Emoção - o Caminho para a Jaula escrita por Napalm


Capítulo 2
É assim que se casa!




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                                                 1. É ASSIM QUE SE CASA!

 

     Eu morava numa roça muito distante daqui. Lá as vacas mugem, aqui elas gemem. Foi isso que me disseram quando eu perguntei a diferença entre a cidade e a zona rural. Minha mulher cantarolava felizmente a marcha fúnebre o dia inteiro, porque o nosso casamento seria no próximo dia. Eu estava sofrendo por isso! Para ser um bom marido, os homens têm que passar por uma preparação: Primeiro eu tive que sobreviver, dentro de um carro sendo amassado com uma prensa, daquelas que deixam eles cabíveis numa lata de lixo. Depois eu teria que participar de um ritual. Mas ainda não sei o que é um ritual. Quando eu cheguei no local que seria esse evento esquisito, eu vi um monte de gente ajoelhada em volta de um círculo desenhado no chão, enquanto um homem estranho estava fatiando uma galinha em vários pedaços. Que barbaridade! Quando ele ia chupar o sangue do cadáver, eu não pensei duas vezes – peguei uma vela que estava no chão e taquei nele! A roupa dele começou a pegar fogo. Nessa hora, me deu um remorso... Tirando a vovó, eu ainda não tinha matado ninguém. Olhei para os lados e vi o que eu queria! Uma mangueira! Corri rapidamente para alcançá-la. Um doido entrou no caminho, tentando me impedir. Eu não tinha tempo pra perder! Peguei um taco de beisebol que estava no chão e bati na cabeça dele. Agora o caminho até a mangueira estava livre! De repente, a porta de um carro que estava lá se abriu: uma onça e um monte de galinhas saíram correndo lá de dentro. Não era à toa! Um mamute vinha pegá-los, furiosamente. Entrei no carro... Precisava fugir dali! Mas precisava apagar o fogo também... O carro não tinha banco então eu tive que dirigir em pé. Dei algumas voltas em volta do mamute e percebi que desse jeito eu não ia a lugar nenhum. Só havia uma maneira de derrubar aquele mostro! Tirei o volante do carro, esfreguei maionese no volante e joguei, como um cuspe poderoso é cuspido nos muros de uma usina petrolífera, o volante na boca do mamute! A maionese rapidamente começou a fazer efeito – o mamute começou a explodir! Seu corpo soltava fagulhas pra todo lado, como um cigarro gigante. Então, ele tomba! Agora nada me impediria de chegar até a mangueira. Peguei o elevador e apertei o botão para subir até o último andar. Ele começou a girar enquanto ia subindo, algo estava errado. Peguei um tronco de árvore e arrombei a porta e saí naquele andar mesmo. Foi quando eu vi o vovô na cadeira de rodas. Eu estava na estação rodoviária e vovô tinha acabado de chegar de uma cidade longínqua pra me visitar. Ele veio sorrindo em minha direção, com os braços abertos... Mas eu tinha que apagar o fogo que queimava o homem estranho. Empurrei vovô para fora da cadeira de rodas, sentei em seu lugar e rodei as rodas freneticamente em direção a mangueira. Enfim alcancei-a! Peguei a mangueira e corri de volta para o local de ritual. Lá estava o homem pegando fogo e caído no chão. Bati nele com a mangueira como um elefante bate sua tromba num prédio! Dei várias mangueiradas até que o fogo se apagou completamente... Ai, ai... Boas lembranças...

            Bom, a parte do ritual estava completa. Faltava somente a terceira e última fase para o preparamento de bom marido - arranjar uma aliança. Era sem dúvidas a mais difícil. Onde eu iria arranjar uma aliança de casamento? Isso vendia na padaria? Lá foi o primeiro lugar que eu fui procurar. O padeiro riu da minha cara. Nessas horas que eu acho errado haver uma granada de emergência presa na parede. O lugar começou a explodir totalmente e eu estava no meio das chamas. Ouvi uma vaca mugindo e percebi que era o som da sirene dos carros de bombeiros que estavam chegando.  De repente, eu ouvi um bebê chorando em algum lugar nos andares de cima. Subi uns vinte lances de escadarias em espiral e cheguei no quarto em chamas. Tomei coragem e passei pelo fogo, peguei o bebê que chorava, saí do quarto e arremessei-o pela janela, para longe do prédio em chamas. Ele estava a salvo! Mas eu ainda estava no vigésimo primeiro andar, que pegava  mais fogo a cada minuto! Coloquei um pedaço da cortina nos olhos, como uma venda, e saí andando sem saber pra onde eu estava indo, até que cheguei do lado de fora da padaria em chamas. “AH!” Eu estava pegando fogo! Sem cerimônia, os bombeiros jogaram água na minha cara com seus mini-baldes. Odeio que joguem água na minha cara. Só não lhes espanquei porque faltavam-lhe partes do corpo. Era a equipe de bombeiros deficientes físicos e poucos deles tinham todos os braços ou pernas.

