Menina Veneno escrita por DreamsOfASummerNight


Capítulo 14
Capítulo 13




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Se existe uma coisa na qual eu sou boa - bem, além de inúmeras outras, mas não estamos aqui para falar dos meus predicados - é superar assuntos desagradáveis.

A polícia apareceu, como era de se esperar, fez algumas perguntas a Robin e a mim, e ficou com o meu número de telefone, caso as buscas dessem resultados. Robin sentia muitas dores e era um pé no saco como paciente, se recusando a tomar medicamentos ou qualquer uma de minhas fórmulas.

–Não vai ajudar. A dor não vai passar. - Pelo olhar vazio, suspeitei que não se referia a dor física, mas a que consumia sua alma. Ele se sentia culpado pela morte da menina, e nada do que eu dissesse o convenceria do contrário.

Paralelo a isso, meu jantar com David estampou a maioria das capas de revistas de fofoca. A vida dele foi devassada, e do nada a banda os Charmings tinha duas músicas entre as mais tocadas do país. Do dia pra noite, David Nolan se transformou no Príncipe do Rock.

Tinker me ajudou a abafar o desaparecimento de Mary, mas uma semana depois, quando as autoridades deram o caso por encerrado e a garota foi declarada morta, me vi obrigada a fazer o anúncio numa coletiva de imprensa - com um Valentino preto sóbrio e enormes óculos escuros na cara - sobre a morte dela. No entanto, Mary Margaret não era uma pauta tão fascinante assim e, devido ao forte temporal que atingiu o Estado do Arkansas o assunto logo foi esquecido.

Mas não por todos.

A agência ficou sem chão, sobretudo por conta da campanha do perfume Menina Veneno. E, é claro, eles voltaram atrás e me quiseram de volta. Eu, magnanimamente, aceitei.

Pelo triplo do valor do antigo contrato.

David me ligou, se solidarizando, e desde então nos falávamos quase todos os dias.

Eu me sentia tão bem, tão feliz por tudo estar em seu devido lugar, que meu percentual no Divina Perfeição subiu para 98,7. Mesmo assim, decidi dar uma forcinha a natureza e passei aquela tarde de quinta-feira na cadeira de Ingrid.

E lá estava eu, ouvindo minha esteticista discorrer sobre sua vida pouco interessante enquanto minha pele absorvia toda aquela química maravilhosa, quando as coisas começaram a mudar.

–Lamento tanto pela Mary, Regina. Você deve estar arrasada! Não sei o que faria se perdesse meu Graham. Acho que minha vida acabaria.

–A gente precisa seguir em frente. - Blá-blá-blá.

–Ah, querida, é verdade! E você mais do que ninguém sabe disso, não é mesmo? Tão novinha e já viúva. A vida às vezes é tão injusta, não é mesmo? E incrivelmente frágil! Eu sempre falo para o Graham tomar cuidado. Ele adora carros e abusa da velocidade de vez em quando, sabe? Eu perco a cabeça toda vez que chega uma multa. É tão difícil viver longe dos filhos... Te mostrei como ele está bonito? - Ela pegou o celular e correu o dedo pela tela - Olha que homem lindo ele se tornou! - E enfiou o iPhone na minha cara.

Eu diria que Graham não era de se jogar fora. O rapaz de cabelos castanhos sorria para a câmera. Um bando de garotos se espremia ao redor dele. Todos tinham um copo na mão. E foi ali, com o rosto coberto de ácido, que eu a vi. No fundo da sala, uma inconfundível cabeleira longa e despenteada. Fones de ouvidos brancos estavam plugados às orelhas. Ela estava de costas, mas mesmo assim...

–Quando essa foto foi tirada? - perguntei.

–Anteontem - respondeu Ingrid. - Ele não é lindo?

–Um espetáculo.- Devolvi o aparelho a mulher e tentei não surtar. - Onde ele estuda mesmo?

–Numa pequena cidade no Maine, Storybrooke. Ele cursa engenharia de automação. Meu menino é um gênio.

Era possível que aquela garota na foto fosse Mary? O que ela estava fazendo em Storybrooke? Ela não estava morta?

Eu precisava descobrir, e só havia um jeito.

Liguei para Tinker e pedi para preparar minha mala; tão logo saí da clínica, segui direto para casa. Preparei uma nécessaire com algumas fórmulas de que eu eventualmente pudesse precisar.

Antes que sua imaginação viaje, não, nenhuma delas era veneno. Fórmulas e elixires para dor de cabeça e picadas de insetos, calmantes, essas coisas. Pedi a Tinker que acomodasse a bagagem no Bugatti Veyron de Leopoldo. Era o mais rápido dos sete carros da minha garagem.

Enquanto ela descia com as malas, fui até o quarto de Robin e bati na porta de leve.

