Nesperim - A Irmandade Fantasma escrita por L S Gabriel


Capítulo 8
Capítulo 7: A Cerimônia de Juramento


Notas iniciais do capítulo

Finalmente, um fantasma.



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Estranho. Não está mais tão silencioso quanto antes. Assovios murmuram em meio à serenidade. Poderia então ser esse o mundo dos mortos?

Lentamente, Bernardi abre os olhos para descobrir. Tudo que vê é a escuridão predominando tudo por onde os olhos correm. Nem por isso deixa de enxergar um cenário plano e desértico; não, não há nenhum vestígio de escombros, sequer uma rocha, formando pilhas. Aparentemente não está no fim do abismo que despencou. Sim, realmente deve estar morto.

Contudo, ele repara agora que esteve até então de joelhos sem seu consentimento. E também... ó Deus, por que está com cada centímetro de pele que tem despido? Onde foram parar suas roupas?

– Você está pronto! – ecoa uma voz.

Linhas florescentes começam a se desenharem no chão sombrio; milhares delas, serpenteando voltas ou correndo linhas retas, senão completando diversos ciclos que rodeiam ao que Bernardi está, centrando todo o desenho. À medida que formam símbolos curiosos e indecifráveis, também fecham outro círculo perfeito cercando tudo, tão vasto que já tem atordoado toda a escuridão dos horizontes. Como se o ar já não estivesse pesaroso e sinistro o bastante, sombras começam a ocupar os ciclos que rodeiam Bernardi. São corpos em vestes negras como a da morte – seus Servos. Serão eles os donos dos sussurros indecifráveis? Ajoelhado à margem dos corpos – que aguardam o início de algo grandioso –, Bernardi consegue identificar um deles – Felix, ocupando o círculo mais próximo, o mais destacado pelas luzes fantasmagóricas. O Mestre de cerimônia.

– Bem-vindo ao início e ao fim da sua iniciação – alega o homem. Há algo diferente em seu tom de voz. Algo inexplicável. Algo assustador.

– Achei que já estava sendo iniciado – confessa Bernardi.

– Não! Embora as etapas que foram efetuadas até aqui tenham sido de extrema importância. – Ele faz uma pausa, permitindo que Bernardi reflita um pouco sobre tudo o que passou. – O primeiro teste se resumiu em coragem e paciência para enfrentar o desconhecido; inteligência e criatividade para criar uma estratégia que o fizesse driblar a desvantagem; e os seus primeiros passos como um ser das sombras. O segundo teste você repetiu esses princípios, mas, além disso, mostrou consentimento e compaixão, e ser desprovido ou forte o bastante para não sucumbir à ganância, ao orgulho e ao egoísmo. Tudo isso foram atitudes nobres que um Servo da Morte dispõe todos os dias. Você nos deixou claro que é mais que digno a servir a divindade. A ser um Servo da Morte.

O líder abre os braços provocando labaredas de chamas a nascerem uma por uma, fechando um cerco perante a cerimônia. Aqueles corpos sombrios trocam os sussurros por uma suave e melódica cantoria. Acolhedora e penetrante como os louvores de uma catedral, embora tristonha e lenta como um rito fúnebre.

– Servos de Deus e da Morte. Divinos como qualquer criação do Criador. Escolhidos na hora da morte. Herdeiros da graça dos anjos pecadores. Desprendidos de uma maldição gananciosa. Criaturas da escuridão, e não das trevas. Filhos da noite. Emissários da paz. Agraciados com os segredos da vida e da morte. Da magia. Alquimia. Assim somos nós, os moradores das sombras. Eu, agraciado como padrinho, em nome de Deus e de Mortem, o nosso anjo da guarda, te aceito e te batizo, alma que provou ser digna – palestra Felix o juramento que tinha na ponta da língua. Quieta-se por poucos segundos, antes de voltar a pronunciar e deixar a leve cantoria embargar suas palavras. – Que comece o juramento.

As vozes engrossam o tom e o coro sonoriza uma cantoria mais profunda, severa e agitada.

Ouvira tudo cabisbaixo sentindo as palavras confusas pesarem sobre seus ombros. Mas então, Bernardi ergue lentamente o rosto, permitindo a si olhar as sombras dos olhos de Felix sob o capuz. Impressionantemente, até para ele, seu rosto se enche de coragem assim como seu coração, contentes por ele ainda não sofrer arrependimento dessa decisão que tomou – dessa vida que levará.

