Três. escrita por jubssanz


Capítulo 57
57. Fim.




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Já fazia pelo menos três horas que eu estava sentada naquele banco. As paredes do hospital pareciam se fechar em nosso redor. Eu observava cada uma das tristes expressões ali, sem saber o que fazer. Travis não havia parado de chorar um minuto sequer. Os olhos de Miles estavam vermelhos e inchados. Mark fungava, mas permanecia em silêncio. E eu... Eu não sentia nada. Tinha medo de sentir. Tinha medo de perceber o que estava acontecendo, o que podia acontecer.

Os garotos já haviam ligado para Annie e Michael, e eles já estavam indo para o aeroporto. No entanto, só chegariam pela manhã. Pela primeira vez, eu havia sentido compaixão por Annie. Me cortou o coração ouvir seus gritos desesperados no telefone.

Rebecca, Peter, Maris, Ferdinand, minha mãe e Lucy haviam ficado no jantar, afinal, havia outras pessoas ali, alheias a tudo aquilo. E eu me perguntava como podiam ser alheias. Será que elas não entendiam? Não compreendiam a gravidade da situação? Louis havia sofrido um acidente, e, pelas breves palavras dos paramédicos, a situação era grave.

Nós sabíamos que ele havia se acidentado poucos minutos antes de entrar na cidade. No último desvio para Canby, um carro em alta velocidade atingiu o carro de Louis, fazendo-o capotar. O motorista do outro veículo tinha uma fratura exposta na perna e algumas torções no braço. Eu o vira chegando ao hospital. Ele estava bêbado. Felizmente, alguns outros motoristas que passavam por aquela estrada naquele instante ligaram para a ambulância. Sabíamos também que os paramédicos levaram meia hora para chegar ao local e pelo menos quarenta minutos para tirá-lo do veículo. Só quando ele já estava dentro da ambulância foi que eles encontraram seu celular e discaram para o último número nos registros.

Eu já sentia minhas pernas e coluna doloridas, por passar tanto tempo sentada na mesma posição, mas não tinha coragem nem de me mover. O tempo parecia estar paralisado, levando em consideração que os únicos movimentos eram da mão de Mark que acariciava o cabelo de Miles e os tremores de Travis, provocados por seu choro constante. Eu tinha medo de me mexer e acabar voltando para a realidade. De acabar percebendo o que estava acontecendo.

Eu não sabia o que era pior, voltar-me para o presente ou para o passado. Comecei a lembrar do dia em que conhecera Louis. Aquele fora o dia que mudara minha vida. Querendo ou não, Louis era o começo de tudo. E, felizmente, eu já havia aceitado isso. Louis fazia parte da minha vida, e eu finalmente havia entendido porque Travis insistia em protegê-lo e procurar sempre por sua melhor face. Porque aquela era a maneira de lidar com alguém que amamos. Louis tinha seus problemas sim, e, em algumas vezes, era bem consciente do que fazia, não merecendo ser tratado como ‘coitadinho’. Mas, eu aprendi que não podemos nem devemos virar as costas para ninguém, principalmente quando a pessoa precisa de nós. E Louis precisava. De todos. Principalmente naquele momento.

Sorri, lembrando-me do dia em que Louis me encontrara caída de cara na calçada. Sorri lembrando-me do dia em que eu realmente o conheci, na sala de aula. Lembrei-me de como nós nos demos bem logo de cara. De como eu me sentia bem perto dele. Senti as lágrimas escorrerem por meu rosto ao lembrar-me da surpresa que ele organizara em meu aniversário, e principalmente, do nosso primeiro beijo. Cheguei à conclusão de que eu não poderia mais negar aquilo e jamais o faria novamente. Pensar na possibilidade de perder Louis me fez perceber o quanto eu o amava – ainda que de forma diferente do meu amor por Travis. Eu havia aprendido a amar Louis da mesma forma que amava Miles, Rebecca, Lucy. Louis também era minha família. Por isso, lembro-me de ter fechado meus olhos com fervor e desejado com toda a minha alma que Louis ficasse bem. Eu precisava dele bem. Todos nós precisávamos.

