Menina Veneno escrita por DreamsOfASummerNight


Capítulo 13
Capítulo 12




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/593512/chapter/13

–Pronta para a sobremesa? - perguntou David.

–Claro, por que não? - Eu tinha muito o que comemorar. Poderia lidar com as calorias extras mais tarde.

Jamais uma refeição tinha sido tão saborosa ou a companhia, mais agradável - bem, isso não era de todo verdade; David era meio enfadonho, mas não me importava. Não me lembro de ter desfrutado tanto de um dia quanto daquele, em que acordei e não precisei olhar para a cara aborrecida de Mary Margaret.

David se esforçou ao máximo para me manter interessada em sua conversa, embora sempre a levasse a assuntos banais. E com isso descobri que ele era daquele tipo de gente que acredita nas pessoas, um sonhador que almeja um futuro brilhante ao lado de alguém especial e blá-blá-blá. Você conhece o tipo.

Robin não havia voltado nem telefonada ainda, e deduzi que tudo corria como planejado.

Sobremesa, com certeza!

–Regina, eu... queria me desculpar. Não sei o que aconteceu quando vi sua irmã. Eu... - Ele correu uma das mãos pelos cabelos. - ... acho que me deixei levar pelo orgulho. Foi a primeira vez que ouvi alguém cantando uma das minhas músicas. Fiquei... lisonjeado pra cacete, foi uma sensação incrível. Acho que confundi as coisas.

–Tudo bem - falei, magnânima. - Eu compreendo mais do que qualquer outra pessoa o quanto o amor pelo trabalho pode influenciar a forma como enxergamos as coisas.

–Então tá tudo bem entre a gente?

–Existe um a gente? - Beberiquei meu champanhe.

Ele fixou o olhar em mim, e com um tom sedutor de fazer derreter as geleiras do Himalaia, soltou:

–Eu quero muito que exista.

Abaixei a cabeça e deixei um sorriso tímido surgi em meu rosto. Ele suspirou em resposta: exatamente a reação que eu esperava.

David passou o restante do jantar tentando compensar seu erro. Eu por consequência, fazia minha melhor interpretação de uma mulher tímida que não tinha certeza de que está fazendo a coisa certa.

Ele fez questão de me acompanhar até em casa no fim da noite, e quando tentei recusar porque não queria dar trabalho, David alegou que não podia permitir que uma dama como eu fosse para casa sem escolta e que voltaria de táxi para pegar a moto no estacionamento do restaurante. Achei fofo.

O trajeto até a cobertura foi curto, e ela passou boa parte do tempo me contando sobre sua banda. Deixei o carro na garagem subterrânea logo que chegamos, e David me acompanhou até o elevador, para ir até o térreo.

Inesperadamente - okay, nem tanto assim, afinal ele estava ao meu lado -, ele olhou para mim e algo cintilou em seus olhos. Deu um passo á frente, uma das mãos se enroscando em minha cintura, e inclinou a cabeça.

As portas se abriram com um plim. O som despertou David do encanto, e ele se afastou, corando. Tão bonitinho...

–Foi uma noite muito agradável. - Ele colocou a mão entre as portas para impedir que eles se fechassem.

–Foi, sim. Me diverti muito.

–Posso te ver de novo? - perguntou, ansioso.

Sorri de leve.

–Se prometer que estarei salva das portas.

Ele deu risada.

–Juro que será minha missão de vida. Proteger você delas. Eu te ligo.

Eu já estava prestes a dizer que ele não tinha meu número quando lembrei da mentirinha que tinha contado mais cedo.

–Boa noite, David.

Ele saiu do elevador, mas ficou do lado de fora me encarando até que as portas metálicas fechassem. Subi para a cobertura com um sorriso no rosto. O sabor do triunfo é muito, muito doce.

A porta larga e maciça se abriu antes que eu encaixasse a chave na fechadura.

Robin estava todo sujo, a camisa rasgada, diversos curativos no rosto e o braço com uma tipoia.

–Robin! O que aconteceu? Você está bem? - Entrei em casa, o coração nos pulos.

–Um acidente. Um caminhão me jogou para fora da pista. Não pude fazer nada. Capotei seu carro.

–Meu Deus! - Passei os braços em seu pescoço, abraçando-o com força. Ele gemeu e cambaleou. Soltei- no mesmo instante. - Desculpa. Você está bem?

Ele fez uma careta, uma sombra encobria seu olhar sempre luminoso.

–Nada grave aconteceu comigo. Já fui examinado, apenas escoriações e um músculo distendido. Mas Mary... - a voz dele falhou. Um arrepio gélido percorreu minha coluna alto a baixo. - Ela sumiu. Não estava usando o sinto de segurança, e os peritos acham que ela foi arremessada para longe. Talvez tenha caído no rio ao lado da rodovia. Estão procurando por ela. Vão telefonar.

–Acham que ela está...

