Fico muito feliz por você! Por nós!

— Eu... – ele ainda parecia não acreditar. – Eu quero ouvir de novo! Eu preciso ouvir de novo! – ele se levantou, como que querendo sair do quarto. Eu segurei seu braço, suavemente.

— Mon ange, dê um tempo a ele. Não sei se percebeu, mas ele ficou meio consternado. Se você for lá agora, ele pode até ter uma reação ruim.

— Mas eu...

— Deixe que ele se acostume com a ideia. Já sabemos que ele não terá problemas em lhe ver como pai, mas ele parece ainda relutar em se aproximar. Se forçarmos muito, ele vai se fechar de novo. Vamos, aos poucos, criando aberturas. Antes que você perceba, ela já estará te chamando de pai naturalmente, como hoje. – Milo se aquietou um pouco, pensando sobre o que eu tinha dito.

— Você tem razão. Desculpe. É que eu esperei tanto por esse dia! Eu...

Vi os olhos de Milo ficarem marejados. Ele estava emocionado. Aquilo aquecia meu coração. Eu faria qualquer coisa para que Milo fosse o homem mais feliz do mundo. Embora eu resistisse à ideia de ter um filho antes, eu sabia que uma hora ou outra eu acabaria cedendo aos pedidos daquele grego. Se eu tivesse dimensão do desejo dele, talvez eu tivesse cedido antes. Mas tudo parecia se encaixar agora. Hyoga surgiu em nossas vidas e com certeza nos daria o sentimento de completude. Claro que eu gostaria de ter participado da vida de meu filho desde o seu nascimento. Nossa separação custou muito caro. Entretanto, o destino estava conectando as coisas novamente. A vida tirou de Hyoga a mãe, mas lhe daria dois pais. E faríamos de tudo para que isso fosse mais que suficiente para curar qualquer ferida passada. Ver que Milo desenvolvera tamanho sentimento por Hyoga me deixava imensamente satisfeito. E pensar que eu não teria problemas entre os dois. Tinha tudo para dar errado. Milo teria todo o direito de rejeitar Hyoga. Meu filho também poderia rejeitar Milo. Acreditava, até, que essa seria a reação mais normal. Mas Milo queria tanto ser pai, que fora capaz de passar por cima de todo meu passado e de Hyoga, e o aceitara de braços abertos. E Hyoga, mesmo não querendo dar o braço a torcer, demonstrava-se sensível ao ponto de criar um laço com Milo que fosse além da mera convivência. Isso só me dava mais forças para lutar contra qualquer barreira que se levantasse, qualquer dificuldade que surgisse, apenas para ver aqueles dois seres tão amados por mim, felizes.

Balancei a cabeça, tentando sair de meus devaneios. Por mais feliz que eu estivesse naquele momento, ainda tínhamos muito o que fazer.

— Mi, precisamos nos arrumar. Temos que levar a senhora Valéria para o hospital. Você prefere tomar banho primeiro? – perguntei.

— Pode ser. Vai ser bom pra colocar a cabeça no lugar. Ainda estou agitado!

— Tudo bem, vá então. Eu vou descer e fazer o café. Bom que vejo se a senhora Valéria já acordou.

Dei um beijo em Milo e saí do quarto.

 

POV Hyoga

Onde eu estava com a cabeça? Pai? Pai? Droga! Eu não podia ter dito isso! Eu não devia ter dito isso! Eu estava dando esperanças para ele. Eu estava alimentando seu sentimento. Eu não podia fazer isso! Era muito cruel! Era como dar doce para uma criança e depois tomar. Ele já tinha me dito que queria muito ser pai. E, claro, não era difícil vê-lo daquela forma. Ele fez tantas coisas por mim desde que cheguei. Ele me trata com um carinho que eu nem conseguia descrever. A maneira como ele olhava para mim, era nítido o sentimento que ele estava construindo. Ele me apresentava como seu filho e sua voz transparecia puro orgulho disso. Como se eu fosse o filho que ele sempre desejara ter. E o que eu ia dizer? Eu levantava as mãos para os céus para agradecer por meu pai não ter se casado com uma mulher. Eu não suportaria a ideia de ter uma madrasta. Chamar qualquer outra mulher de mãe estava fora de cogitação. Mas era outro pai. Por toda minha vida eu sonhara em ter um pai e agora eu poderia ter dois! E era impressionante como Milo cobria qualquer buraco que meu pai pudesse deixar. Ele me entendia bem até demais, ele era bastante sentimental, carinhoso, atencioso. Eu já tinha dito pra ele que não seria difícil vê-lo como pai. Mas isso não significava que eu poderia chamá-lo assim, por mais que eu quisesse, por mais natural que fosse soar. Eu já faria meu pai e minha avó sofrerem, não queria que Milo também sofresse. Eu não tinha esse direito! Eu não tinha o direito de desgraçar a vida de mais uma pessoa. Droga!