— Rora, acorde – Travis murmurou, me cutucando.

— O que foi? – abri os olhos, assustada. Olhei ao redor rapidamente, constatando que ainda estávamos no hospital. Desejava que aquilo pudesse ter sido apenas um sonho. – Aconteceu alguma coisa? Alguma notícia? – indaguei, preocupada.

— Eles estão chegando – Travis apontou com o queixo para a entrada do saguão do hospital, onde víamos Becky, Peter, Marise, Ferdinand, Lucy e mamãe. Levantei-me, rapidamente, ansiosa por alguma distração.

Eu nem tive tempo de falar nada, fui envolta em um abraço apertadíssimo de minha mãe assim que cheguei perto deles. Apertei meus braços em volta dela, sem ter mais o que fazer e deixei, mais uma vez, as lágrimas escaparem.

— Alguma notícia? – ela indagou, afagando meu cabelo.

— Parece que vocês a trouxeram – murmurei, observando por sob seu ombro o médico do plantão, que depois de horas, finalmente havia aparecido.

Puxei minha mãe pela mão e voltei para onde os garotos estavam sentados. Queria que estivéssemos todos juntos. Na verdade, aquilo seria um problema. Acho que se estivéssemos todos juntos, acabaríamos brigando para saber quem entraria no quarto primeiro.

Travis sorriu levemente enquanto minha mãe dava um beijo em sua testa. Ele segurou minha mão no instante em que o médico dava seus últimos passos até nós. Pelo canto dos olhos, pude observar Marise abraçada com Miles.

— Boa noite. – o médico disse em voz alta, encarando cada um de nós. Vi seus olhos se demorarem em Travis e Miles.

— Como ele está, doutor? – Travis indagou imediatamente.

Dr. Greg encarou seus próprios pés e eu senti Travis apertar minha mão com força demais. Aquilo nunca era um bom sinal. Ele respirou fundo e eu encarei minha mãe. Em seguida Marise e Ferdinand. Eu não podia acreditar no que suas expressões me diziam. Eles haviam entendido o médico. Já haviam interpretado seus movimentos. Mas eles o haviam feito de forma errada. Só poderia ser. Eu não poderia acreditar naquilo.

O médico respirou fundo mais uma vez.

— Nós fizemos o possível. Sentimos muito e...

Eu senti minha mão começar a tremer no instante que Travis a soltou, caindo de joelhos no chão.

*

Quantos dias haviam se passado? Quantos meses? Anos? Ou apenas horas? Porque é que as luzes continuavam acesas? O ar se movia? Porque estávamos vivos, se o mundo havia acabado? Obriguei meus olhos a se movimentarem, piscando. Eu queria apenas esconder aquela visão. Não queria guardar aquilo em minha memória.

Travis caído de joelhos. Miles se abaixou ao lado do irmão, e, eu imaginei que para levantá-lo. Eu jamais conseguiria imaginar que chegaria a ver Travis e Miles, no chão. Abraçados. Chorando desesperadamente. Destruídos. Porque era assim que todos nós nos sentíamos, eu sabia.

Tentei sair de perto, mas eu mal enxergava o que estava a minha frente. Quando dei um passo em falso, braços firmes me seguraram. Não precisei nem olhar para descobrir quem era. Apenas dona Sophie conseguiria ser firme num momento como aquele.

— Becky! – eu ouvi Peter gritar, parecendo distante, mesmo estando à meu lado. Olhei em sua direção e senti meu coração praticamente parar. Mark e Ferdinand seguravam o corpo inerte de Rebecca, branco feito fantasma. Seu corpo se encontrava em uma posição estranha, sendo amparado apenas pelos braços, a barriga de nove meses se projetava a sua frente, esticando o tecido do vestido que ela ainda usava, parecendo prestes a explodir. Percebi que Rebecca havia desmaiado. Essa foi minha última visão antes de sentir meu próprio corpo amolecer.