– Jura caçar e batalhar devotadamente contra todos e quaisquer Espectros que ameaçarem ou não as vidas inocentes? Jura sempre se fortalecer e absorver mais poder, segredos e conhecimento, para sempre ser capaz de livrar os Mortais dos diabólicos Espectros?

– Eu juro! – responde após levar um momento para aceitar o drástico compromisso.

– Jura reservar vossas noites, mas não apenas elas como talvez seus dias, para servir o dever divino?

– Juro!

– Jura lealdade e respeito à nossa Irmandade, nosso propósito, nossa Aliança, nossos Dogmas e nosso padroeiro: o Anjo da Morte, enfim, lealdade a tudo aquilo que congrega à Nesperim? Jura guardar, proteger e devotar vossa própria vida aos segredos do ocultismo, do poder, da vida, da divindade e da existência dos fantasmas?

– Juro!

– Por último, nunca usar os poderes de um Servo da Morte contra um inocente, nunca revelar nosso poder místico para eles, e nunca, por mais poderoso que a de ficar, usar seu poder para causar destruição desnecessária ou maligna. Você jura?

– Juro, Messere...

– Então eu lhe concedo direito à graça. De hoje em diante, você é mais um Membro da sombria guarda-santa. Nasça e seja bem-vindo, Servo da Morte – proclama Felix conseguindo compartilhar o fardo do título em suas palavras.

O cálido brilho do círculo, agora verde de aprovação, estende-se como um líquido derramado, cobrindo cada centímetro do chão. Auroras dançam festeiras pelo ar. Um calor repentino embarga Bernardi como se ele fosse acariciado por uma civilização de mãos invisíveis e macias. Mas então, de repente outra coisa parece estar correndo por suas costas. Agora por seus braços. Seu tronco. É acalorado como as mãos, sim, porém tem um toque diferente. Indescritivelmente diferente... E bom. O ragazzo aponta os olhos ao que é, à medida que as sombras que dele mesmo afloram, terminam de possuir suas pernas. Como se transbordassem de um pote cheio, as sombras esvaem de seu corpo e inundam os desenhos brilhosos da cerimônia. O que está acontecendo?... Bernardi não sabe dizer, e nem espera mais que os corpos sombrios vão lhe informar – todos assistem o evento enquanto parecem estar quase no desfecho da cantoria gótica e de tons altos. Agora ele sente posse de dois movimentos pregados em sua coluna – as sombras se transfiguraram em asas sofrendo queda de penas, batendo levemente como um pássaro dominando seu primeiro voo. Asas que deixam uma dor fina correndo por suas costas. Mesmo assim, não é hostil. Não. É prazeroso.

As vozes estão conduzindo a cantoria ao desfecho.

Seus olhos estão pesarosos e pestanejam para continuarem abertos. Mas é inútil. Sente seu corpo despencar no chão. Lança o último olhar à escuridão. Ouve o fim agudo da cantoria. Então adormece.

Acordar de outro sono profundo não é fácil – o que sempre presenteia Bernardi com uma dor de cabeça. Todavia, sentir a respiração regularmente de novo é, no mínimo, um alívio. Devagar, abre os olhos. Zonzos. Seus resmungam ecoam apenas para ele o quanto está desagradável desmaiar sem mais nem menos e acordar toda vez em um lugar diferente ao que adormeceu. Dessa vez, vê-se deitado sobre numa cama macia, dentre as paredes cor de carvalho de um quarto aconchegante. Pelo menos dessa vez o cenário não lhe é estranho. Deve estar em um dos quartos do alojamento.

– Que tontura terrível – resmunga ele, rabugento.

– Não durará muito.

Furtado, seu olhar finalmente nota a presença da jovem dos cabelos loiros claros, sentada sobre uma cadeira de balanço ao lado da cama.

– Como está se sentindo? – Anna indaga.

– Mais estranho do que antes. Porém bem... Eu acho – responde, antes de movimentar o braço sob a coberta para tatear o corpo. – Estou vestido?! – questiona descobrindo esse fato. – Quem me...?

Então surpreende seus olhos apontarem para Anna e seus pensamentos desconfiarem que a ragazza possa tê-lo vestido enquanto dormia. A sombra de um sorrisinho sádico cresce nos lábios dele; Anna também curva um sorrisinho, porém debochado.

– Não fui eu que te vesti, se é o que está pensando – esclarece ela como se estivesse lendo os pensamentos maliciosos dele.

– Desculpe. Não pensei maldades. Apenas imaginei que, por você estar aqui, poderia ter me vestido – alega o rosto ligeiramente corado de vergonha.