Sentei na cama, abraçando minhas pernas e me encostando de lado na parede. O que eu faria pra desfazer essa merda que tinha feito? Eu sabia que ele tinha escutado. Não poderia simplesmente apagar aquilo. Mesmo que eu pedisse para que ele esquecesse, eu sabia que ele não o faria. Talvez se eu brigasse com ele e, num rompante de raiva, soltasse algo como “você não é meu pai” pudesse resolver o problema. Mas isso o deixaria ainda mais magoado. Era justamente o que eu não queria. Será que eu devia mesmo esquecer todo meu passado e contar pros meus pais tudo? Será que eles me ajudariam? Será que me protegeriam? O que iriam pensar de mim? Será que iriam me julgar? Não é como se eu tivesse tido alguma escolha. O que eu poderia ter feito? Eu tinha dez anos quando aconteceu! Eu não pensava nas consequências de nada! Sequer pensava que alguém poderia me fazer algum mal. Mesmo assim, aquilo era sujo, podre. E quando finalmente me dei conta, já estava envolvido de um jeito que não tinha mais como escapar. Nem sabia se tinha algum jeito dos meus pais me ajudarem. Era perigoso. Ele era muito perigoso. Não! Não! Eu não podia contar nada! Preferia causar sofrimento, mas sem que alguém mais arriscasse a vida por mim. A questão era quanto sofrimento eu suportaria presenciar. Vida desgraçada! Por que raios eu tive que nascer? Qual era o sentido daquilo tudo? A minha existência era um caos! Eu estava cansado de sempre causar problemas. Minha mãe morreu por minha causa. Minha avó suportava dia após dia a fim de cumprir uma promessa de cuidar de mim. E agora meu pai estava assumindo esse problema e ainda envolvia Milo nessa. Quanto mais eu teria que presenciar? Eu sequer podia me matar, porque eu estaria jogando fora o sacrifício que todos fizeram por mim, principalmente minha mãe. Então eu só conseguia pensar em viver isolado, longe de todos que eu amava. Assim eles estariam a salvo da minha maldita existência.

Senti lágrimas descendo por minha face. Tudo que eu sabia fazer era chorar. Isso não ajudava em nada. Mas o que mais eu poderia fazer? Eu não tinha uma resposta. Precisava pensar em algo. Precisava de uma solução. Pensa. Pensa. Pensa.

Senti alguém segurando minha cabeça. Era meu pai. Ele me olhava preocupado. Eu estava batendo a cabeça na parede, tentando forçar meu cérebro a pensar. Aquilo foi automático. Só quando senti a mão de meu pai em minha têmpora é que percebi o que fazia.

— Hyoga, o que pensa que estava fazendo? Perdeu o juízo? – ele parecia mais apreensivo do que bravo. Não consegui responder nada. Lágrimas ainda saíam dos meus olhos e, agora, minha cabeça latejava de dor. Ele virou um pouco meu rosto, para ver se eu tinha me machucado. – Está vermelho, vai dar um hematoma.  – Ele suspirou pesadamente. – O que eu faço com você? Não está dando pra te deixar sozinho. Há pouco você estava sorrindo e agora já está aqui, chorando e se machucando. O que eu posso fazer pra te ajudar? Por favor, me diga! Eu farei qualquer coisa!