*

Abri meus olhos, com esforço. Sentia todo meu corpo dolorido e um cansaço insuportável. Não precisei de mais que dois segundos para me lembrar do que havia acontecido, e, desejei que pudesse voltar a dormir. Para sempre. Notei que o quarto estava escuro demais, e levantei o pescoço, olhando pela janela. Ainda nem havia amanhecido. Tentei me levantar, mas senti algo pesada sob minhas pernas. Estiquei o braço, acendendo a luminária e dei de cara com Becky dormindo em minha cama, com as pernas sob as minhas. Ela ainda usava seu vestido de noivado, e, incrivelmente, eu ainda usava meu vestido de madrinha. Parecia que havíamos sido carregadas até ali, e eu não duvidava que fosse exatamente esse o ocorrido. Encarei minha amiga adormecida, lembrando-me do medo que tomara conta de mim ao vê-la desmaiada. Não só por Rebecca, mas também pelo nosso pequeno e já amado Sam. Observei que, mesmo dormindo, ela mantinha as duas mãos espalmadas sobre a barriga, como se desde já, protegesse o pequeno de qualquer perigo que o mundo viesse a oferecer. E foi aquilo, aquele instinto maternal, amoroso, aquele instinto de zelar por uma vida que me fez perceber que nós deveríamos continuar. Nossas perdas são constantes. Podemos perder um ente querido por semana, mas nunca estaremos preparados para o próximo. Porque isso simplesmente não é algo que a nossa natureza vá entender. Se as coisas fossem como sentimos em nosso coração, teríamos as pessoas que amamos sempre perto de nós. Mas a vida não é assim. A vida nos prega peças, mas, às vezes, nos presenteia. O destino nos roubou uma vida. De um jovem divertido, apaixonante, carismático. Com seus defeitos, sim, mas quem não os tem? Louis tinha tudo para ser uma pessoa melhor, para ter uma vida melhor. No entanto, tragédias acontecem. O que confortou meu coração naquele momento, foi saber que, mesmo que por meio de uma simples mensagem de celular, Louis havia pedido perdão aos irmãos. De sua forma simplória, é claro, mas o fato é que ele o fez. E os irmãos perdoaram. Talvez, no fundo, Louis já soubesse que algo estava para acontecer. Ou talvez, não. Talvez ele tenha percebido o quanto os irmãos eram importantes na vida dele. E pensar que, por algumas horas, não foi tarde demais...

Encarei a barriga de Rebecca novamente.

Que tirana é a vida, não é? Enquanto choramos e lamentamos por uma perda imensurável, uma criatura indefesa, inocente e desde já muito amada se prepara para vir ao mundo. Por isso, nós também precisávamos estar preparados. Precisávamos acolher Sam e amá-lo com todas as nossas forças. Peter e Rebecca precisavam se mostrar pais presentes e carinhos, mesmo em um momento difícil como aquele. Como madrinha, eu assumiria aquele papel. Assumiria a frente. Jamais deixaria que Peter e Rebecca faltassem com amor para com Sam. Porque, não poderíamos permitir que pais não ensinassem a essência do amor. Por exemplo, Annie e Michael ensinaram a Louis a ser amado, mas talvez, nunca o tenham ensinado a amar. Por esse motivo Louis afastava todos que estavam dispostos a fazer isso por ele. E às vezes, pode ser tarde demais.

Empurrei as pernas de Rebecca, de forma delicada, e sentei na cama, sentindo minha cabeça latejar. Fiz um carinho em minha melhor amiga e em sua barriga – digo, em meu afilhado e me levantei. Foi só naquele instante que eu notei que havia outras pessoas naquela casa que provavelmente precisariam de mim. Dirigi-me para o banheiro e tomei um banho rápido, desejando tirar toda a dor de meu corpo. Tola. Minha dor não era física.

Desci as escadas esperando encontrar todos na cozinha, como de costume, mas apenas Marise e Mark estavam ali.

— Onde estão os outros? – indaguei.

— Bom dia, querida. – Marise murmurou, vindo até mim e me abraçando. Precisei me segurar para não sorrir ironicamente para suas palavras. – Sua mãe levou Lucy para um hotel. Ele disse que não quer deixa-la nessa atmosfera, e logo pela manhã vai procurar os papéis do apartamento. Pediu para avisar que não vai ao enterro e disse que espera que você entenda.