– Estou aqui por outro propósito: não apenas, porém, uma resposta. Uma resposta de valor incomensurável. – ela alega prendendo inteiramente a atenção de Bernardi nas palavras que ameaça dizer. – Por acaso você, em algum mísero momento hoje, se perguntou o que significa Nesperim? – Ela parece cobrá-lo.

– Não, francamente não. Mas isso muda muita coisa?

Ela deixa escapar um breve riso sádico.

– Você nem faz ideia...

Sem permissão, Anna enfia o braço sob as cobertas. Rápido, como se tivesse dado um bote, traz à tona o braço esquerdo de Bernardi; depois, ela assiste o rosto dele ficar assombrado à medida que o pulso atacado e a mão dela escurecem-se obscuramente como um céu mudando, subitamente, do dia para a noite.

Assustado, Bernardi iria perguntar como, mas Anna está à frente.

– Os fantasmas foram totalmente moldados nas sombras, afinal, somos filhos da Morte, e a Morte é algo sombrio. Somos seres da escuridão, e os Espectros, das trevas. As sombras são a essência dos fantasmas. Nosso poder. Nossa herança. Origem. Natureza...

Agora, ao invés de continuar enganchando o pulso dele, a mão de Anna escorrega até a mão de Bernardi, entrelaçando firmemente seus dedos. Após uns dois segundos... Um calor, um brilho... e quando separam as mãos, um flutuante foco de luz ilumina-os com fraqueza, nascido da sombra formada das mãos em concha. Por um momento, Bernardi consegue ser o maestro daquele pequeno globo flutuante, mas ao tentar movimentá-lo com um gesto, não consegue mantê-lo equilibrado por muito tempo. O foco despenca e estraçalha-se contra o chão igual uma lâmpada.

– Nós temos um pouco do poder sagrado correndo em nossas veias; o mesmo poder sagrado que os anjos têm. Uma amostra do poder do Criador: o poder de criar e controlar vidas. E, possivelmente, a sede por mais desse poder seja o que tenha levado os anjos caídos a se rebelarem contra Deus... Enfim. Não apenas para criar vida – continua Anna após uma pausa –, contudo, também para...

Nesse momento, ela começa a esticar o braço bem lentamente ao criado-mudo, a ponta dos dedos mirando uma rosa branca num vasinho de vidro. Conforme a mão vem se aproximando, rachaduras se arrastam pelo vasinho, intensas como veias saltando de um corpo vitimado. Entrementes uma velhice precoce está atingindo miseravelmente a rosa, enrugando e mofando suas pétalas, secando e enfraquecendo seu talo, curvando-a debilitantemente. Ambos, claramente, estão morrendo. Teriam o momento final, se Anna não tivesse recolhido o braço para que, no momento seguinte, as rachaduras se apagassem e a rosa retomasse vigorosamente a força. –... Matar – ela retoma, sem o menor repúdio ao que dissera ou fizera. – Como eu disse, os fantasmas são filhos da Morte, portanto acho que não é preciso explicar que, hereditariamente, o poder dela é o nosso também.

– Magnífico! – confessa Bernardi maravilhado e assustado ao mesmo tempo.

– Da língua milenar dos anjos, cujos pouquíssimos Mortais aprenderam um pouco da linhagem e originaram o Latim, Nesperim significa herdeiros. Somos os herdeiros do poder que pertencia aos anjos caídos, mas, bem especialmente, os herdeiros do nosso patrono: o Anjo da Morte. – Anna olha fixamente para a própria mão, como se pudesse ver o poder que diz além de sua pele. – Desde os primeiros séculos, os fantasmas vêm misturando o poder das sombras com o poder sagrado. Essa ciência foi batizada de Artes Sombrias. O leque de arquétipos que isso pode gerar é incomensurável. Não há como detalhar com palavras, mas, se te servir de exemplo, olhe a mim: sou praticante das Artes Lúcidas. Significa que o mio poder goza da luz e das sombras entrelaçadas. E, em breve, você descobrirá o seu...

– Ah, basta. Isso é espantoso e confuso demais pra mim – ele resmunga, afundando o rosto no travesseiro e cobrindo os olhos com as mãos.

Isso é apenas o começo. Você ainda não viu nada. A vida de um Servo da Morte não se resume fora dos termos estudo e possessão.

– Portanto, prepare-se bem...

Não foi Anna quem disse isso...

O ragazzo ergue-se dos lençóis por conta de uma voz divergente vindo da porta. Felix se encontra encostado contra o batente como se ali esperasse o fim da explicação de Anna. – Finalmente despertou jovem Bernardi – diz ele, sombreando um olhar misterioso. – Observo uma expressão horrível em seu rosto por conta da explicação que Anna lhe passou.