Ele parecia apavorado em sua fala. Era quase como se me implorasse. Eu queria poder dizer algo. Eu queria tirar aquele peso das minhas costas, mas eu não podia. Senti mais lágrimas vindo aos meus olhos. Estava difícil suportar. Abracei meu pai e chorei desesperadamente. Ele me abraçou de volta, bem forte. Sim, eu estava com medo. Com medo de tudo que ainda estava para acontecer. Eu queria gritar, eu queria me machucar, eu queria que tivesse uma forma de acabar com aquilo. Sentia minha garganta seca, sedenta por contar toda a verdade. Se eu fosse um pouco mais egoísta. Se eu conseguisse pensar um pouco mais em mim. Mas como? Eu era digno de qualquer ajuda? Depois de todo mal que causei? Eu merecia mesmo qualquer vestígio de felicidade?

— Hyoga. – meu pai me afastou um pouco dele, para conversar comigo. – O que te faz chorar dessa forma? Tem alguma coisa errada? Tem algo de incomodando? Está com medo de alguma coisa? Eu quero entender, meu filho. Esse choro não é só por sua avó. Tem mais alguma coisa aí. É sobre a pessoa de quem Milo suspeita?

Merda! Milo comentou aquilo com meu pai! Por que? Pra que? Eu já devia imaginar! Eles eram casados! Claro que iam compartilhar as coisas! Droga! Se aquela suspeita ficasse mais forte, eles poderiam descobrir! Eu precisava me acalmar. Eu precisava recuperar minhas forças. Limpei minhas lágrimas e suspirei pesadamente, tentando recuperar as energias.

— Que pessoa? Não tem nenhuma pessoa. – eu tentei ser o mais convincente possível.

— Você mente muito mal, meu filho.

Fiquei calado. Se esse era o caso, eu não falaria nada. Eu não tinha que responder. Meu pai não me obrigaria a dizer nada. Mesmo que ele quisesse, como ele faria isso? Duvidava que ele pudesse fazer algo a me fazer falar alguma coisa.

— Eu sei que não quer falar. Sinceramente, ainda não sei como lidar com isso. Por enquanto, estou te dando um tempo até que se acostume com sua nova realidade. Mas a situação está começando a me incomodar. Se eu achar que, de alguma forma, isso é um problema real na sua vida, eu vou descobrir, com ou sem a sua ajuda. Espero que você pense muito bem a respeito. Entenda, eu não vou permitir que nada nem ninguém te tire de mim! Eu já perdi muito mais do que eu gostaria, não perderei mais nada!

Seus olhos estavam determinados. Eu estava em um beco sem saídas? Era isso? Eu teria que ceder? Eu teria que contar? Mas eu não queria. Eu não podia. Eu seria o responsável por destruir toda a vida que meu pai construíra até ali. Eu seria o culpado por acabar com a carreira e sucesso que Milo lutara na vida para conquistar. Eu conseguiria conviver com isso? Eu sentia que faltava apenas uma gota pro meu copo transbordar. Mais um pouco e eu seguiria o exemplo de minha mãe; daria minha vida para proteger quem eu amava. Talvez, no fim das contas, fosse a melhor solução. Eu não queria conceber isso porque eu acreditava que seria desperdiçar o sacrifício de minha mãe. Mas e se eu lidasse com aquele sacrifício como um exemplo a ser seguido? Talvez não fosse tão errado assim. De qualquer forma, não queria ficar pensando nessa possibilidade. Isso seria péssimo. Eu tinha que ser forte. Eu tinha que ser forte.

Vi meu pai se levantar e o segui com o olhar.

— Vem, vamos tomar o café da manhã. Temos que nos apressar para levar sua avó ao hospital.

Assenti com a cabeça e me levantei, limpando minhas lágrimas. Não era hora de me desesperar daquela forma. Ainda tinha tanta coisa pra enfrentar. Minha avó precisava de mim naquele momento. Se eu ficasse me desesperando daquela forma, ela ficaria preocupada. Eu precisava garantir que ela ficaria bem antes de ir embora. Acho que depois da cirurgia eu conseguiria partir. Eu tinha que ser otimista e acreditar que o tumor era benigno. Por mais que eu soubesse que coisas boas raramente aconteciam ao meu redor, eu precisava acreditar nisso. Caso contrário, o que eu faria? Eu não poderia ficar muito mais tempo ali. Mesmo sabendo que meu pai cuidaria dela, eu me arrependeria amargamente de deixá-la sozinha numa situação daquelas. Ao mesmo tempo, não sabia qual seria minha reação ao ver mais uma pessoa amada definhando na minha frente, sem ser capaz de fazer qualquer coisa para ajudar. Seria egoísmo não querer presenciar isso? Mesmo que minha justificativa para não estar presente fosse para o próprio bem dela? Eu não tinha uma resposta, como sempre.