Sua voz trovejante soou abafada:

–Entra.

Um pouco receosa, entrei. O cômodo modesto e arejado não era tão pequeno. Havia até um banheiro privativo. Eu mesma cuidei para que não faltasse nada a ele. Da TV à estante de livros no canto. Eu não toleraria que Robin tivesse menos que o aceitável.

–Como você está? - indaguei.

–Melhor. Já não dói tudo, só umas partes. - Mas sua expressão se contradizia.

Aproximei-me da cama onde ele estava deitado. Robin se ajeitou no travesseiro com dificuldade por conta do braço machucado, se erguendo um pouco. Ele vestia apenas uma calça folgada preta, com a perna esquerda enrolada até o joelho, exibindo um longo curativo. Os cabelos estavam bagunçados, e a barba, por fazer. Uma trilha de pelos dava ênfase à musculatura firme e bem delineada do dorso. A tatuagem ao lado esquerdo do peito era exatamente como eu me lembrava. Uma coleção de cacos quase unidos formavam um coração. O nome Vitória se espremia entre os estilhaços, sendo o grande causador da ruptura. Robin fez aquela tatuagem cafona no dia em que contei a ele que me casaria com Leopoldo.

–Doeria menos se você aceitasse tomar algumas coisa - falei a ele, desviando o olhar para o seu rosto.

–Não começa, sabe que não serei sua cobaia. - ele deu um sorriso torto, e eu retribuí, ao menos seu humor estava intocável.

–Passei pra ver como você está. Vou ficar fora uns dias.

–Pra onde você vai?

–Storybrooke, Maine.

Ele franziu a testa, e uma pequena centelha de esperança se inflamou em seus olhos.

–Por quê? A polícia descobriu alguma coisa? - Ele se remexeu até conseguir se sentar. - Pensei que tivessem desistido das buscas.

–E desistiram. Mas encontrei... Talvez tenha encontrado... - corrigi - ... alguma coisa. Acho que Mary está viva.

Aliviado, Robin soltou um longo suspiro e deixou a cabeça se recostar na cabeceira.

–Graças a Deus! Não suporto saber que a menina...

–Eu disse talvez, Robin - interrompi e abaixei o olhar. - Mas se eu estiver certa... Mary precisa continuar onde está.

–O quê?! Por quê?

Ergui a cabeça. Ele me fitava de olhos arregalados.

–Minha vida voltou aos trilho, Robin. Não posso permitir que Mary retorne e arruíne tudo o que contruí com muito suor.

–Mas ela não tem culpa de nada! É sua insegurança que estraga tudo.

–Não sou insegura! - rebati, furiosa por ele está defendendo Mary. Entre outra coisas.

–É sim, e do pior tipo. Aquele que finge indiferença a tudo e a todos, mas na verdade tudo que deseja é ser aceita.

–Isso não é verdade!

–É, sim, e nós dois sabemos disso. Você pode fingir pro resto do mundo, mas não pra mim. Não pode esconder seu passado de mim. Eu estava lá, Vitória!

–Não me chame assim!

–É o seu nome! - gritou.

–Não mais! Eu não sou mais aquela garota indefesa que passou a vida inteira esperando ser notada.

–Eu sempre vi você! - explodiu ele.

–Você era o único! As pessoas me notam agora, me admiram, e não vai ser Mary Margaret que vai tirar isso de mim.

–Ela não vai tirar nada de você, porque isso não é uma competição! Você não entende? Não tem que se comparar a ela, nem a ninguém. Olha só pra você, Vic. É tão linda, bem-sucedida. Você tem tudo! Carros, roupas, joias, sapatos, uma geladeira farta. Eu nunca me opus ao seu casamento porque era óbvio o bem que Leopoldo te fez, as oportunidades que ele te deu, mas desde que ele morreu você... mudou. Não é a mesma garota que divida o sorvete comigo no abrigo. Que foi me buscar quando fiz 18 anos e fui chutado pra rua, me oferecendo um emprego decente e um teto. Nem a mulher que sorria fácil por ver seu rosto na capa de uma revista. Você mudou, e não tenho certeza se gosto do resultado.

–Nunca pedi pra você gostar. - Eu me levantei da cama para sair dali, mas ele me segurou pelo pulso.

–Me deixa te ajudar, Vic. Eu quero te mostrar de que você realmente precisa está aqui, bem na sua frente.

–É muita presunção da sua parte supor que eu preciso de você.

Ele expirou com força.

–Você precisa de amor. E eu amo você. Sempre amei. Te vi casar com outro cara e, ao mesmo tempo em que isso me matou, fiquei contente por finalmente te ver feliz. Agora não, você está infeliz e não sabe o que está fazendo.