Eu assenti. Eu entendia, é claro. Minha mãe não gostava de cemitérios. Quem é que gosta? Eu mesma não iria ao enterro, se fosse outra pessoa. Se não fosse... Louis.

— Ferdinand e os garotos foram buscar Annie e Michael no aeroporto, e já devem estar chegando. Mas antes disso, querida, eu preciso lhe falar uma coisa. – ela continuou, apontando com a cabeça para a mesa. Oh, céus. O que mais teria acontecido?

Sentei-me, nervosa, e Mark puxou minha mão. Olhando seu rosto era fácil perceber que ele nem mesmo havia dormido.

— Annie e Michael vieram buscar o corpo. – Marise murmurou. – Eles vão leva-lo para a Flórida. Não querem que Louis fique aqui, por quê... Bom, por quê eles acham que a culpa é nossa.

— Como é? – indaguei, incrédula. – Você não pode estar falando sério! Marise, sua irmã é uma víbora!

Quando dei por mim, já estava em pé novamente, e minha voz estava bem mais alta que o normal.

— Eu sei, querida. – ela suspirou. – Nós já tentamos de tudo, mas Annie não cede de jeito nenhum. E não vai fazer. Eu a conheço.

— Porque é que ela está fazendo isso? – indaguei, sentindo as lágrimas escorrerem novamente. E eu achando que seria a forte que não chora...

— Ela disse que se Travis e Miles não estivessem aqui, Louis não teria se deslocado para cá, logo, não teria sofrido o acidente.

— Ela disse isso? – indaguei num fio de voz. – Ela realmente culpou os garotos pelo que aconteceu? Os próprios filhos? Como eles estão?

Marise estava prestes a me responder, mas foi interrompida pelo barulho do portão da garagem. Eu me desesperei, sem saber o que fazer. Sinceramente, pensei em subir correndo e me esconder até que todos fossem embora. Eu não podia simplesmente olhar para a cara maldita de Annie e fingir que nada estava acontecendo. Eu não poderia aceitar que ela culpasse os próprios filhos pela morte de Louis, e eu não poderia aceitar que ela o levasse embora. O lugar dele era ali, junto com os irmãos. Sempre. E... eu também não estava preparada para encarar Travis. eu não sabia como ele estava, e não sabia como lidar com a situação.

Cedo demais, a porta dos fundos se abriu, e Ferdinand entrou. Em quase um ano, eu nunca havia o visto tão cansado. Seus ombros estavam caídos, seus olhos vermelhos, sua expressão estava desolada. Seu rosto gritava “impotência”. Ele olhou para a esposa e balançou a cabeça negativamente. Logo atrás dele vinha Miles. Ele ainda usava o smoking cinza claro da noite anterior. Sua expressão era ainda mais triste que a de Ferdinand. Miles parecia uma criança. Não olhou para nenhum de nós, apenas sentou-se na mesa da cozinha. Nem mesmo Mark ousou chegar perto. E por último... Meu coração se quebrou em milhões de pedacinhos ao encará-lo. Os olhos de Travis estavam vermelhos e inchados, seu rosto nem mesmo estava triste ou cansado. Sua expressão era vazia. E eu soube que ele se sentia daquela forma. O encarei, sem saber o que fazer, e eu simplesmente não soube se deveria agradecer ou lamentar quando ele caminhou até mim, jogando os braços em meu pescoço. O abracei o mais forte que consegui, enquanto eu sentia todo seu corpo chacoalhar. Eu sabia que ele não havia parado de chorar desde que recebera a notícia do acidente, mas eu podia sentir que, naquele momento, naquele abraço, com aquelas lágrimas, ele estava colocando tudo para fora. Ele enfim havia mostrado o quão fraco estava. Enfim estava se livrando de toda aquela dor. E, em meio a tantas pessoas que o amavam, ele escolheu a mim. Foi por este motivo que eu engoli a minha própria dor e me mantive o mais firme que pude. Travis precisava de mim, e eu estava ali para ele.

