A Rainha Dourada. escrita por AnaBonagamba


Capítulo 7
Topázios.


Notas iniciais do capítulo

Obrigada àqueles que estão me acompanhando, e para os novos leitores, bem-vindos!



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A manhã seguinte irrompeu como uma benção, quente e iluminada, o prelúdio de um dia produtivo. Os quartos preparados por Midgard, genuinamente confortáveis, serviram ao seu propósito: conceder um pouco de paz à companhia. Todos, em geral, pareciam descansados, empoleirados em colchões de improviso espalhados no alpendre da estalagem. Tauriel foi a única alojada distante do grupo, por ser uma dama, tomando o crédito que apesar de singela a casa era honrada em seus princípios de conduta. Thorin ficou ausente por um tempo, seu olhar questionador a incumbir Gandalf sobre tudo o que estava se passando ali e até onde pretendia chegar, já que logo estariam de partida e teriam que prestar depoimento aos senhores da casa.

– Uma coisa de cada vez, meu amigo. - disse o mais alto, erguendo as mãos na defensiva. - Tudo a seu tempo.

O futuro rei de Erebor sentia-se esvair todo o autocontrole contra a tranquilidade de Gandalf, como se o pior dos males já os tivesse deixado para trás. Thorin temia Ester, também, por mais que a menina cega aparentasse inocência, algo em sua atitude o deixara tão intrigado que demorou horas para sequer fechar os olhos e consumir-se pela fadiga. A serenidade com que ela os tratou, o modo como se portou diante da chegada dos anões e de Bilbo através do portal, reconhecer a existência do mago, comover a capitã da guarda de Mirkwood, a gentileza imensurável prestada a eles; estes foram alguns dos pontos que cogitara contestar, desconfiado. A moça não assimilava, a princípio, que eles realmente pudessem estar ali, assim como ele próprio demorou a perceber que não trilhava passos conhecidos, na sensação de sonhar.

Estava ciente que em breve sairiam do anonimato, e a reação diante disso era apenas uma suspeita. Manter sua identidade segura, por hora, os deixava longe de perguntas que temeria ter de responder, porém, engolir o orgulho era muito mais difícil. Talvez, se dissessem quem eram, de onde vinham e para quê, receberiam em troca o mesmo favor, e todos deixariam de ser estranhos. Esperava que pelo menos Gandalf lhe desse uma explicação viável, alternativa que proporia à comitiva uma justificativa adequada. Entretanto, silêncio, e vários de seus companheiros deliciados pelo prazer do sono. No íntimo de sua alma, o filho de Thráin esperava que aquele caminho desconhecido fosse uma operação de Mahal em seu destino.

Bilbo permanecera quieto, apenas observando ou se servindo de alguma comida que provavelmente não disporia tão cedo. O pequeno hobbit sentia-se ainda mais diminuto e insignificante ali, logo que terminaram a refeição, outra rodada da bebida amarga servida foi suficiente para subir as escadas até um dos cômodos. Ao que via, era cedo para recolher-se, o que lhe deu uns minutos de vantagem no quarto de lavar. Tomando a toalha em mãos, limpou o rosto vagarosamente com água aquecida em uma pequena chaleira. A sensação foi tamanha que, sem se deter mais um minuto, despejou o máximo que pôde na banheira, despindo-se num átimo. Com ajuda de uma caneca, lavou-se por completo, aproveitando o sabonete intocado para tratar dos cabelos, cujos cachos molhados chegavam a altura dos ombros.

– Quisera eu que tivéssemos nos perdido antes. - comentou com um sorriso, satisfeito pelo banho.

Já arranjado e envolvido em uma coberta de algodão, viu chegar Kíli e Tauriel. Ambos pareciam entregues ao cenário inovador, entendendo-se, na remota esperança futura de que ambas as raças pudessem se unir e fortalecer novamente. O jovem anão beijou a mão que há poucas horas o ameaçava, desejando que sonhasse com o céu azul radiante da manhã seguinte antes de entrar e encontrar o outro a fingir que dormia. Kíli suspirou, profundamente fascinado.