Ele aquiesceu uma vez, arrasado.

–Não tem como ela ter sobrevivido. Não tem como ela estar viva. Eu a matei...

–Não! Não foi sua culpa. - Me aproximei e o abrace de novo, dessa vez com cuidado, descansando a cabeça em seu peito largo. O coração dele batia rápido, assustado. Ah, Robin...– Acidentes acontecem o tempo todo, não sua culpa. Não foi, está me ouvindo?

–Eu estava ao volante.

–E você não tem controle sobre quem está ao volante dos outros veículos. Você não é Deus, Robin. Vem, precisa descansar, vou cuidar de tudo.

Ele balançou a cabeça, concordando. Eu o ajudei a ir para o quarto, passando o braço em volta da cintura para tentar sustentar seu corpanzil e aliviar a dor na perna que ele mal conseguia arrastar. Robin se deitou na cama, mas ficou me olhando com aqueles incríveis olhos azuis, como se pedisse socorro. E eu lhe socorri. Peguei uma das fórmulas que tinha na minha nécessaire e, sob protestos, o briguei a engolir um comprimido. Ele adormeceu em três minutos. Permaneci ali, olhando para ele por um longo tempo. Se algo grave tivesse acontecido com Robin, não sei ao certo o que teria sido de mim. Um mundo sem Robin não era um lugar bonito, não era um lugar onde eu conseguiria sobreviver.

Um pouco atordoada, fui para o meu quarto e me tranquei lá. Inspirei fundo ao me apoiar na porta.

Os olhos de Leopoldo, na foto sobre a mesa da cabeceira, pareciam me encarar. Devagar, atravessei o quarto e me sentei na cama, pegando o porta-retratos. Meu polegar acompanhou o sorriso do homem que me resgatara do inferno.

Sou alguns meses mais velha que Robin e Tinker, com isso fui a primeira a sair do abrigo e precisei me virar como podia para me sustentar e ter um teto sobre minha cabeça. Trabalhava como caixa de uma farmácia durante o dia e como frentista num posto de gasolina a noite para pagar o aluguel num quartinho minúsculo numa pensão não muito digna, em todos os sentidos.

Leopoldo apareceu em uma noite qualquer para encher o tanque do seu Bugatti Veyron, e me atrapalhei um pouco, pois nunca tinha visto um daqueles e não sabia onde ficava a boca do tanque de combustível. Leopoldo desceu do carro e me ajudou. Ele era doze anos mais velho que eu e, ainda assim, era o homem mais bonito e bem vestido que eu já tinha visto. E, apesar do uniforme e do boné, ele foi capaz de me ver. Realmente me ver. E gostou do que viu. Tanto que voltou ao posto de gasolina todas as noites, durante um mês inteiro. Então me convidou para jantar num restaurante tão luxuoso que eu nem imaginava que existia. Ele não riu quando eu confundi os talheres nem do meu vestido preto modesto comprado no camelô, com defeito em uma das alças. Nem se aproveitou de uma garota pobre e sozinha no mundo. Em vez de tentar me levar para cama, ele me levou ao teatro.

Leopoldo me ofereceu um mundo novo, com pessoas importantes e rica, e sempre fazia questão de me deixar a vontade com elas, abordando temas nas rodas de amigos apenas assuntos sobre os quais eu pudesse opinar. Foi ele que me apresentou Cora, a dona da agência de modelos, e também foi ele que insistiu para que ela fizesse um teste fotográfico comigo. Apenas mais tarde, depois que consegui uma carreira sólida como modelo e aluguei um pequeno apartamento num bairro decente, é que ele me pediu em casamento.

–Eu não queria que você me aceitasse sem ter chance de uma vida melhor de outra forma - dissera ele na época. - Agora você tem escolha. Tem uma carreira, e está se saindo muito bem. Sei que estou me arriscando - ele me mostrara aquele sorriso extremamente doce -, mas eu garanto, Regina: se você se casar comigo, eu a farei muito feliz. Ninguém jamais vai te amar como eu.

Ele me amava, se preocupava comigo, me escolhera. Eu aceitei sem pensar duas vezes. E Leopoldo cumpriu sua promessa. Mesmo sem conseguir retribuir seu amor, fui muito feliz com ele, e ele comigo.

–Não era isso que eu pretendia - murmurei para o homem da foto. - Você sabe disso, não sabe?

Então você vê? As lágrimas indesejadas que inundaram meus olhos não eram por Mary. Não, longe disso. Eram por mim, por ter decepcionado Leopoldo.

–A culpa é sua por ter morrido. Nada disso teria acontecido se você fosse mais prudente!

Arremessei o porta-retratos na parede. O vidro se estilhaçou, e minúsculos cacos cristalinos se amontoaram no rosto dele, bem embaixo dos olhos, dando a impressão sinistra que o homem da foto, apesar de sorrindo eternamente congelado, também chorava.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Menina Veneno" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.