Já passavam das três da madrugada e eles não faziam ideia disso. As luzes de Porto Lux resistiam sonolentas debaixo da chuva fina e lenta que caía sobre a cidade. Pela janela ao lado da mesa, entrava o ar frio que vinha do mar escuro além do cais do porto e brincava com a chama da vela acesa entre eles. De trás de seu balcão, o taberneiro que secava e guardava os últimos copos da noite os espiou por sobre um ombro e meneou a cabeça, meio irritado por ainda estarem ali quando tudo o que ele queria era fechar as portas e ir para a cama.

Mas os dois eram tão jovens...

Whuthering riu quando Jhony entornou a caneca de cerveja num grande gole e a bebida escorreu por um dos cantos da boca até cair sobre o peitoral da armadura. Ele olhou para o próprio peito e depois para o rosto dela, para aqueles olhos da cor do mar que brilhavam com a luz da vela. Aqueles olhos que pareciam queimar como aquela coisa dentro dele.

Jhony sentiu uma vontade quase animal de apertá-la nos braços e devorá-la inteira. Porque, pelos diabos, como ela podia ser tão perfeita para alguém como ele?

— Oh, Jhony. Você está bêbado! – ela apoiou o queixo na palma da mão e ficou a fitá-lo com aquele sorriso mole de quem também já havia bebido além da conta.

— Não estou. Posso provar.

— Como?

— Vou te contar uma história que aconteceu há muito, muito tempo atrás. Assim você vai perceber que posso me lembrar de tudo e que, portanto, não estou bêbado.

Ela concordou. Ansiosa e sentindo o corpo e a mente leves como plumas levadas pelo vento, Whuthering observou-o girar lentamente a caneca de madeira entre as mãos. Havia um sorriso esquisito em seu rosto quando ele, olhando pela janela, começou a contar sua história. Um sorriso de saudade por algo que jamais acontecera.

— Há muito tempo, existiu em Nevareth uma garota que sabia usar o arco como ninguém. Seus inimigos eram derrubados com uma flecha atravessada no coração antes mesmo de perceberem que ela estava lá. Ela era tão rápida que os olhos mal podiam acompanhar.

Então ele a olhou e viu que ela mordia um lábio enquanto o escutava.

— E essa garota era linda. Tão linda quanto um pôr do sol dourado... Não, ainda mais. E se você olhasse nos olhos dela, poderia ver tudo o que sempre quis.

Silêncio. Apenas o rumor do mar batendo nas pedras ao longe.

— Havia um cara também, um Guerreiro. – ele continuou. — Esse cara era louco pela garota, sabe? Ele iria até o fim do mundo por um capricho dela, enfrentaria os doze reinos para que ela lhe dissesse "sim". Ele morria de ciúmes só em pensar que ela poderia amar outra pessoa, ser tocada por outro homem... Então um dia ele disse tudo a ela.

Jhony apertou a boca numa linha tensa quando percebeu que Whuthering tinha os olhos cheios de água e amaldiçoou-se por aquilo.

— E o que aconteceu? – ela quis saber.

— O que você acha?

— Eu acho que você está dizendo que me ama e que quer que eu seja sua.

Ela imaginou que o coração poderia explodir por bater tão rápido e tão forte como estava batendo, e que a qualquer momento ela cairia dura bem ali, na frente dele.

Jhony sorriu e ela sentiu-se amolecer.

— E o que você quer? – ele perguntou.

Whuthering não precisou pensar na resposta, e antes que percebesse as palavras já haviam sido ditas:

— Quero que você me beije. Agora.

E ele o fez.

Beijou-a naquele instante, para espanto do taberneiro, e durante as horas de escuridão que se seguiram até o amanhecer. E quando o sol finalmente nasceu, eles estavam sentados juntos num deque do porto como se o resto do mundo não existisse.