*

Já passava das oito da manhã. Peter havia “vindo para casa”, Ferdinand estava descansando, Marise preparava o café – como se alguém tivesse fome. Rebecca finalmente havia aparecido, Mark ajudava Marise e Miles estava no banho.

— Eu não sei o que dizer. – Travis murmurou, entrando na cozinha. Sua voz estava dura. Eu sabia que ele estivera falando com o pai no telefone. – De minha mãe eu não esperava outra coisa, mas meu pai...

— Não fale assim. – Marise o interrompeu. – Você sabe o quanto Annie pode ser persuasiva. Você mesmo passou mais de um mês longe daqui porque...

— Eu sei, tia! – ele a interrompeu, exasperado. – Mas isso é diferente! Não se trata de um filho obedecendo a ordens! Ele é meu irmão!

— E ele é filho dela. – Marise rebateu. – Não estou a defendendo, de maneira nenhuma, mas meu amor, tente entender que ela também está sentindo dor. Tente imaginar o que é para uma mãe perder seu filho.

Travis pareceu ignorar o conselho, e se virou rapidamente para Mark.

— Legalmente... Há algo que possamos fazer? – indagou.

— Lamento. – o moreno balançou a cabeça. – Louis era maior de idade, mas, eles ainda eram seus guardiões legais e...

Eu não o ouvi mais. Tive uma ideia. Sai rapidamente da cozinha e subi as escadas correndo. Quase derrubei a cômoda ao abrir a gaveta, mas eu não me importei. Precisava acha-la. Depois de revirar todas as gavetas do quarto, a encontrei. A foto que minha mãe havia tirado em meu aniversário. Eu, Louis, Miles, Mark, Travis e Rebecca. Abraçados. Rindo. Felizes. Era o que eu precisava. Abri meu guarda-roupas e procurei por alguma coisa que me fizesse sentir Louis próximo de mim. Escolhi o vestido que eu usava no dia da surpresa, mas, acabei repensando. Por fim, escolhi minha camiseta do Capitão América, a azul marinho, aquela mesma que eu usava no dia em que nos conhecemos. O dia em que tudo começou. Procurei por alguma caneta no quarto e, quando a encontrei, pensei em algo para escrever atrás da foto.

“Louis, meu primeiro amor. Te levarei para sempre comigo. A.” Satisfeita com minhas palavras, vasculhei novamente o quarto, a procura de uma caixa de sapatos vazia. Encontrei a caixa da bota que Becky havia comprado na semana anterior. Aquela seria grande o bastante. Dobrei minha camiseta cuidadosamente e a coloquei dentro da caixa. Em seguida a fechei a lacrei toda a sua borda com durex, para que ninguém a abrisse. Peguei um estilete e abri um pequeno corte no tampo da caixa, largo o suficiente para que passassem todos os objetos por ali. Peguei a caixa e a foto e desci correndo. Quando cheguei, Miles já estava na cozinha e Travis e Marise ainda debatiam sobre as atitudes de Annie. Pelo menos Travis não estava chorando. Vendo que ninguém me dera atenção, pigarreei.

— Eu queria propor uma coisa. – murmurei, colocando a foto e a caixa sob a mesa. – Acho que não precisamos realmente ter o corpo de Louis enterrado junto a nós, mas, posso perceber o quanto isso é importante para vocês, por isso, acho que poderíamos fazer nosso próprio memorial. Vocês sabem o quanto ele ficaria feliz com isso.

— Feliz? – Miles indagou, me encarando. – Ele iria passar o resto da vida jogando em nossa cara que ele tem um memorial e nós não! – Miles riu.

Sorri, satisfeita. Era aquilo que eu queria causar. Queria amenizar a situação, embora soubesse que nada do que eu fizesse amenizaria a dor que eles sentiam. Procurei pelo olhar de Travis, ansiando saber o que ele pensava daquilo. Talvez eu o devesse ter consultado primeiro.

— Obrigada. – ele apenas mexeu os lábios, para que eu visse e mais ninguém ouvisse. Em seguida, sorriu.

