Doce Fruto de um Passado Amargo escrita por XxLininhaxX


Capítulo 27
POV Milo/POV Camus


Notas iniciais do capítulo

Oi lindezas da minha vida!!
Tudo bem com vcs? Espero que sim!!
Vim postar mais um cap pra vcs XD
Sou mto mto mto grata a todos q estão comentando!! Isso me deixa ainda mais empolgada para escrever!! Se vcs gostam dessa fic, podem escrever o q acham q vai acontecer, deixar sugestões do q pode melhorar, ou só mandar um oi msm!! Já fico feliz!!
Bom, segue a continuação!! Estou tentando manter uma rotina de escrita, pra não correr o risco de travar de novo!! Estou tentando atualizar o máximo possível!! E não se preocupem, pq não vou abandonar essa fic, ok?

Boa leitura ^^v



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Eu acordei no meio da noite. Suspirei pesado. A pequena discussão com Hyoga tinha mexido comigo. Fiquei me perguntando se eu realmente queria ajudar ou só queria provar que estava certo sobre minha teoria. Não fazia muito meu estilo ficar fazendo as coisas só pra provar meu ponto. Sim, eu era orgulhoso, mas não nesse nível. Mas o que eu podia fazer para Hyoga entender isso? No estado em que ele se encontrava, seria difícil fazê-lo acreditar que eu me importava com ele de verdade. Ele, claramente, estava tentando nos afastar. Eu sabia que tinha relação com o que ele estava escondendo de nós. E por isso eu ficava insistindo naquilo. Eu queria que ele colocasse o sofrimento para fora, desse uma abertura, confiasse que nós iríamos ajudá-lo no que fosse preciso. Não estava interessado no que ele estava escondendo e sim no sofrimento que aquilo estava causando. Ele parecia sentir medo de alguma coisa. Ele parecia acreditar que estava sozinho ou que ficaria sozinho. Por que? Por que ele pensava que, justo agora que encontrara seu pai, ele ficaria sozinho de novo? Será que ele planejava fugir? Então por que veio pra cá? Não fazia nenhum sentido! E me frustava saber que Hyoga escondia algo assim. Porque eu queria ajudar! Eu queria que aquele garoto fosse feliz. Caramba! Eu bem sabia como era ruim não ter muita esperança no futuro. O quanto era horrível ter que viver um dia após o outro, apenas esperando não ter que acordar no dia seguinte. Passei parte da infância e juventude desprezando a vida. Eu fiz coisas que me arrependia profundamente, apenas para sobreviver. E se alguém não tivesse me estendido a mão, sabe-se lá o que poderia ter acontecido comigo. Teria me matado? Teria sido morto? Estaria preso? Teria virado um bandido? Tinha tantas possibilidades e nenhuma era boa. Talvez, por isso, ver Hyoga recusando a nossa mão estendida me deixava tão frustrado. Que futuro esperava aquele jovem se ele não se permitisse ser ajudado? Eu não queria ver nele, o que poderia ter acontecido comigo. Eu não permitiria que ele passasse por aquilo que eu lutei para não passar. Não era por mim! Não era para provar meu ponto! Eu simplesmente não queria sequer pensar em arriscar a vida dele daquela forma! E se houve alguém nesse mundo que se importou comigo, seria muito desrespeitoso não fazer o mesmo por alguém que se encontrava na mesma situação que eu, no passado.