– Diz como se isso fosse uma surpresa – retruca o ragazzo entreolhando-o.

– Realmente é; eu esperava uma reação pior... Anna, por favor, peça para começarem a tecer as vestes do jovem Bernardi. E o quanto ao senhor, venha comigo – ordena ele partindo. O ragazzo se levanta e segue-o rapidamente.

Ambos caminham em silêncio pelos corredores até a sala de Felix. Continuam acompanhados por um ar tenso. O líder parece estar planejando algo pelo seu rosto indecifrável... Mas o que seria? – o que dessa vez?

Acomodando-se na sua cadeira, Felix se debruça, retira das profundezas da mesa e estende sobre ela – provocando um estalo – um livro gigantesco e grosso como um tijolo por tantas folhas amareladas. A capa dele é preta e tem detalhes curvados em dourado sob a cobertura poeirenta.

– Sabe jovem Bernardi, ainda falta algo para terminarmos sua iniciação: um nome para sua nova existência. Suponho que deseje preservar o primeiro nome em homenagem à vida que teve. Muitos Reencarnados fazem isso. Entretanto, o sobrenome é o símbolo da sua nova vida. O senhor tem alguns em mente, ou deseja que eu lhe auxilie com uma lista que deve estar aqui em algum lugar...

– Gallic! – corta Bernardi inteiramente decidido. – Bernardi Gallic. Sem nome paterno ou segundo nome.

O líder desconfia quanto à excessiva confiança do ragazzo em sua decisão. O olhar firme de Bernardi deixa claro que revogá-la está fora de cogitação.

– Como queira – permite –, és Bernardi Gallic. Agora tenho que mostrar-te algo.

O homem abre aquele grosso livro pela metade, não precisando folheá-lo mais que seis páginas para encontrar o capítulo desejado. Ele então o vira para Bernardi, que surpreende uma lista extensa de nomes na folha – inclusive o seu. Bernardi Gallic. Está lá, escrito, como se fosse uma assinatura. Até digitais estão carimbadas – as suas, provavelmente. Mas como?... Bernardi ergue os olhos a Felix – os olhos que pedem respostas.

– Como eu tinha dito, era só o que faltava para a iniciação: um nome para o seu batismo. Agora o seu nome é reconhecido pela Aliança dos Servos da Morte, não só os daqui, como os de todas as Irmandades da Nesperim. – O líder ameaça dizer mais palavras. – Sabe... há outra coisa a mencionar. A maioria dos Reencarnados prefere privar-se de laços quanto ao mundo lá fora, pois, compreensivelmente, acabam se tornando desconfortantes, rancorosos e muitas vezes dolorosos. Optam por morar, treinar, aprender, envelhecer... aqui, de acordo à vida de um Servo da Morte. Afinal, há lugar melhor do que aqui, nossa Irmandade, onde somos iguais e somos confortados?! No entanto, alguns Reencarnados tentam misturar-se com os Mortais e criar laços. Os Dogmas não sugerem isso, porém, desde que não prejudique, não proíbem também. Particularmente não creio que seja uma má ideia... Até mesmo acho primordial um jovem como o senhor terminar os estudos num ambiente normal. Portanto pergunto-o: o senhor gostaria de regressar ao colégio?

– Adoraria, Ser. Felix. Colégio Jardim das Montanhas, 1° ano C – propõe ele decidido.

Repentinamente, Felix sentencia-o com o olhar, no mínimo, sério; tentando afrontar a pouca esperança que reluz nos olhos prateados do ragazzo.

– Espero que o nome e a ida a esse colégio não sejam tentativas de arriscar ser identificado. Se pensa que é possível reconhecerem o senhor por trás dessa aparência ou por alegações de quem o senhor é... Sinto muito em frustrá-lo. As pessoas nunca te associarão como “o falecido Bernardi”. Isso graças à poderosa marca da reencarnação que fará as pessoas enxergá-lo como, no máximo, alguém muito parecido. Mas, além disso, nada. Não vou omitir que há raros casos em que alguns Reencarnados conseguem ser identificados por seus entes-queridos; o que tenho quase certeza que não seja o seu caso. Estou alertando o senhor para acabar logo com as suas esperanças de recuperar a vida que já teve. Posso parecer cruel, mas estou apenas evitando um sofrimento desnecessário.

Grazie pela preocupação – agradece Bernardi sadicamente, o rosto amargurado pela notável frustração.