Todos apoiaram a ideia, e ficou combinado que não veríamos o que cada um colocaria na caixa ou escreveria na foto. Depois de quinze minutos, a caixa já fazia barulho ao ser chacoalhada. Por fim, colocamos a foto lá dentro e Mark vedou o corte superior com durex. Cada um de nós encarava aquela simples caixa com um sorriso estampado no rosto.

— Sabe... – Becky murmurou, coçando a cabeça, enquanto Peter a abraçava por trás. – Eu acho que Louis me mataria se visse o que eu coloquei aí dentro.

*

Uma semana depois...

— Mãezinha, eu juro que hoje termino de trazer minhas coisas – eu disse, levantando-me da mesa. – Mas agora preciso mesmo voltar para o hospital. Rebecca vai me matar se acordar e eu não estiver lá.

Rebecca vinha sentindo contrações desde a noite anterior, e me obrigara a passar a noite com ela no hospital. Eu havia conseguido fugir logo cedo, e, ao chegar ao novo apartamento de minha mãe com a intenção de tomar um banho rápido, acabei de deparando com um loiro babando em meu travesseiro. Aquilo já havia se tornado constante. Travis passava mais tempo com que minha mãe do que eu mesma, visto que Rebecca não me largava por um segundo sequer. Eu sabia que dona Sophie estava aceitando Travis ali e se dando tão bem com ele porque sentia pena. Ambas sabíamos que tudo na casa dos Carter o lembraria de Louis, e queríamos fazer o máximo para confortá-lo. Sem falar que, ele acabaria ficando sozinho, já que eu estava com minha mãe e Mark com Miles. Ah, por falar em estar sozinho... Os nomes de Annie e Michael não foram citados desde aquela fatídica manhã. E eu sabia que aquilo permaneceria daquela forma por um bom tempo.

Antes que minha mãe pudesse responder, Travis entrou na cozinha, vestindo apenas uma calça jeans. Seu cabelo estava pingando e em sua mão encontrava-se a minha toalha.

— Vá vestir uma roupa, garoto! – dona Sophie ralhou. Assim que ele virou as costas, ela gargalhou. – Sabe, minha filha, eu achei que seria bem difícil trazer você para cá. – ela murmurou, olhando ao redor, se referindo ao nosso novo apartamento. – Mas acho que mais difícil mesmo vai ser tirar essa criatura daqui. – ela apontou para a porta na qual Travis havia entrado, revirando os olhos.

Gargalhei, e senti meu celular vibrar em meu bolso. Foi minha vez de revirar os olhos.

— Diga, Becky – eu resmunguei, levando o aparelho ao ouvido. Obtive apenas um grito eufórico em resposta. – O que foi? – perguntei, sem entender.

— ELA ENTROU EM TRABALHO DE PARTO – a voz de Peter berrou. – VAI NASCER VAI NASCER VAI NASCER VAI NASCER – eu pude ouvir Marise gritando desesperadamente. – AURORA POR FAVOR VEM PRA CÁ TRÁS A SOPHIE A LUCY E O TRAVIS ANDEM LOGO O SAM ESTÁ CHEGANDO – Marise berrava, sem nem mesmo dar uma pausa para as vírgulas. Eu nem mesmo a respondi. Apenas desliguei o telefone e corri para trocar de roupa enquanto minha mãe ia acordar Lucy.

Em menos de cinco minutos, estávamos os quatro de volta a cozinha – vestidos.

— Nós vamos demorar tempo demais se formos a pé para o hospital – lamentei.

— Podemos pedir para o Mark vir nos buscar. – Travis sugeriu.

— Tenho uma ideia melhor – minha mãe disse, tirando o celular do bolso. Ela discou alguns números, me deixando curiosa. Para quem diabos ela ligaria? - Alô? Oi, Ale, sou eu! – ela exclamou.

Meu queixo caiu e Travis deu uma gargalhada exageradamente exagerada. Acho que estava tão surpresa quanto eu. Nem mesmo prestei atenção ao que minha mãe dizia, apenas a encarei, incrédula. Ela desligou o telefone e desviou o olhar, sorridente.

