Emoção - o Caminho para a Jaula escrita por Napalm


Capítulo 3
Quem livra o mundo das aberrações merece ser...




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       2. QUEM LIVRA O MUNDO DAS ABERRAÇÕES, MERECE                                           SER PERDOADO!

 

     Sim, era o cachorro da vizinha. Aquilo era abominável. Seus dentes rosnavam, seu focinho escorria catarro e seus três pares de pernas estavam angulados de forma a dar um bote. Lembrava um boi cinco mil vezes menor e mais magro, abatido várias vezes e ressuscitado com magia negra, onde se usava álcool e fogo. O problema é que ele estava comendo minhas botas de metal, roendo-as como se fosse sabão. Eu precisava daquelas botas. Eu não a usava havia anos mas vê-la sendo mastigada me dava uma dor intensa na parte inferior das costas. Eu me aproximei para arrancar minha pobre bota dali. Ele rosnou mais ainda e começou a latir pra parede. O pobrezinho era cego, mas ainda assim oferecia perigo mortal: eu vi isso no veneno escorrendo de suas presas e de seus ouvidos. Aquele líquido verde escorrendo pelo chão, enquanto corroía o granito do assoalho era fantasmagórico. Alcancei a espingarda na parede e dei dezessete tiros nele. Pronto. Minha bota estava livre pra viver o resto de sua vida, que seria estranhamente longa e melancolicamente traumatizada. Uma louca começou a berrar e eu vi que era a vizinha. Ela me chamava de assassino, homicida, louco, carnavalesco, esporádico, oniquito, estraboniano, flagelado, esculpido e espancado. E então ela disse para nos vermos nos tribunais. Eu nunca tinha entrado no tribunal da cidade, lá era um lugar das trevas. O edifício tinha as janelas quebradas e escorria sangue pela chaminé de vez em quando. Na ultima vez que me aproximei daquele lugar, uma mulher em chamas saiu pela porta e tropeçou pela escadaria de entrada. Foi realmente de morrer de rir, ela se esborrachando no chão. Mas não era nada engraçado se o próximo fosse eu. Estava decido. Eu não iria a lugar nenhum. Então a vizinha disse, com um machado em mãos: “É bom você ir lá amanhã, se não vou tacar-lhe fogo e empurrá-lo da escada... e cortar seu pescoço com isso.” Ela soltou o machado e pegou uma foice às costas. Ótimo. Se não fosse pela parte da foice, eu até faltaria ao meu encontro no tribunal. De qualquer jeito eu me daria mal, e ir ao tribunal parecia agora muito mais reconfortante.