            Todo esse alvoroço tinha sido causado e eu ainda não tinha completado a missão de preparação para bom marido. Eu precisava refletir, então fui para uma boate. Quem diria que lá eu encontraria o que estava procurando! Corri em sua direção, estava majestosamente parada no chão – Peguei-a com as duas mãos e a ergui – era uma tartaruga belíssima! Guardei-a na mochila e voltei a me concentrar na minha missão pela busca da aliança. Quando eu dei por mim, um cara corria em minha minha direção empunhando uma serra elétrica. Corri para fora da boate e apressei mais ainda os passos pelas ruas. O cara ainda estava me perseguindo! Não dava pra ver o rosto dele porque ele usava uma sacola de pão na cabeça. Até que dei de cara com a parede de um beco. “Já era!” Aquele psicopata ia me pegar! Então ele desligou a serra elétrica, entregou-me um mapa retirado de seu bolso e foi-se embora. Abri o mapa e nele estava um monte de riscos que não fazia sentido nenhum. Mas então eu percebi a borda inferior do mapa, onde lia-se: “Vire à esquerda...” O resto estava ilegível. Virei à esquerda, como dizia o mapa e me deparei com uma escadaria que levava até uma espécie de castelo, muito menor do que o normal. Logo que entrei – as grandes portas estavam abertas – me deparei com um grande salão, cheio de bancos de madeira enfileirados ao lado de um longo carpete vermelho que estendia-se até uma grande mesa, lá no fim do salão. Tinha vários quadros grudados nas paredes, mostrando um monte de gente morta ou sendo morta. Estranhamente, parecia ser sempre a mesma pessoa que estava sendo esfolada nos quadros. O local estava lotado de pessoas sentadas nos bancos e uma música horrível tocava de algum lugar. Tinha um velho vestido como um mendigo de branco lá na frente, cheio de panos por cima dos ombros e um homem de terno e uma mulher vestida pro carnaval. E numa almofada na mão de um anão que estava perto do trio esquisito, havia, não uma, mas duas alianças! Era minha chance! Corri pelo carpete vermelho, catei as alianças e saí correndo. A mulher vestida pro carnaval tirou uma metralhadora de algum lugar dentro do seu vestido branco e começou a atirar. Fugi daquela louca correndo escadaria abaixo, enquanto ela me perseguia com a arma na mão. Corri, corri e de repente, os tiros cessaram. Olhei pra trás e desejei não ter feito isso. A louca acabava de acionar uma granada e atirou-a em minha direção. Arranquei a porta de uma casa que estava perto e joguei na granada que vinha em minha direção, detonando-a antes que me alcançasse. A mulher avançou sobre mim com um chute, lançando-me metros para trás. Foi aí que me deparei com uma maçã pendurada na árvore. Peguei e comi rapidamente, antes que aquela maluca me acertasse mais um golpe – ela corria mais uma vez em minha direção. Cuspi uma semente da maçã bem na boca da carnavalesca, engasgando-lhe. Ela colocou a mão na garganta, e nos seus olhos eu vi que este seria seu último trunfo – Ela pegou seu lança-mísseis antitanque e mirou contra mim, enquanto a semente da maçã a matava aos poucos. Então eu arranquei a macieira do chão e enfiei dentro da boca de saída do lança-mísseis antes que ela atirasse e ela atirou. Bom, meu plano não deu certo, a macieira acabou sendo usada no lugar da munição e acertou bem na minha cara. Enquanto eu gemia de dor no chão, a mulher veio, pegou as alianças, chutou minha barriga e caiu com o tríceps em cima de mim. Ela se foi, finalmente. Quase inconsciente, eu olhei para o céu e vi uma gaivota. Ela regurgitou a aliança em mim. A aliança do papai! Sou muito agradecido à minha antiga gaivota! Sempre gostei muito dela, pena não lembrar-me de seu nome.