— Mãe – chamei enquanto Travis ainda ria. Ela me ignorou. – MÃE! – berrei, sem saber se ria ou chorava. – Por acaso ele Ale é meu professor?

— Olhe, querida, não lhe devo satisfações e...

— Mãe!

— Ex-professor, Aurora, ex. – ela resmungou, corada.

*

Eu andava de um lado para o outro no saguão do hospital, eufórica. Nervosa. Ansiosa. E me perguntava como um mesmo lugar podia nos proporcionar tantas sensações diferentes. Há menos de uma semana, eu estava naquele mesmo saguão, e sentia como se uma parte de mim tivesse sido arrancada. E, naquele momento, eu sentia como se pedacinho de vida que me fora tirado estava sendo devolvido.

Ouvi passos rápidos ecoarem pelo saguão e encarei o médico ansiosa – graças a todos os deuses não era o doutor Greg.

— Quem é da família de Rebecca Carter? – ele indagou.

— EU! – um coro de vozes ecoou pelo saguão, e eu olhei ao redor, assustada. Eu, minha mãe, Lucy, o professor Alessandro (sim!), Marise, Ferdinand, Travis, Miles, Mark, Peter e Eloise havíamos gritado ao mesmo tempo.

— Tudo bem. – médico disse, rindo. – Então, reformulando: quem vai ser o primeiro a entrar?

Todos gritamos novamente, fazendo o médico gargalhar.

— Bom, precisamos tomar uma atitude drástica. – ele fingiu um expressão séria. – Vovó, me acompanhe. – ele disse a Marise. – O resto vocês decidem no palitinho.

Eu ri, vendo Marise saltitar eufórico atrás do médico. No entanto, ele parou de caminhar. Olhou para a recepção e observou a movimentação do saguão. Murmurou alguma coisa para Marise e voltou até nós, com passos rápidos.

— Façam uma fila e andem em silêncio – ele sussurrou. – Se aparecer algum médico vocês se dispersem rapidamente. Se alguém os achar já dentro do quarto, entraram por livre e espontânea vontade.

Todos nós assentimos e eu precisei segurar uma gargalhada. Travis entrou na fila bem a minha frente e segurou minha mão. Eu, Travis, Miles, Peter, Mark e Ferdinand íamos bem a frente. Minha mãe, Lucy, Alessandro e Eloise vinham mais afastados. Assim que paramos em frente à porta do quarto, senti meu coração acelerar.

Invadi o quarto, ansiosa, e me deparei com Becky sentada na cama, com os olhos vermelhos e o rosto cansado. Ao seu lado, uma enfermeira que encarou a todos nós, brava, e estava prestes a nos mandar sair quando o médico entrou. A mulher apoiou as mãos no quadril e riu, balançando a cabeça. Nos braços de Rebecca, encontrava-se uma criaturinha minúscula, mais branca que minhas pernas no inverno. De olhinhos fechados e pele enrugada, o pequeno Sam balançava delicadamente a mãozinha. Encarei-o com lágrimas nos olhos. Era lindo. E já era muito amado. O mais nova integrante daquela família louca. E foi exatamente naquele momento que eu aprendi o real significado do amor. Três pessoas que mudaram a minha vida. Três famílias fundidas em uma só – que acabaram somando mais duas família à conta. Três amores eternos. Meus três amores eternos. Sempre três.

1 ano depois

— Será que você pode andar logo? – Travis pediu, impaciente. Eu sei que ele está com pressa, e, por isso, estou enrolando o máximo possível. É sexta-feira a noite, e amanhã é o grande dia para Rebecca e Peter. Nós havíamos combinado de sair, todos juntos, para comemorar a última noite antes da nova fase de nossas vidas. No domingo pela manhã, muitas coisas mudariam.

Mas, espera, deixa eu te contar como estão as coisas. Rebecca e Peter irão morar com o pequeno Sam no apartamento que Miles e Mark alugavam há um ano, já que estes vão se mudar para New York logo após o casamento. Eles já tinham nos confidenciado que querem adotar uma criança. Uma linda garotinha negra de dois anos, chamada Valerie. Miles me mostrou muitas fotos dela, e eu devo admitir que seus olhos castanhos são os mais doces que eu já vi.

