Jovens do Novo Mundo escrita por VicKWicK


Capítulo 2
Dia da entrevista (parte 1)


Notas iniciais do capítulo

Postando um novo capítulo, pq tirei 9 na prova da facul que estava morrendo de medo



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Anne acordou no meio da noite. Esse era um problema que ela estava tentando solucionar, a garota acordava muito durante a noite e, às vezes, tinha dificuldade para dormir. Ficou um pouco mais na cama e, quando percebeu que o sono não voltaria sem uma ajudinha, levantou-se e caminhou para cozinha silenciosamente, tentando não perturbar o sono dos outros. No entanto, quando chegou ao corredor percebeu que a luz da cozinha estava acesa e escutou o som de vozes sussurradas. Eram seus pais e eles soavam apreensivos, ela percebeu com preocupação. Anne aproximou-se com cuidado e ficou próxima à porta, sabia que espionar os pais era errado, mas não conseguiu evitar. Ela não conseguiu ouvir muito, porém entendeu muito bem o que se passava e a informação a fez tremer da cabeça aos pés. 

Voltou para o quarto e fechou a porta sem emitir um barulho sequer, mas em sua mente havia um turbilhão de vozes. O pai havia sido demitido. Ainda havia o salário da mãe, mas ele não era suficiente para pagar as contas da família mesmo com todas as horas extras que ela poderia pegar. O pai poderia dar aulas particulares, mas não havia tantas pessoas com dinheiro para isso na cidade e as que tinham mandavam seus filhos para estudar em colégios particulares na capital. A cabeça da jovem girava, pensando em como poderia ajuda-los. Talvez pudesse arrumar um emprego, porém sabia que seus pais nunca permitiriam isso, mesmo que fosse só meio expediente. Eles diriam que ela deveria se concentrar em seus estudos, a fim de conseguir uma vaga em uma boa universidade. Pensou em quando eles diriam alguma coisa, provavelmente só estavam esperando o feriado passar e amanhã de manhã diriam algo, ou talvez à noite, quando sua mãe voltasse do trabalho. 

Mesmo com todas essas dúvidas e questionamentos, em algum momento da noite Anne voltou a dormir, mas não antes de uma ideia surgir em sua mente. Não era uma ideia agradável e pensar naquilo a deixava nervosa, mas ainda assim era uma ideia, uma que, nas circunstâncias em que se encontrava, não poderia ser descartada. 

O sol chegou mais rápido do que ela gostaria e, quando seu despertador tocou, ela pensou se seria algo tão ruim desliga-lo e perder o ônibus “sem querer”. Contudo ela acabou levantando-se, a final ela tinha uma missão a cumprir. Tomou um banho e arrumou os cachos, algo que ela não costumava se importar em fazer, pelo menos não para ir ao colégio. Os colegas estavam acostumados a vê-la em coques bagunçados e em rabos de cavalo mal feitos, sempre com alguns cachos esquecidos. Naquele dia, seus cachos estavam soltos e bem definidos, indo até a altura dos ombros e ela chegou a ponderar se deveria usar maquiagem, mas acabou optando por não usar, pois as pessoas achariam estranho. Não é como se ela não gostasse de escolher roupas e usar maquiagem, só que Anne achava difícil de importar com a aparência às 7 horas da manhã. Tomou cuidado para escolher a blusa de uniforme menos desbotada e uma calça jeans que não tinha rasgos, por fim saiu do quarto para tomar café da manhã. 

Sua irmã ainda estava dormindo, as aulas dela começavam mais tarde e a mãe de Anne a deixava na escola a caminho do hospital. Seu pai estava na cozinha, como era de costume, coando café. Ele parecia abatido, mas se esforçou para esconder isso da filha. Ela mesma se sentia abatida, mas era um pouco melhor em fingir do que o pai, ela sempre fora capaz de saber o que ele estava sentindo.  

—Bom dia, filha. Dormiu bem esta noite? – ele perguntou enquanto servia uma xícara de café para ela. 

—Sim, eu nem ao menos acordei durante a noite – “Sim pai, eu nem sai do meu quarto para espionar você e a mamãe. Aliás, como vai o trabalho?” 

Anne se segurou para não perguntar ao pai como ele havia dormido, e ele pareceu aliviado por não ter que mentir. Eles comeram enquanto ouviam as notícias pela televisão, o que se limitara às festividades do dia anterior e às entrevistas de hoje. Como sempre, o jornal fez um breve histórico sobre o programa Jovens do Novo Mundo e entrevistou alguns alunos na porta de uma escola. O estômago dela se revirou só de pensar no que ela havia decidido fazer e ela acabou por deixar seu café pela metade e voltou ao seu quarto para escovar os dentes e pegar sua mochila. 