Olhei para o lado. Vi que Camus dormia, mas não tinha uma expressão muito tranquila no rosto. Eu sabia que ele também estava preocupado. Eu só não sabia se ele tinha noção da gravidade da situação. De fato, eu sabia que a vida de Camus não tinha sido um mar de rosas, mas ele passava longe de ter sofrido como eu ou Hyoga. Ele não teve uma boa relação com o pai, mas sempre teve uma casa. Teve a mãe ao lado dele, que fazia praticamente tudo por ele. Talvez por isso ele tenha esse lado protetor tão forte em si. Ele fez o que pôde para proteger a mãe. Eu sequer podia imaginar o que tinha passado na mente dele ao descobrir que não pôde proteger a pessoa que ele amou tanto, que fora Natássia. Não tínhamos conversado sobre tudo aquilo ainda. Também pudera. Desde que Hyoga e a senhora Valéria chegaram, foi uma coisa atrás da outra. Não tínhamos tido tempo nem de respirar. Mas eu me perguntava como aquilo tinha repercutido na cabeça dele. Descobrir, depois de tantos anos, que a mulher que ele achava que tinha traído sua confiança, na verdade fez tudo para protegê-lo e proteger o filho deles. Pelo que conhecia de Camus, ele provavelmente não ficaria remoendo nada. Camus nunca fora do tipo de ficar se lamentando pelo passado. Se ele o fez alguma vez na vida foi por realmente ter sofrido muito, o que não foi muitas vezes. Mas eu acreditava que saber o real motivo do que aconteceu, fez com que ele tirasse aquela carga negativa que envolvia o nome de Natássia. E o que antes trazia angústia e raiva, hoje trazia nostalgia e certa tristeza. E era por ter essa visão que eu tinha medo no que isso afetaria nossa relação. Talvez, por isso, eu me sentia tão frustrado com Hyoga, também. Eu queria que ele criasse um laço comigo, para que eu não ficasse sobrando ali. Eu queria me tornar alguém tão importante quanto Camus, assim não me sentiria um estranho no meio da história dos dois. E, obviamente, se eu não superasse essa barreira, não realizaria o sonho de ser pai. Não queria que Hyoga me visse como o marido do pai dele. Eu queria que ele me visse como seu pai também. Podia parecer capricho meu, mas eu precisaria correr atrás do prejuízo. Hyoga naturalmente veria Camus como pai. Mas eu precisaria trabalhar o dobro para que ele me visse da mesma maneira.

Sentei na cama e esfreguei o rosto de leve. Estava inquieto demais para fica na cama. Senti Camus colocar a mão em minhas costas. Droga, ele tinha o sono muito leve. Não queria que ele tivesse acordado.

— Tudo bem, mon ange? – ele me perguntou, ainda meio sonolento.

— Tudo bem, meu amor. Só estou sem sono. – minha fala fez com que ele se sentasse na cama, esfregando os olhos.

— Você sem sono? Não parece sinal de que esteja bem. – ele falou, erguendo a sobrancelha em dúvida.

— Estou preocupado com Hyoga, Camye.

— A discussão te afetou tanto assim? O que ele te disse exatamente?

— Não foi a discussão em si. Mas o fato de que ele continua relutando em se aproximar de nós. Ele não quer criar um laço conosco. Isso ele deixou claro desde o primeiro dia. Acho que ele pensava que se fosse rebelde, nos afastaria dele. Mas como não o fizemos, ele meio que deixou isso de lado. Por outro lado, não é como se ele tenha se aberto para nós. E eu tenho quase certeza que essa resistência é por conta do que ele tem escondido de nós. – Camus suspirou ao me ouvir falando aquilo.

— Olha, mon ange, eu não queria te perguntar sobre isso, porque queria tentar entender Hyoga por mim mesmo. Mas, vendo você falando essas coisas, acho besteira pensar assim. Afinal, criaremos ele juntos, então não tem porque não contar com você. Principalmente por essas questões serem mais naturais pra você do que pra mim. – ele suspirou novamente, antes de continuar. – O que você acha que ele está escondendo de nós? Sei que você tem alguma teoria. – foi minha vez de suspirar, não seria fácil falar aquilo com Camus.

— Eu tenho apenas suspeitas, não posso afirmar nada. Mas acho que, em algum momento, Hyoga conheceu alguém que lhe fez algum mal. E, de algum modo, essa pessoa ainda o amedronta.

— Por que diz isso?

— Bem, você sabe que eu já fui fumante. E justamente por já ter passado pela experiência, sei que é muito difícil uma pessoa começar esse hábito por conta própria. Sempre tem uma pessoa perto que fuma ou alguém que lhe oferece uma primeira vez. Se Hyoga tem esse hábito, levando em consideração a pouca idade, significa que ele pegou de alguém. Com certeza não foi da avó, que além de não ter a menor condição de fumar, não sabia que ele fumava. Então, Hyoga pegou de quem esse hábito?

— Faz sentido.

— Provavelmente é alguém mais velho também, pois Hyoga não conseguiria comprar cigarros por ser menor de idade. Não sei como são essas coisas na Rússia, mas acredito que deva ter um mínimo de idade para comprar cigarro. Até aí pode ser tanto um homem como uma mulher. Mas estou apostando em um homem, já que a senhora Valéria falou que Hyoga é homossexual. Quando foi que ele se deu conta disso? Até então só sabemos que ele teve contato com a mãe e a avó. Então como ele se descobriu dessa forma? Sendo tão jovem, como é possível ele se aceitar de forma tão natural como parece? Ainda mais se pensarmos que a Rússia aparenta ser um país conservador. Tudo indica que tem mais alguém nessa história.