Travis praticamente mora conosco. Quando digo “conosco”, quero dizer: eu, Lucy, minha mãe e o professor Alessandro. Sim! Minha mãe e o professor estão se pegando, de verdade. Travis só não mora oficialmente aqui por dois motivos: meu pai não gosta nem de pensar na hipótese (sim, ele e minha mãe estão conversando e se tratando bem como dois adultos normais e maduros) e Marise está aparentemente depressiva. Ele vive se lamentando pelos cantos, dizendo que, em um dia, simplesmente não aguenta mais lavar roupa de adolescentes e, no outro, não restou mais nenhuma peça de roupa. Por isso, Travis às vezes dorme lá. Sabem como é, com os sobrinhos, os namorados e etc, Marise já teve sete filhos, então, realmente não deve ser fácil ver a casa vazia.

Ah, mas você deve estar achando que a vida é só flores, certo? Não mesmo, meu querido!

As responsabilidades chegaram!

Eu estou indo para o segundo ano da faculdade de Jornalismo. Travis iria começar a cursar Educação Física, mas resolveu esperar por Peter, já que ambos querem fazer a mesma faculdade. A maternidade libertou um lado de Becky que nós não conhecíamos. Ela decidiu que quer ser pediatra, e, para isso, só está esperando que seu pequeno monstrinho cresça um pouco. Mark continua no Direito e Miles está cursando Design, sendo que, nas horas vagas, adora promover as festas mais badaladas de Canby.

Sam é uma criança linda e adorável. Parece um anjinho. Quando está dormindo. Lucy desapegou um pouco d’A Pequena Sereia, talvez porque agora ela se sinta um pouco babá. Às vezes, meu pai deixa Henrie aqui, e ela se diverte muito cuidando do outro pestinha da família. Qual é o problema com essas crianças, hein?

Eu sinto muita falta de Louis. Todos sentimos. Mas gostamos de pensar que ele está em um lugar melhor, sempre olhando por todos nós.

E Travis... Ah. A cada dia que passa eu me apaixono mais por ele. Eu tinha medo que tudo não passasse de um romance de colegial, mas, eu descobri que meu amor é verdadeiro. É incrível como somos pessoas tão semelhantes e tão distintas. Eu não sei mais imaginar minha vida sem ele.

— Ô caramba, tô falando sério! – Travis resmungou. – Eu vou sair e te deixar aqui.

Carinhoso, sempre carinhoso.

Era aquele o momento. Me aproximei dele, sentando-me a seu lado no sofá da sala. Respirei fundo. Eu precisava contar. Todos já sabiam (até mesmo meu pai), e eu havia feito todos jurarem de dedinhos que não contariam. Eu queria esperar o momento certo para contar. E esse com certeza é o momento certo.

— Estou pronta – murmuro.

— Ótimo. – ele responde. – Desculpe-me se fui grosso, eu só...

— Eu preciso te contar uma coisa. – interrompo.

— Pode contar, Bela Adormecida – Travis responde, sorrindo.

Respiro fundo, mais uma vez. Sinto minhas mão tremerem. Delicadamente, tomo o rosto de Travis em minhas mãos e aproximo meus lábios de seus ouvidos. sem hesitar, sussurro o que estava me consumindo já há quase um mês.

— EU NÃO ACREDITO! CARALHO! NÃO ACREDITO! – Travis berra, pulando do sofá antes de me pegar no colo.


Fim.


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Notas finais do capítulo

Certo. Eu tô morrendo. Primeiramente, peço desculpas por qualquer erro de português. eu juro que revisei, mas estava tão nervosa que provavelmente deixei passar muita coisa haha desculpem tb por não ter respondido os reviews ainda, estou indo fazer isso agora. e ah, não vou falar muito aqui, só tenho a dizer que: ME AGUARDEM hahaha ainda tem meus agradecimentos e meu epílogo......... TCHARAMMMM enfim, ainda não se livraram de mim, muahahah beijo gurias (espero que entendam que a última parte foi super no presente e super informal, pq é a Aurora praticamente conversando com vcs)



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