Diamond

Semanas depois

Havia acabado de acordar de um cochilo. Estava dentro da caverna, que por sinal estava vazia. Era manhã, e os lobos se encontravam do lado de fora, fazendo sei lá o quê. Não me importei em saber. Apenas tinha conhecimento de que haviam saído para caçar mais cedo, porque me chamaram. Rispidamente, neguei. Eu andava de mau-humor, então preferia ficar distante.

As últimas semanas haviam sido tranquilas, no entanto. Aos poucos, os laços com Moony foram reconstruídos, e ainda estão sendo. É ótimo tê-la conosco. A companheira de Mike, Honey, que se juntou há nós faz algum tempo, começou a se entrosar melhor com todos. Ela é realmente muito bonita, com sua pelagem castanho-escuro e seu porte grande, porém elegante. Ela enfim se sentiu confortável para nos contar sua história, o que me deixou extremamente triste. Admirei-a silenciosamente por ser tão forte.

Acho que se pode dizer que a alcateia ficou mais divertida, mais viva. E eu realmente gostava daquilo tudo. Nossa rotina havia se tornado menos tediosa. Além disso, era ótimo ter Radius comigo todos os dias. De vez em quando ele e Mike discutiam pelas coisas mais insignificantes, mas logo voltavam a brincar como se fossem filhotes.

Radius... Eu e ele nos tornamos bem... íntimos...

Corei um pouco com a pequena memória e afundei a cabeça nas patas. Ainda ficava envergonhada com o ocorrido.

— Ei, você finalmente acordou. — não tinha visto mamãe se aproximar. — Você anda tão sonolenta esses dias.

— É, estranho, não acha? Nix sempre foi a preguiçosa. — sorri de canto, ainda deitada.

Ela sorriu para mim de uma forma... diferente. E lambeu minha testa. Observei-a sair calmamente da toca com um olhar de confusão em meu rosto. Antes de ir, ela olhou para trás.

— Durma mais um pouco, deve acordar melhor. Não esqueça de ir comer depois.

Bocejei ainda intrigada, mas resolvi seguir seu conselho.

Abri os olhos. Uma luz branca e forte invadiu toda a minha visão, e pisquei algumas vezes até me acostumar com a claridade. Um canto fraco de pássaros podia ser ouvido ao longe. Eu até poderia dizer que são rouxinóis, mas não tinha tanta certeza. Sorri. Gostava de rouxinóis.

Tentei me localizar. Neve cobria minhas patas, mas eu não sentia frio, somente uma brisa fresca. Aquele lugar era tão familiar, de alguma forma estranha.

Virei-me para trás para me deparar com uma figura lupina grande, de pelagem branca e dourada. Duas majestosas asas saíam de suas costas, e ela permanecia sentada, divagando, talvez.

Eu estava sonhando. Sonhando com a Deusa Loba. Mas que diabos, por que eu estava sonhando com a Deusa Loba? Franzi o cenho e tentei me aproximar, mas ela olhou para mim e começou a andar em minha direção, me fitando com seus olhos gélidos.

— O que está havendo? — perguntei, nervosa.

Ela não me respondeu. Próximo a ela, alguns filhotes de lobo surgiram. Eram pequenos e não paravam de ganir. Eles me olharam e se esfregaram em minhas patas, latindo um pouco.

Sorri, mesmo que confusa, enquanto aconchegava cada um deles em meu pelo.

Já era tarde. Não havia nenhuma luz forte ou neve, era apenas a caverna. Radius dormia ao meu lado. Engoli em seco. Entendi, finalmente, o que estava acontecendo. Isso explicava meu mau-humor, cansaço e falta de apetite.

Eu estava prenhe.

Realmente não sei como não havia imaginado isso antes, afinal, era óbvio de certa maneira. Me remexi um pouco, o que fez Radius acordar. Seu sono era leve, e ele me grunhiu antes de abrir os olhos.

— Você não cansa de dormir? — ele perguntou, sorrindo de lado. Era seu sorriso bobo, o meu preferido.

Dei uma risada um tanto forçada e encostei nossos focinhos.

— Acho que vou comer. Estou com fome. — disse e me dirigi a alguns restos de carne que se encontravam amontoados dentro da caverna mesmo.

Puxei o que parecia ser uma coxa e comecei a mastigar. Não estava muito suculenta, mesmo que ainda estivesse gostosa, mas esse era o preço por não participar da caçada. Suspirei enquanto continuei comendo outros pedaços do que um dia fora uma grande corça.

Olhei ao meu redor e todos estavam dormindo tranquilamente, até mesmo Radius acabara caindo no sono novamente. Ao que parece, o dia foi cansativo. Resolvi caminhar um pouco, sentir um ar fresco em meus pulmões. Logo me deparei com Honey, sentada, observando as estrelas.

— Ei. — cumprimentei a loba em tom baixo. Ela não deve ter ouvido minha aproximação, pois se assustou levemente.

— Oi, Diamond. — ela abanou a cauda. — O que está fazendo acordada?

— Bom, eu dormi o dia inteiro. — dei de ombros e me sentei ao seu lado.

— Oh, é verdade. Está se sentindo bem? Anda meio reclusa esses dias.

Corei ao perceber sua preocupação. Era muito gentil e atencioso de sua parte. Me recostei em seu ombro, tentando retribuir o ato.

— Estou... Não precisa se preocupar demais comigo.