— Ok! Tudo indica isso mesmo. Mas por que acha que essa pessoa fez mal a Hyoga?

— Pelas reações que ele teve quando perguntei sobre essa possível pessoa. Eu falei pra ele que eu estava com essa suspeita e ele simplesmente começou a chorar. Os olhos dele perderam o brilho de um jeito absurdo e ele ficou pálido. E toda vez que pergunto algo que possa indicar a existência dessa pessoa, ele desvia do assunto, mente. Eu acho até que ele está ficando desesperado, com medo de que eu descubra algo. – Camus pareceu ponderar minhas palavras por um momento.

— E que tipo de mal você acha que essa pessoa cometeu?

— Não sei. Aí a lista é enorme. Desde trabalho escravo a abuso sexual. A senhora Valéria disse que Hyoga ia à cidade fazer compras e demorava mais do que devia. Provavelmente ele se encontrava com essa pessoa. O que acontecia nesses encontros é que é a questão.

— A senhora Valéria me disse que Hyoga começou a mudar de comportamento de uns quatro anos pra cá. Então... – ele não quis terminar a frase.

— Seja lá o que Hyoga tiver sofrido nas mãos dessa pessoa, já tem uns quatro anos. Isso torna ainda mais difícil saber o que pode ter sido. Num período tão longo como esse, pode ser mais de uma coisa. Tráfico, roubo, abuso sexual, trabalho escravo; pode ter acontecido tudo isso.

Camus passou a mão nos cabelos, bastante nervoso. Aquela não era uma teoria muito boa. O que quer que tenha acontecido, não parecia nada bom. E mais um trauma daquele nível na vida de um jovem que conhecera o sofrimento tão cedo, seria catastrófico. Fiquei me perguntando se devia mesmo ter contado algo a Camus. Não sabia exatamente como ele reagiria a isso. Será que permaneceria com a ideia de não forçar Hyoga a dizer algo? Ou será que ficaria abalado ao ponto de exigir respostas? De alguma forma, agora ele entendia minha preocupação.

— O que faremos? – ele quebrou o silêncio. – Milo, eu não sei lidar com isso. Não sei o que fazer nem como fazer. Sinceramente, se eu tivesse suspeitado dessas coisas antes, não sei se teria sido tão compassivo. Mas também não sei se forçá-lo a falar algo é a melhor saída. Se for um trauma nesse nível, força-lo a dizer não seria cruel? Eu quero protegê-lo, Milo! Mas de que forma? – ele transparecia um pouco de desespero em sua fala, o que ela novo pra mim, vindo de Camus.

— Também não sei, meu amor. Você sabe que eu não tive exatamente uma figura paterna. Eu sou uma pessoa muito intuitiva, mas a situação parece a mais delicada que eu já enfrentei. E, olha, que eu enfrentei muita coisa na vida. Além do que, não conhecemos muita coisa sobre Hyoga. Não sei até que ponto ele aguenta. Não sei até que ponto poderemos ir sem que ele se afaste mais de nós. Acredite, Camus, eu quero que isso dê certo tanto quanto você.

Ficou silêncio novamente.

— Camus, você sabe muito bem que, se eu quiser descobrir, eu consigo. Mas você acha que seria bom? Saber de tudo por outra pessoa que não seja o próprio Hyoga? Será que ele vai confiar em nós se agirmos pelas costas dele? – ponderei.

— Não acho que esse seja o caminho.

— Podemos conversar com Shaka e Mu. Ikki também teve um passado traumático. Talvez eles nos ajudem a ver qual a melhor forma de lidar com a situação.

— Talvez.

Vi Camus se levantando da cama.

— Aonde vai? – perguntei.

— Vou ver se Hyoga está dormindo. Ele dormiu durante o dia inteiro, praticamente. Se estiver acordado, provavelmente está chorando.