–Eu sei o que eu estou fazendo! - Tentei me livrar de seus dedos, mas não consegui.

–Não sabe. E eu vou provar. - Com um puxão sutil, ele me levou pra perto.

–Robin, não faz is...

Mas ele foi mais rápido, e seus lábios se colaram aos meus. Meus olhos se arregalaram conforme ele induzia minha boca a se abrir. Aquela não era primeira vez que Robin me beijava. Mas foi a primeira vez em que ele me beijou como se eu fosse... uma mulher, e isso me pegou de surpresa.

Sua boca apertou a minha com loucura, mas havia uma doçura embutida em seus movimentos, como se nada no mundo lhe fosse mais precioso. Ou mais necessário.

Meus olhos se fecharam sem um comando consciente, e me vi correspondendo, me entregando àquele beijo como jamais me entregara a nada ou a ninguém. Nem mesmo a Leopoldo.

–Eu vou com você pra Storybrooke - murmurou ele assim que libertou meus lábios, encostando a testa na minha.

–Você está todo machucado.

–Não importa. Vamos trazer Mary pra casa. Ela logo fará 18 anos e você não vai mais precisar conviver com ela. Eu tenho um bom dinheiro guardado. Podemos nos arrumar em outro lugar. Você continua sendo a Regina para o resto do mundo, e no fim do dia volta para casa a minha Vic - Acariciou meus cabelos. - Nós somos duas peças de um todo, Vitória. Sempre fomos.

Naquele momento, tudo o que me ocorreu foi que ele tinha razão. Seria fácil até, como espalhar hidratante.

No entanto, se eu aceitasse fazer o que Robin me pedia, abriria mão de tudo o que lutara tanto para conseguir. Mary ficaria com tudo. Ela não merecia. A garota sem graça que nunca fizera nada além de comer, resmungar e usufruir do bom e do melhor.

Ela não foi abandonada numa caixa de papelão numa pracinha qualquer quando só tinha alguns dias de vida, e um juiz idiota não escolheu seu nome, Vitória, porque sobrevivera duas noites ao relento. Ela não esperou, enquanto crescia, que um pai ou uma mãe viesse buscá-la. Não teve que se esforçar para ser uma boa menina - caso contrário ninguém nunca a levaria pra casa - logo que percebeu que não havia pai nem mãe pra ela. E mais tarde, quando entendeu que ninguém a queria, que não era uma boa menina, esperou em vão que alguém apenas gostasse dela o suficiente para lhe dar um sobrenome. Ela não foi chutada do único lar que conhecia ao completar 18 anos, abandonada à própria sorte mais uma vez.

Não, eu não abriria mão de nada. Nem mesmo por Robin.

Afaste-me de seu toque.

–Esse é o problema, Robin. Eu não quero trazer a Vic de volta. Não há nada bom nela. Tudo que quero é continuar sendo a Regina.

–Estou cansado de te ver fazendo merda.

–Essa é a única maneira que encontrei de continuar existindo.

Eu me levantei e segui em direção à porta, mas parei com a mão na maçaneta quando ele me chamou.

–Se você fizer mal a Mary, eu sairei da sua vida, Vitória. É um juramento.

Hesitei enquanto revia cada instante que havíamos compartilhado nos últimos 19 anos.

Diferente de mim, Robin tinha uma família; fora tirado das garras de um pais violento depois que sua mão foi espancada até a morte. Ele chegou ao abrigo numa confusão de hematomas, e fiquei fascinada pela força que emanava daquele moleque machucado. Eu queria ser forte também. Mas ele não falou comigo - nem com ninguém - no primeiro mês, até o dia que colou chiclete no meu cabelo. Aí tive que cuspir no pão dele em retaliação e desde então nos tornamos inseparáveis. Ele arrumou confusão com as assistentes sociais diversas vezes para desviar a atenção delas quando eu me metia em alguma encrenca.

Quatro anos mais tarde, uma tia dele apareceu querendo levar Robin embora. Ele tinha 13 anos na época, e diante do juiz chocou todos dizendo que preferia viver no abrigo do que com a mulher que não fizera nada para salvar sua mãe. Depois disso, suas chances já quase inexistentes de ser adotado desapareceram. Robin teve seus momentos de revolta com a vida, mas seu coração bondoso sempre prevaleceu, e ele se tornou um homem bom, de caráter, e doeu - ainda dói - no fundo da minha alma contemplar aquela tatuagem, a prova concreta de que eu tinha partido seu coração. Nunca imaginei que um dia ele faria o mesmo com o meu.

–Não pretendo machucá-la, Robin, se é isso que o preocupa. - Abri a porta. - Mas gosto da minha vida com está. Vou garantir que Mary Margaret continue como está. Morta.

E saí sem olhar para trás.


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