            Agora minha missão estava completa! Minha mulher não podia reclamar de mim. Só que eu tinha corrido tanto que não sabia mais como voltar. O mapa que aquele homem tinha me dado não ajudava em nada, então eu assoei o nariz nele, coloquei pó e taquei fogo, fumei-o e usei o resto para limpar o suor da minha testa. Eu estava bastante nervoso. Agora eu teria que pedir informações pra chegar em casa. Eu nunca havia feito isso. Tem uma primeira vez pra tudo. Assim como eu nunca tinha dado piruetas num grande lago de areia movediça, um dia eu daria. Meu irmão mais velho morreu ao tentar a façanha, pois quando ele estava na metade do caminho, alguém jogou-lhe uma pedra na cabeça e ele morreu de traumatismo craniano na hora. Então comecei a pensar como eu faria pra perguntar aos outros como chegar na minha casa. O problema é que eu não sabia o nome do lugar onde eu morava. Então eu peguei um papel e fiz alguns desenhos de algumas vacas e da minha mulher no meio delas, com seus longos cachos arrastando pelo chão, apoiados no seu corpo de barril como se fossem cobras mortas. Pra adicionar eu ainda coloquei alguns buracos pelo chão desenhado e alguns espantalhos de cabeça pra baixo. Só um cego não reconheceria o lugar, a beleza da minha esposa e perfume visível que exalava das vacas, bem como a mostarda que era usada para inflar os cadáveres que usávamos como espantalhos. Lembro de ter visto alguns espantalhos também num quadro no estranho castelo, pendurados de cabeça pra baixo, assim como os de minha terra. Deve ser daí que surgiu o costume, realmente espantava os pássaros verdes com rabo lilás e os de olhos azuis com topete vermelho e corpo acizentado. Infelizmente, os corvos vinham fazer a festa. A mostarda servia pra que eles enchessem mais rápidos suas panças redondas e fossem embora para usarem o banheiro.

            Com meu desenho pronto, procurei alguém que passava na rua, quando vi um cara correndo com as mãos, os pés abanando no ar amarrados numa camisa de força. Ele corria muito rápido e eu não o alcançaria. Pensei rapidamente e joguei-lhe uma abóbora nas pernas e ele caiu. O rapaz me olhou com raiva e eu lhe expliquei que era urgente o meu problema. Mostrei a ele meu desenho e ele o comeu. Talvez era dessa maneira que o povo da cidade digeria a informação. Aí ele disse um nome parecido com o da minha esposa, Dani. Ótimo! Ele conhecia minha esposa. Então ele foi embora arrastando-se como uma minhoca pelo chão. Ele não tinha me ajudado muito, mas eu devia uma a ele. Então eu lhe perguntei se as pernas o incomodavam. Ele disse que muito, então eu peguei um martelo que estava encostado na parede e bati bastante nas pernas dele. Satisfeito de minha bondade, fui-me embora, procurando outra pessoa que pudesse me ajudar. Só que agora não tinha mais meu desenho para mostrar, isso tornaria as coisas bem mais difíceis. De repente passou minha mulher na calçada segurando um alce pelo chifre. Ela sabia o caminho! Então eu perguntei o que ela estava fazendo ali. Ela disse que viu esse alce correndo pelos telhados das casas e percebeu que daria um ótimo ensopado. Atravessamos uma rua e chegamos em casa. Daí eu perguntei a ela se ela conhecia um cara que andava com as mãos por aí. Ela disse que eles eram amigos de infância e caçavam gatos pretos pela noite juntos e depois rolavam na lama com os porcos. Aquilo me deu uma pontada de ciúme, mas nada que eu não pudesse segurar. Afinal, minha mulher sempre disse que preferiria me jogar na panela ao invés de jogar os porcos. Eu podia viver com aquilo. Meu amor era incondicional e eu casaria com aquele barril naquele dia. Ela me arrastou pela rua e chegamos a igreja. Eu nem tinha percebido que ela estava vestido para casar: jeans apertada acima do umbigo, uma concha gigante presa na cabeça,os dentes pintados de preto, os seios nus e uma sangrenta raposa desmembrada jogada nos ombros. Que vexame, eu nem havia me vestido pra ocasião - pro meu próprio casamento. Eu era uma vergonha pra sociedade em que vivia. E não reclamei quando começaram a me apedrejar ou jogar água fervendo em mim enquanto eu passava pelo chão de pedra irregular da igreja. Então o padre me deu um tapa na cara na hora que eu cheguei perto dele. Eu peguei as barras de ouro no meu bolso traseiro da calça e entreguei ao padre. Rindo ele nos disse que estávamos casados e todo mundo foi embora, inclusive ele, deixando eu e Dani a sós na igreja. Começamos a balançar os braços freneticamente para cima: um ritual dos recém casados. Fomos pra casa finalmente. Eu estava cansado daquilo tudo. Quando eu entrei em casa, eu me deparei com o que jamais poderia imaginar ver na vida.


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