Verdade. Se Hyoga estivesse acordado, com certeza estava chorando sozinho na cama. Aquilo estava se tornando mais comum do que gostaríamos. E pelo visto continuaria acontecendo, pelo menos até que a situação da senhora Valéria tenha se estabilizado de alguma forma. Suspirei e segui meu marido. Saímos do quarto e fomos em direção ao quarto de Hyoga. A porta estava aberta. Quando olhamos, não o encontramos na cama e nem dentro do quarto. Estranho. Saímos do quarto e descemos as escadas, procurando pelo jovem. Qual não foi nossa surpresa ao vê-lo sentado no sofá, perto do abajur ligado. Ele estava com as pernas dobradas, abraçando-as contra o peito. Seu rosto estava inclinado sobre os joelhos. Afinal, o que ele estava fazendo ali? Nos aproximamos e vimos que ele estava chorando. Confirmar que estávamos certo não era nada agradável. Sentei ao seu lado e Camus ficou em pé, na frente do jovem. Não falei nada, apenas o abracei. Como eu queria tirar aquela tristeza daquele garoto. A preocupação que tinha com ele parecia surreal. Mas como não? Ele era muito parecido com Camus e eu me identificava muito com ele também. Era como se fosse nosso filho mesmo. Será que eu já poderia dizer que o amava? Era difícil mensurar, na verdade. Eu apenas sentia que queria fazer de tudo para que ele fosse feliz. Era um sentimento de pai! Era algo diferente de tudo que já havia sentido. Será que era isso que chamavam de amor fraternal? Eu esperava que sim! O quanto antes eu pudesse dizer para ele que o amava, melhor seria.

— Meu pequeno, não sei como seus olhos conseguem derramar tantas lágrimas. – eu falei, afagando seus cabelos.

Ele levantou a cabeça para mim. Seus olhos estavam tão vermelhos. Eu não sabia se ele chorava pela descoberta da doença da avó ou se ainda eram resquícios da morte da mãe. Qualquer um dos dois era difícil para ele encarar. Ele claramente precisava de ajuda. Era tão jovem. Como ele podia pensar que podia carregar tanto peso sozinho? Por que ele queria acreditar que conseguiria carregar tudo aquilo sem ajuda?

— Hyoga, meu filho. – Camus abaixou, para ficar na altura dos olhos de Hyoga. – O que podemos fazer por você? Conseguiu descansar durante o dia, pelo menos?

— Um pouco. – Hyoga respondeu bem baixo, sua voz estava rouca.

— Tem algo que queira? Não está com fome? Você só almoçou.

— Posso fazer uma sopa! – falei, já me levantando.

— Não estou com fome. – Hyoga disse, ainda desanimado.

— Mas precisa comer. Vou lá fazer a sopa e já volto.

Saí da sala e me direcionei à cozinha. Achei melhor que Camus ficasse com Hyoga naquele momento. Acreditava que já tinha forçado muito naquele dia. Talvez Camus conseguisse alguma coisa.

 

POV Camus

 

Assim que Milo saiu da sala, sentei-me ao lado de meu filho. Eu sabia que o encontraria chorando. Cada vez que o via naquele estado, sentia meu coração diminuir um pouco. Eu não sabia mais o que fazer. Não sabia como ajudá-lo. Sequer sabia se minha presença fazia alguma diferença. Eu nunca fiz o tipo inseguro, mas Hyoga estava conseguindo me deixar mais instável do que jamais sonhei em toda minha vida. Nunca tive tantas incertezas e inseguranças como as que estava tendo com Hyoga. Até mesmo das questões que sempre foram certezas na minha vida, eu estava começando a duvidar. Talvez porque eu não queria errar de jeito nenhum. Eu nunca tive medo de errar, pois considerava meus erros como oportunidades de aprendizado e crescimento. Mas com Hyoga era diferente. Sentia que se eu errasse, ele poderia se quebrar e não teria mais volta. Como se ele fosse frágil demais. Além do que, era difícil prever como ele reagiria a qualquer ação que eu fizesse. Eu já não era muito bom em entender e decifrar sentimentos, com Hyoga parecia impossível. E o fato d’ele esconder algo de mim, não ajudava em absolutamente nada. Como lidar com algo cujos fatos não eram conhecidos em sua totalidade? Eu não era do tipo que arriscava. Eu sempre fui muito pé no chão, gostava de fatos, dados, coisas sólidas. E com meu filho parecia que era tudo na base do abstrato, intuição e “achismo”. Milo era muito melhor nisso do que eu. E enquanto eu não me acostumasse com aquela situação, eu apenas tentaria ser o mais sincero possível. Para que Hyoga entendesse que ele poderia confiar em mim. Se ele fosse parecido comigo nesse sentido, eu precisava mostrar que em mim ele encontraria algo sólido.

Fui tirado de meu devaneio quando senti Hyoga tocando em meu braço. Olhei para ele e vi que ele estava tremendo um pouco. Seu olhar parecia ponderar sobre algo.

— O que você me disse é verdade? – ele me perguntou, sem olhar para mim.