– Como o senhor deseja, providenciarei sua matrícula nesse colégio e nessa sala. Entretanto lembre-se que o senhor é um de nós agora. É guardião de segredos sagrados. E aqueles que deixaram até fragmentos insignificantes desses segredos à vista, acabaram destruindo a si e as vidas à sua volta. Sei que não quer isso. Portanto seja extremamente cauteloso. Não viole o juramento – ordena Felix, realmente um homem intimidador e assustador quando quer ser.

– Serei totalmente prudente, Ser. Felix – aceita o ragazzo assombrado pelos olhos penetrantes do homem.

– Excelente!

Drasticamente, o líder volta ao seu eu debochado e simpático. Este se põe de pé, limpa as mãos cinzentas de pó na calça – presente do fundo abandonado da mesa –, e estende-as cordialmente ao ragazzo, que não esconde o susto pela mudança.

– Dividiremos os pesarosos fardos um dos outros. Seremos seus companheiros, amigos, professores e alunos... Uma família. Preserve eternamente o respeito e será igualmente retribuído. Irmão.

Molte grazie, messere.

Então selam a paz através de um aperto de mãos.

Logo após, eles se dirigem à biblioteca, de onde Bernardi sai carregando um livrinho semelhante a um dicionário bem completo.

– Esse pequeno Exemplar vai te ajudar bastante. Tem o início da Teoria das Artes Sombrias para começares a praticar. Exercícios mentais e físicos como meditações. O princípio da Biologia dos fantasmas. Espectros. História e a filosofia dos fantasmas ao longo do século. Os Rituais...

O homem continua descrevendo o Exemplar ao guiar o ragazzo, que já encontra-se displicente da tediosa palestra. Entram no corredor do alojamento e caminham até Felix derrapar bruscamente; acaba freando Bernardi, distraído, que impactara o rosto no ombro do homem. Pairam diante a porta aberta de um dos primeiros quartos do alojamento.

– Esse é o seu novo quarto, jovem Bernardi – revela o homem sem dar um passo além do batente. Diferente de Bernardi, vagando os olhos e as pernas por todos os cantos. Anima-se com a semelhança entre esse e o seu antigo quarto – o que deixa uma familiaridade confortante. Vê uma cama larga, uma televisão pequena sobre uma escrivaninha, um banheiro, um computador móvel posto na outra extremidade, e um armário abarrotado de roupas formais e um pouco caretas.

– Providenciarei ao senhor documentos falsos o mais rápido possível, caso queira tentar se reintegrar à sociedade algum dia – novamente ele nubla seu rosto de seriedade e consegue deixar o ar pesaroso. – Sua vida agora é devotada aos deveres sagrados dos Servos da Morte e do ocultismo. Se o senhor reconstruir laços e até mesmo uma vida secundária, falsa, porém comum e confortante, aconselho não se envolver tanto nela e nem criar laços sentimentais. Deve estar livre todas as noites para servir a Irmandade; e também a qualquer momento, porque, haja o que houver, esteja onde estiver, quando o senhor for chamado, deverá atender.

– Vou refletir sobre isso! – responde o rosto perdido em pensamentos.

Perfetto. Bom, já são oito horas – deduz o líder com a razão ao seu lado. – Terei de subir. E o senhor, sinta-se à vontade. Scusi.

Grazie!

Parecem ser as últimas palavras do dialogo; Felix tem um pé fora do quarto. Mas então um argumento recém lembrado o faz regressar os passos.

Ser. Felix – chama Bernardi –, boa parte das minhas dúvidas foram esclarecidas, mas restou uma que ninguém tocou no assunto.

– Qual? – indaga Felix.

Então Bernardi estende a mão direita – a cristalizada. Felix encara-a com o rosto escondendo bem um misto de repúdio e intimidação. Prendendo o olhar por instantes, afundado em reflexão. Suspira fundo e...

– Lamento, mas também não posso dar-te uma resposta – ele alega, embora Bernardi desconfie que ele saiba mais do que se permita dizer. – Providenciarei luvas para o senhor. Será primordial ocultar sua mão direita das pessoas que se relacionar lá fora.

– Concordo plenamente.

Felix finalmente se retira. E Bernardi aproveita a privacidade da porta fechada para se estirar sobre a cama com o rosto escondido nos lençóis. De longe foram as horas mais longas e sinistras que teve o desprazer de vivenciar – contando com a madrugada que ele foi morto. Mas finalmente elas chegaram ao fim... Ao menos por hoje, pois pode apostar consigo que de agora em diante, tudo só tende a ficar mais e mais sinistro.


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