Apesar de lúcido, Gandalf estava pouco conformado. Não sabia o quão poderia comprometer o futuro, já que fora muito audacioso se permitir estar em um mundo cujas fronteiras ocultavam-se diante de um único propósito: evitar ameaças vindas das sombras de Sauron. Ele igualmente acreditava que sua extinção não havia sido completa, e agora, o Necromante em Dol Guldur apenas o intrigava mais. Se o senhor do escuro compartilhava dos seus, ele precisava saber e, quase certo do resultado da audiência, não poderia adiar: todo auxílio seria requisitado. Casualmente bem sucedido, repousaria.

Não lhe ocorreu que, estando com os anões e o hobbit, sua jornada particular complicava-se: não possuía, realmente, o intuito de trazê-los. O Istari poderia se desdobrar sozinho, agora não mais. Bilbo, tendo lhe provido o orgulho de abrir o portal para Stellaevi, despertando o interesse das fadas de Yamar, criava uma adversidade que surtiria indagações superiores, estas que tão logo acharia uma forma de esquivar.

Fíli foi o primeiro a se pôr de pé, não porque estivesse incomodado, na verdade, aquela tinha sido a melhor noite de sua vida. Sentia-se mais jovem que nunca, ansioso ao pensamento que logo estaria na presença de Lied, com sorte, esperando por ele. Já tinha, inclusive, preparado todo um roteiro para o diálogo matinal, pretendendo retomar o assunto interrompido pelo desastre do hidromel. Queria ser agradável e galante, como devia um varão de sua raça no ritual de cortejo. Apesar de Lied não ser uma anã, Fíli não descumpriria em nada os costumes de seu povo.

Penteou as madeixas loiras, surpreendendo-se ao ver que o irmão tomara a mesma precaução, afim de causar boa impressão à elfa. Este fato tirou-lhe um sorriso sarcástico dos lábios, ao imaginar o que a mãe e Thorin pensariam da situação: seus herdeiros se engraçando com estrangeiras, uma humana mortal e uma elfa da floresta. Mesmo que soasse terrível, era igualmente engraçado. A vida tinha, por fim, lhe reservado algumas surpresas agradáveis. Ao polir as botas e apertar rente ao corpo o cinturão e o casaco, notou Bofur às suas costas, rindo solitário.

– Parece que ontem a noite não foi apenas a bebida que o cativou, meu caro rapaz!

O jovem franziu o cenho, preparado para revidar, mas optou pela discrição. Não concordou nem discordou. Com um aceno de cabeça, desceu a escada com firmeza, o cheiro de pães e bolos recentemente assados inflamando-lhe as narinas. Até então não percebera que estava com fome, afinal, pouco tinha disposto de comida no jantar anterior. O galpão sequer assemelhava-se o mesmo sem toda aquela gente, mais calmo e incrivelmente mais limpo. Deveria de haver alguma mágica que pudesse polir o chão tão rapidamente, ou os serventes dispunham de fôlego ilimitado para cantar até que o último piso brilhasse como ouro.

Lied já iniciava o desjejum, sentada sozinha no canto da mesa, o copo de leite nas mãos e um livro no colo, as pernas cruzadas firmando apoio. Ele se aproxima sem se anunciar, atinando um sorriso contido nos lábios da outra, ao erguer o olhar a fitá-lo com interesse.

– Bom dia, mestre Fíli. Espero que o senhor e sua companhia tenham passado uma noite agradável. Ou eu deveria dizer a sua companhia e o senhor?

O anão tomou lugar a seu lado, enquanto ela lhe providenciava uma jarra de leite, juntamente de uma cesta com pães.

– Afirmo que esta foi uma das melhores noites após o início de nossa aventura, minha senhora.

– Suponho que sim. Este lugar é paupérrimo se comparado a outras estalagens próximas a fortaleza, se me permite dizer, seus recursos são limitados. Mas a bondade e a amizade nutrida entre os visitantes fazem com que seja especial e consolador.

– E o leite! - Fíli ergueu a jarra, balançando-a no ar como um troféu.

A moça riu deliciosamente diante da atitude do outro, mas logo desviou seu olhar para a escada, nitidamente curiosa.

– Aqueles são os amigos que me falara dantes?

Um a um, os anões iam chegando, rapidamente acomodados por Midgard na mesa imensa. O anfitrião lhes preparava, agilmente, uma pratada repleta de frutas e queijos, também uma garrafa com leite morno que ele mal conseguia segurar e, junto dela, mel real.