— O que eu disse? – perguntei e ele virou-se para mim, olhando dentro dos meus olhos.

— Que me ama.

Senti meu coração falhar por um momento. Aquilo era um teste? O que ele pensava que eu ia responder? Que menti? Não entendi o motivo da pergunta, mas sabia que precisava ser firme naquele momento. Para que não restasse qualquer sombra de dúvida. Segurei o rosto dele com as duas mãos e olhei bem dentro daqueles dois diamantes brilhantes.

— Claro que é verdade. Repito: eu amo você, meu filho. – tentei transparecer toda a verdade que aquelas palavras significavam para mim. Vi que os olhos dele marejaram na hora.

— Independente de qualquer coisa? – ele insistia.

— Sim, independente de qualquer coisa.

— E se eu fizer algo errado? Se cometer um crime? Mesmo assim, você continuaria me amando?

Ergui uma sobrancelha, tentando entender aonde ele queria chegar com aquele questionamento. Mas não iria questioná-lo. Vi em seus olhos que ele esperava que eu respondesse. Ele realmente queria ouvir a resposta.

— Mesmo assim, eu continuaria te amando. Poderia ficar decepcionado, mas isso não diminuiria em nada o meu amor por você.

Ele abaixou a cabeça. Parecia querer confirmar algo do qual duvidava. O que será que se passava naquela cabecinha? Eu queria tanto entender!

— Se eu não estivesse mais aqui, você ainda cuidaria da minha avó?

Aquela pergunta me deixou surpreso. Não tinha relação com as outras. O que ele queria dizer com “não estivesse mais aqui”? Ele estava apenas supondo? Com que propósito? Se não era uma suposição, ele planejava fugir ou algo assim? Eu não entendia. Mas precisava dar uma resposta. E tinha que ser uma boa resposta.

— Sim, eu cuidaria. Eu devo muito a sua avó. Ela cuidou de você durante muitos anos, mesmo sem ter essa obrigação. Não seria justo não retribuir, mesmo que eu jamais consiga retribuir à altura. – de alguma forma, senti que ele ficou aliviado com aquela resposta. – Mas você não vai a lugar algum. Da mesma forma que vou cuidar da sua avó, vou cuidar de você também. Não permitirei que fique longe de mim novamente.

Ele voltou a ficar em silêncio. Ele parecia pensar sobre algo. Eu esperava que aquelas respostas fossem o suficiente para que ele entendesse que, por mais que ele tentasse não se aproximar, eu não o abandonaria de forma alguma. Queria que ele entendesse que eu era seu pai e que isso significava que eu o protegeria de qualquer coisa e qualquer um. Que eu faria de tudo para que ele pudesse ter uma vida feliz. Que ele pudesse realizar os sonhos que tinha.

Ele voltou-se para mim novamente.

— Pai, eu...

— A sopa está pronta. – Milo entrou na sala, interrompendo Hyoga.

Olhei desanimado para Milo, que entendeu na hora e me pediu desculpa com o olhar. A culpa não era dele, obviamente. Mas eu senti que Hyoga ia me contar algo. E logo que Milo entrou, ele se fechou novamente. De qualquer forma, fiquei mais esperançoso. Se ele pretendia me dizer algo, talvez estivesse confiando mais em mim. Isso me dava forças para continuar seguindo com o que eu achava melhor, que era dar o espaço necessário para que ele percebesse que podia confiar em mim.

Milo entregou o prato de sopa para Hyoga e sentou-se ao lado dele. Hyoga suspirou antes de começar a comer. Milo e eu nos entreolhamos. Provavelmente pensamos na mesma coisa; como fazer com que Hyoga voltasse a descansar. Ele já tinha passado por muito estresse e mesmo que tenha dormido à tarde, precisava descansar mais. Afinal, em algumas horas, levaríamos a senhora Valéria para ser internada. E, com certeza, seria mais uma fase conturbada na vida de Hyoga. Ele precisaria de forças para passar por mais essa etapa. E por mais que estivéssemos com ele, enquanto ele não confiasse em nós e se abrisse, não poderíamos ajudá-lo da melhor maneira.

— Se você quiser mais sopa, tem na cozinha. Posso pegar pra você. – disse Milo, quebrando o silêncio.

— Obrigado, mas não precisa. – Hyoga respondeu, ainda com a voz um pouco embargada.

— Depois que terminar, você precisa voltar pra cama. Temos um longo dia pela frente, você precisa descansar. – falei.

— Não vou conseguir dormir. – Hyoga respondeu.