Se despediu do pai ao sair de casa e rumou para o ponto de ônibus mais próximo de sua casa. Ter um carro era um privilégio que poucas famílias tinham, era muito mais barato andar de ônibus. Sua família tinha um carro, elétrico claro (carros a álcool e à gasolina haviam se tornado inviáveis no pós-guerra), mas eles evitavam usá-lo, o velho companheiro da família já estava começando a mostrar sinais de cansaço, por isso eles o poupavam ao máximo. O ônibus escolar parou ao seu lado e Anne embarcou, buscando com os olhos a pessoa que ela sabia que havia lhe reservado um lugar. 

Maria Luíza, ou Malu, era uma amiga de longa data. As duas estudavam juntas desde pequenas e eram quase irmãs, apesar de muitos acharem a amizade delas estranha. Malu sempre teve um visual meio alternativo, com mechas coloridas e roupas pretas, além se ser fechada, do tipo com poucos amigos. Diferente dela, Anne sempre foi extrovertida, gostava de conversar com muitas pessoas e de ir a festas. Mesmo com as diferenças, o interesse por livros acabou por uni-las e, aos poucos, foram aprendendo a lidas com as particularidades da outra. Quando juntas as duas pareciam perfeitos opostos, Anne um pouco mais baixinha, com a pele escura e os cabelos pretos e cacheados, enquanto Malu era mais alta, 175 centímetros talvez, com a pele branca e os cabelos que, esse mês, tinha um tom meio desbotado de rosa. 

—Bom dia, Miga. Como foi o final de semana? – Anne perguntou enquanto se sentava ao lado da outra. 

—Eu dormi bastante, então acho que foi bom. Claro, tirando o fato de que meus pais enfeitaram a casa toda e me fizeram cantar o hino da OGP com eles. – As duas riram, os pais de Malu eram mesmo uns fanáticos - E o seu? 

Anne respondeu que fora tudo bem e Malu fez uma careta, sabendo que era uma mentira, mas não pressionou a amiga, tinha certeza que ela contaria o que a estivesse incomodando mais cedo ou mais tarde. O resto da viagem ao colégio se passou com tranquilidade, mas, ao chegarem na porta, a atmosfera ansiosa que pairava sobre os alunos começou a afeta-las. Todos estavam falando baixo, olhando para a rua, sabendo que a qualquer momento um carro da OGP entraria no estacionamento. Anne não queria ficar ali para ver os representantes da organização chegarem, então puxou Malu e as duas continuaram andando até suas salas. Cumprimentaram algumas pessoas no caminho, percebendo o quanto as entrevistas afetavam seus colegas. Alguns pareciam positivamente ansiosos, outros apenas curiosos para ver quem seria convocado e, claro, tinha aqueles que pareciam que iam vomitar, alunos de 14 anos a maioria. A garota lembrou-se então de seu primeiro ano sendo elegível para as entrevistas, a diretora disse que ia indica-la e Anne chorou enquanto implorava para não ter que participar. Lúcia, a diretora, achou que era apenas o nervosismo do primeiro ano, mas Anne repetiu a cena desde então. 

Como se por mágica, a Lúcia, que ainda era diretora, apareceu antes que pudesse entrar na sala de aula. Malu observou por um momento e então a deixou sozinha para conversar com a mulher, que pediu que ela a acompanhasse até a diretoria. Já sozinhas na sala, as duas se sentaram e se encararam, Lúcia parecia estar pensando na melhor forma de dizer algo. 

—Bom dia, senhorita Niara,— esse era o segundo nome de Anne, tinha origem africana e significava “aquela que tem grandes propósitos”, o nome fora ideia de sua mãe e não haviam muitas pessoas que a chamavam assim – acho que você sabe porque eu te chamei aqui. Essa deve ser sua última chance de participar das entrevistas e, apesar de ter fugido nos últimos anos, ainda acho que essa é uma ótima oportunidade para você. Você é uma aluna inteligente e dedicada, exatamente o que o Jovens do Novo Mundo busca. Peço que dê uma chance ao projeto dessa... 

—Tudo bem. – Anne interrompeu Lúcia no meio de sua fala, a senhora ficou encarando-a como se não tivesse entendido muito bem o que a garota estava dizendo. - Eu vou participar, se for selecionada, claro. 

—Bom... – a senhora parecia um pouco surpresa. – Admito que achei que seria mais difícil convencê-la, mas fico feliz que esteja disposta a participar. Darei seu nome aos funcionários da OGP assim que chegarem. Já pode ir para sua sala senhorita Niara, a aula já deve estar começando. 

Anne pediu licença e se despediu. Tentava se consolar com o fato de que estava fazendo aquilo para tentar ajudar sua família, além disso, nem sabia se seria aprovada e ainda havia mais duas etapas para passar depois da entrevista e talvez até lá o pai já tivesse conseguido outro emprego. Ela receberia o dinheiro durante o processo e depois voltaria para casa e para seus planos futuros, a ideia a deixou satisfeita. Quando chegou na sala o professor já estava lá dentro, era aula de filosofia, uma de suas preferidas e, apesar disso, não conseguiu se concentrar, tudo o que conseguia fazer era lançar olhares nervosos para a porta. Ela só queria que o tempo passasse mais rápido ou não passasse nunca. 


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