– Melhor que nada... - sussurou Ori para o irmão. Nori concordou com a cabeça, abocanhando um pedaço de queijo branco.

– Sim, quer ter com eles? - perguntou o loiro, estendendo a mão para Lied, uma súplica silenciosa. Hesitante, tentou ler a expressão em sua face, aceitando, vencida. Fíli tomou-lhe a mão carinhosamente, conduzindo-a.

A maioria dos anões continuou alheia a aproximação dos dois, dando sequência à refeição. Apenas Kíli, ao notar que o irmão afastava a cadeira oferecendo-a gentilmente para a bela garota, prendeu os olhos nos dois, estupefato. Jamais imaginaria o mais velho apaixonado, mas também, nem ele próprio apostaria redenção a um sentimento tão profundo, mas ali estava Tauriel, inflamando seu coração com uma chama que mal podia compreender. Aos poucos, os outros perceberam a movimentação e encararam com idêntico torpor. Glóin ensaiou uma risada satisfeita para o jovem enquanto batia na própria barriga: sinal de dever cumprido.

– Bom, meus amigos e familiares, gostaria de lhes apresentar Lied, minha, humm...amiga. ­– disse Fíli, com exagerada cortesia.

Kíli riu alto.

– Até quando?

A garota deixou-se levar para animação do outro, lendo a malícia em suas palavras como sinal de imprudência juvenil. Fíli censurou-o de imediato, o rosto claro adquirindo um tom vermelho sangue contrastante.

– Lied, esse é meu irmão, - lançou um olhar mortífero que fez o outro apenas esticar os lábios ainda mais. - Kíli.

– Ah! - exasperou-se. - Seria impossível de supor, meu caro, que vocês pertencessem à mesma família. Mas posso apostar minha única moeda de ouro que esta moça a seu lado é sua companheira, claro. - acrescentou, devolvendo a provocação embrulhada em ironia.

Kíli quase desfalecera de vergonha, o tom rubro anterior tomando-lhe as bochechas. Todos na mesa, incluindo Tauriel, sucumbiram a boas gargalhadas.

– Você mereceu. - disse a elfa gentilmente. - Não sou companheira do jovem anão, na realidade, ainda ontem eu o ameacei.

– Que brio! - ergueu-se Bifur. - Bem que há muito espero alguém dar a Kíli uma resposta adequada ante a tamanho atrevimento. Você tem meu respeito, moça.

– E o meu também! - confirmou Dwálin. - Mas espere, um momento, o que é você?

Bálin maneou a cabeça em negativo, incrédulo.

– Eu? - retraiu-se, já que todos contemplavam-na com incontida curiosidade.

– Não é uma elfa... - gesticulava Dori, analisando. - As orelhas são curvilíneas, e ah, olhem! Que belas orelhas ela tem.

– Também não é anã. - constatou Óin, atento a conversa. - Tão fina que uma brisa leve a sopraria para longe.

– Menos ainda uma eldariana, claro. - Gandalf acercou-se cautelosamente, junto de Bilbo. Ambos nem precisaram presenciar todo o assunto para compreenderem o que acontecia. - Ela é, da forma mais extraordinariamente ordinária, uma humana.

–Uma humana? Perdoe-me, mas uma humana não teria esses olhos. - disse Dwálin, respeitosamente. - Topázios.


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Notas finais do capítulo

Um pouco de sensibilidade e humor neste capítulo, ainda uma passagem. O próximo já está em andamento, cheio de teorias e explicações necessárias para que possamos mergulhar de vez nessa nova aventura. (Eu prometo!)

Eldariens são, em geral, o povo de raça pura pertencente a Stellaevi, daqueles que Lady Galadriel diz ter restado poucos. A palavra foi invenção minha a partir da denominação "Eldar" para os elfos, já que eles deverão partilhar características um tanto intimidadoras.

Devo notificar, meus caros, que minhas atividades acadêmicas retornaram e tenho absoluta certeza de que comprometerão a periodicidade das postagens. Tentarei, neste feriado, concluir metade da fanfic, uma maratona de "A Rainha Dourada" nas semanas seguintes, com capítulos programados, se for preciso.

Abraços de boa noite, e até breve!



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