— E se você dormisse com a gente? – Milo falou aquilo com os olhos brilhando. Acabei dando uma risadinha abafada.

— Que? – Hyoga arregalou os olhos, me fazendo rir ainda mais.

— Qual o problema? Não é normal filhos dormirem com os pais? – Milo estava falando sério.

— Crianças de cinco anos pra baixo, quem sabe. – Hyoga falava com humor, agora. Ele não parecia levar Milo a sério.

— Se você tem idade pra levar umas palmadas do seu pai, também tem pra dormir com a gente. – Eu acabei rindo alto daquela fala, que deixou meu filho bem vermelho, por sinal. – O que você acha, Camye?

— Desde que não se torne um hábito, não vejo por que não. – declarei.

— Que? Não! Por que está concordando com isso? – Hyoga olhou pra mim, como se sentisse traído. Tive que segurar pra não rir de novo.

— Então está decidido. – Milo disse se levantando. – Você dorme com a gente hoje.

— Eu não concordei com isso. – Hyoga estava ficando roxo de vergonha.

— Vocês decidam isso. – Peguei o prato da mão de Hyoga. – Vou lavar isso e já vou subir.

Assim que tirei o prato das mãos de meu filho, vi meu marido puxando Hyoga escada acima, sob os protestos do mesmo. Fiquei rindo da situação. Só Milo mesmo pra me fazer rir no meio daquele mar de preocupação. Não saberia dizer se conseguiria criar Hyoga sem Milo ao meu lado. Ele deixava tudo mais leve, mais fácil. Estar com ele era tão certo para mim. Por mais que eu tenha amado Natássia, não conseguia me ver com qualquer pessoa que não fosse o Milo. E eu sabia que precisava deixar isso claro pra ele. Ainda não tínhamos tocado no assunto, mas eu sabia o quanto aquela situação podia deixá-lo inseguro. Milo tinha essa coisa de achar que eu era demais pra ele. Isso fazia com que ele fosse extremamente ciumento. E o fato de que eu não era muito bom em expressar sentimentos, deixava-o ainda mais inseguro. Por isso não ficaria entre ele e Hyoga. Meu filho tinha que entender que Milo também seria seu pai. E quanto mais Milo conseguisse estreitar esse laço, menos insegurança ele teria. Eu sabia o quanto Milo queria ser pai. Talvez essa não fosse a maneira que ele esperava que acontecesse, mas eu tinha certeza que ele ficara muito feliz de finalmente ter alguém que ele pudesse chamar de filho. E eu via o quanto ele estava se esforçando para ser visto como pai. Aquele sentimento era bem genuíno. E eu ficava extremamente feliz, pois também seria complicado se ele rejeitasse meu filho. Eu tinha ciência que muitos parceiros não engoliriam essa situação. E vê-lo tão dedicado daquela forma, independente de qualquer coisa, me fazia perceber o quanto ele era especial e a sorte que eu tinha de ter encontrado alguém como ele.

Parei com meus devaneios e terminei de lavar o prato e as outras vasilhas que estavam sujas. Guardei o restante da sopa e logo me dirigi ao meu quarto. Subi as escadas e sorri ao ver que Hyoga não estava no quarto dele. Era difícil dizer não para Milo, isso eu sabia bem. Continuei seguindo para meu quarto e vi que os dois já estavam deitados. Tive que segurar o riso novamente, pois Milo empurrou Hyoga pro meio. Dava pra ver que Hyoga estava muito sem graça. Milo sorria de orelha a orelha. Deitei na cama e senti que meu filho estava muito tenso. Puxei ele em um meio abraço e dei um beijo em sua testa. Ele pareceu ficar mais tranquilo. Milo logo veio passando o braço por cima de Hyoga, como que abraçando ele e eu ao mesmo tempo. Não demorou muito até que ele dormisse. Ele estava todo preocupado com Hyoga antes, mas só de ter ele ali já era suficiente para que Milo se acalmasse e conseguisse dormir. Já Hyoga continuava bem acordado.

— Está desconfortável? – perguntei baixinho, pra não acordar o Milo.

— Não. Só não estou acostumado com esse tipo de coisa. – meu filho também respondeu baixo.

— Acho bom se acostumar. Isso é bem a cara do Milo. – falei sorrindo.

— Não sei como lidar com isso.

— Apenas não o rejeite. Com o tempo você vai aprender.

Hyoga não disse mais nada. Vi que ele fechou os olhos e logo adormeceu. Achei melhor fazer o mesmo. O dia seria longo.

Continua...


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