            À noite, deitado embaixo da cama, eu rolava sem parar. Não conseguia dormir, pensando no dia de amanhã. De repente, eu acordei com o sol rindo da minha cara pela janela. Até o astro-rei sabia da minha sentença. Segui em direção ao tribunal. Quando eu abri as portas de algodão do lugar, eu vi o juiz lá na frente, rodando uma redondinha anilha de 50kg com um dedo. A vizinha estava sentada ao seu lado, beijando o cadáver de seu cachorro. E tinha algumas pessoas estranhas sentadas de cabeça pra baixo no teto e umas deitadas no chão. Percebi que eram os desembargadores, advogados e maníacos psicopatas ex-presidiários. Sentei-me na única cadeira reclinável do local e comecei a me balançar nervosamente. Então o juiz começou a falar um monte de coisas, que julguei de mínima importância, ignorando suas palavras e alimentando meus ouvidos com os ganidos da cadeira reclinável. Então ele me perguntou o que eu tinha a dizer e eu falei pra ele que o valor do dólar tinha reduzido consideravelmente. Todo mundo se entreolhou e eu perguntei qual era o problema de expressar minha opinião. A vizinha, jogando seus cabelos de sete cores para trás, me perguntou o que eu estava fazendo no dia 7 de novembro de vinte anos atrás. Eu disse que não sabia e um careca de três olhos, que julguei ser o advogado da minha vizinha, disse que eu estava omitindo informações, mentindo deliberadamente e assoando meu nariz na culpa alheia. O juiz bateu o martelo na sua própria cabeça, pedindo silêncio enquanto o som de um tambor ressoava pelo local. Novamente ele começou a falar e eu, a devanear. Então ele me perguntou se eu tinha algo a dizer em minha defesa. Eu mostrei minha espingarda pra ele e disse que estava muito bem protegido, agradecendo-o por sua preocupação. As pessoas no local começaram a cochichar e eu senti um cheiro de fumaça saindo do canto da sala. Era o cachorro da vizinha, vivo da silva e fumando um charuto alemão! O juiz disse que, como o cachorro estava vivo, não teria sentido continuar o julgamento, mas eu tinha acabado de dar um tiro naquela aberração. Dois chimpanzés vieram e me arrastaram pelos braços pelo local. Percebi que eles usavam fardas, eram os chimpanzés policiais, altamente treinados para lutarem kung fu e usarem armas mortais. Mas eles ainda coçavam a cabeça a procura de alguma cobra nos pelos e comiam bananas que saiam de algum lugar que eu não notei. Percebi apenas que sempre que eu os olhava, eles estavam comendo bananas. De todo jeito, eu não pretendia ser preso. Girei meus pés para trás e joguei os macacos no chão. A vizinha começou a me jogar facas, mas eu era rápido o bastante para desviar de todas. Dei um soco na parede, perfurando-a e dobrei o cano de água de modo que o jato de água cobrisse a cara da vizinha. Ela conseguiu se safar antes de afogar-se, pegou o juiz pela barriga e jogou-o em mim. Rolei meu corpo numa cambalhota e o juiz passou direto, entrando pelo cano do encanamento. Todos pararam. Pra onde o juiz teria ido? Só uma coisa era certa. Eu tinha que salvá-lo. Isso com certeza me inocentaria de ter livrado o mundo de uma atrocidade, reduziria drasticamente minha culpa e tornaria meus sapatos mais engraxados. Eu nunca tinha me perguntado de onde a água do encanamento vinha. Tirando o cano da parede, eu só tinha visto canos com água nos esgotos a céu aberto e no banheiro da minha casa. Provavelmente, ele teria sido levado para um desses dois lugares. Achei mais sensato olhar no córrego primeiro. Ignorei os olhares aflitos da multidão e a louca da vizinha e saí do aposento. Isso me lembrava uma coisa: eu não estava em chamas! Corri de alegria em direção ao córrego e tropecei na escadaria de saída do tribunal. Uma mulher que mais parecia um carvão ambulante começou a rir da minha cara. Pensei em espancá-la, mas não fiz isso, afinal nada de ruim que acontecesse com ela poderia fazer piorar sua situação. Levantei-me, sacudindo os dez quilos de poeira que acabaram acomodando-se em minhas roupas e livrando-me da água lamacenta dos asfaltos, segui meu caminho para o córrego.

            Lá estava o córrego, cintilante como sempre. Sempre que o via, me dava uma vontade involuntária de dançar músicas indianas. Talvez houvesse uma conexão... Isso não importava de qualquer jeito. Eu precisava me concentrar em encontrar o juiz, vítima de um surto da vizinha. Como ela poderia ser tão bruta e tacar o pobre juiz pelo cano? Mas eu tinha uma ponta de culpa nisso tudo, afinal, eu que entortei o cano na parede. Me escorei na borda da mureta e olhei nas águas no córrego. Não tinha nada além de fezes e lixo escorrendo elegantemente pelas águas. Legal. Isso queria dizer que o juiz estaria no banheiro da minha casa. Mal hesitei, e me vi correndo em direção ao meu lar.

            Quando minha casa chegou ao meu campo de visão, vi que e a imprensa toda estava lá, circulando-na. Imaginei o porquê. De qualquer jeito, eu não poderia mais me envolver em nenhuma encrenca... Joguei uma bomba de fumaça no meio da multidão e corri para dentro de casa. Fui dando estrelas até o banheiro e lá estava o juiz, entalado na privada. Corri para a cozinha e peguei a manteiga, esfregando-a na cintura do juiz e o puxei. Estranhamente, eu senti que aquilo foi a coisa mais esperta que eu já tinha feito na vida. Sentia-me como se nunca tivesse feito algo sensato durante toda minha existência, praticando aquele ato que amanheceria minha noite naquele momento.  O juiz me agradeceu por eu tê-lo desentalado e me deu uma lata de atum. Foi-se dizendo que eu era inocente de todas as acusações e que estava demitindo-se de seu cargo. Missão cumprida! Estava tão orgulhoso de mim mesmo! Abri minha lata de atum e a saboreei, quando tudo começou a ficar escuro. A voz da minha mulher gritava enquanto eu perdia a consciência...


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