Desci com meu pai para a cozinha. Ele não falou mais nada. Talvez quisesse me deixar pensando sobre o que dissera. De qualquer forma, não demorei muito ali. Estava sem fome, então só tomei um chá, comi uns biscoitinhos e subi para me arrumar. Não quis esperar minha avó e Milo. Precisava me acalmar ou os deixaria preocupados. Tentei me arrumar o mais devagar possível, para não ter que descer e ter muito contato com todos. Quando estava vestindo minha camisa, lembrei de algo. Levantei o colchão procurando por algo. Estranho, não estava ali. Tinha certeza que tinha colocado embaixo do colchão. Abaixei o colchão e resolvi olhar no chão. Talvez tivesse caído. Nada. Não é possível que alguém tivesse pegado. Não. Aquilo era muito valioso! Comecei a tatear o colchão desesperadamente. Eu precisava achar. Levantei o travesseiro e suspirei. Peguei o meu crucifixo e o apertei em minhas mãos, dando um beijo nele. Era impressionante o poder que aquilo tinha de me acalmar. Sim, minha mãe quem me deu. Não, ela não me deu a lâmina, foi outra pessoa que adaptou pra mim. Aquilo era minha última esperança. Meu último recurso. Minha última tentativa. Meu tesouro mais precioso. Eu até andaria com aquilo no pescoço, mas eles perceberiam e iam querer ver. Se eles descobrissem, provavelmente tomariam de mim. E isso eu não permitiria de forma alguma.

Coloquei novamente embaixo do travesseiro. Já tinha demorado tempo suficiente. Se eu demorasse muito mais, eles viriam me chamar. Se eu continuasse chorando daquele jeito, meu pai não me deixaria ficar sozinho mais. Eu tinha que me controlar. Eu não costumava ser assim. Será que encontrar meu pai tinha me desestabilizado tanto assim? Ok, ainda estava perto da data da morte de minha mãe. Mas eu tinha chorado bem mais naquele ano do que nos passados. Talvez porque eu estava acostumado com o sofrimento, mas não era muito acostumado a receber tanta atenção, carinho e cuidado. Naquela época eu costumava chorar apenas quando estava sozinho, pois tentava ser forte pela minha avó. Mas com meu pai e Milo ali, eu chorei quase que o tempo inteiro. Eles me faziam sentir como se não precisasse ser forte o tempo inteiro. Eles cuidavam de tudo que antes era responsabilidade minha. Nada de preocupação com o que comer no dia seguinte, arrumar a casa, fazer compras, pagar contas, pagar remédio, levar minha avó ao médico; nada disso. Isso me deixava com tempo livre o suficiente para perceber o quão miserável eu era, quanto mal eu causava. E tudo aquilo que eu ignorei por anos, vinha à tona como uma cascata de pensamentos auto-destrutivos. E eu simplesmente não conseguia desligar aquela voz interior. Era angustiante. Era sufocante. Era doloroso. Então eu tinha que encontrar forças novamente para não pensar em nada daquilo. Precisava manter o foco em alguma coisa.

Desci as escadas. Milo e minha avó já tinham tomado o café. Meu pai terminava de guardar as coisas. Já devíamos estar de saída. Cumprimentei minha avó e tentei evitar o olhar de Milo em mim. Eu não conseguiria encará-lo novamente. Eu tinha vergonha! Eu tinha medo! Eu tinha pena! Era muito sentimento que eu não podia deixar transparecer. Não pra Milo. Ele desconfiaria de cada um deles. Tentaria agir como se nada tivesse acontecido. Talvez isso ajudasse de alguma forma. De qualquer forma, não demorou muito para que meu pai chamasse-nos para sair.

Continua...


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