Eu iria contar a verdade a todos, é claro. Mas contaria primeiro a Radius, pela manhã. Ele reagiria bem, tinha certeza disso, mas queria ser cautelosa. Meu coração bateu mais forte com o pensamento de nossos pequenos filhotes correndo por aí.

Ela se deitou e me olhou convidativa, como se pedisse para que eu me deitasse também. Assim o fiz. Pensei em como fui ligeiramente estúpida com a minha raiva por Amber, mas suspirei aliviada, de certa forma, por saber que Honey amava muito meu irmão. Ela era uma loba incrível e fazia Mike muito feliz, e meu coração se alegrava por isso. Também ficava feliz por me dar bem com ela.

Honey e eu trocamos algumas mordidas de brincadeira por um tempo e depois ficamos apenas observando o céu. A Lua estava cheia, e sua luz era forte sobre nós. Me aconcheguei no pelo de Honey e após algum tempo, a loba dormiu. Permaneci deitada, com a luz da Lua banhando nossos corpos, e adormeci depois de algumas horas.

Acordei bem pela manhã, o Sol ainda estava nascendo. Honey continuava ao meu lado, então tentei me levantar da forma mais silenciosa possível para não a perturbar. Ainda assim, ela se remexeu um pouco, abrindo seus olhos acanhadamente.

— Dormirmos aqui fora. Por que não entra? — sussurrei a ela, que assentiu preguiçosamente. A loba se levantou e se espreguiçou, mostrando toda sua musculatura. Lançou-me um sorriso e foi andando em direção à caverna. Fui junto dela. Precisava falar com Radius.

Chegando lá, ela voltou a dormir ao lado de Mike, que apenas resmungou baixo ao sentir sua presença. Ao notar o cheiro de sua companheira, permitiu que ela se aconchegasse em suas patas e lambeu seu focinho. Papai já não estava mais na caverna. Provavelmente havia saído para uma patrulha matinal.

Radius continuava no mesmo lugar, belo como sempre. Cutuquei-o com o nariz numa tentativa de acordá-lo, mas apenas provocou um suspiro dele. Tentei novamente, dessa vez com minha pata direita, e ele abriu seus olhos castanho-esverdeados para mim.

— Bom dia. — cochichei.

— Bom dia, princesa. — ele se levantou, espreguiçando-se.

Retesei as orelhas, buscando as palavras para falar com ele.

— Precisamos conversar, mas queria que fosse em um lugar mais privado, não aqui na caverna.

Ele sacudiu a cabeça e concordou em seguida, mesmo que estivesse confuso.

— Sobre o que temos que conversar?

— Já vai saber. — falei calmamente e comecei a andar. O lobo alaranjado apenas me seguiu.

Fizemos uma caminhada tranquila, enquanto sentia algumas fracas gotas de chuva caírem em meu pelo. O céu estava nublado e o clima estava fresco, o que era meio difícil de acontecer em Amethyst Mountain.

Ao chegarmos em um lugar mais afastado, sentei-me.

— Então, o que houve? É algo grave? — preocupação podia ser facilmente detectada em sua voz.

Suspirei.

— É algo importante. Mas não precisa se preocupar. Eu acho. — estava me embolando um pouco, então suspirei e tentei manter a calma. — Só queria contar para você primeiro.

Ele me olhava com ansiedade, me dando permissão para continuar. Algumas rajadas de vento começavam a passar por nós, enquanto a chuva tomava seu rumo. Não estava muito intensa, e sim agradável.

— Bom... eu estou grávida, Radius.

Sua expressão preocupada se transformou num lindo sorriso, e ele roçou seu focinho no meu.

— Isso é ótimo, Diamond! — ele me abraçou. — Vamos ter nossos filhotes, criá-los em nossa alcateia!

O pensamento me abalou um pouco. Mas eu teria que ir embora. Não necessariamente para sempre, mas apenas até os filhotes atingirem uma certa idade, pelo menos. Tentei ignorar o fato por enquanto e pensar apenas nas pequenas bolinhas de felicidade.

— Está mesmo feliz? — perguntei, sorrindo.

— É claro! Não imaginei que fosse acontecer assim, logo de cara.

Corei pela décima vez lembrando daquele dia. Quando ficamos... juntos. Radius percebeu e deu uma risada, ainda me acariciando.

Então ele se afastou um pouco, ficando de pé em minha frente. O sorriso permanecia em seu focinho. Seu olhar me percorreu de cima a baixo e o lobo soltou um suspiro.

— Diamond, eu quero você para o resto da minha vida. Preciso de você comigo. — ele começou a falar, um pouco nervoso. — Acho que não existe momento melhor que esse para eu te dizer tudo isso. Você me libertou desde o dia em que te conheci. Eu estava tão perdido naquele dia, mas você não chegou a ver. Foi o mesmo dia em que saí da minha alcateia.

Tremi um pouco ao escutá-lo falar, mas permaneci em silêncio. Não queria cortá-lo.

— Mal posso acreditar em tudo que aconteceu e, sinceramente, mal posso acreditar que teremos nossos filhotes. Mas estou feliz por tudo isso. Eu quero que seja minha companheira de verdade, pra sempre. Eu te amo. Quero me unir com você. Aceita casar comigo? Com todas as cerimônias de companheiros?

Senti um nó na garganta e borboletas no estômago, que se transformaram em lágrimas que começaram a cair dos meus olhos.

Tudo que pude fazer foi derrubá-lo no chão e lamber seu focinho enquanto dizia “sim” repetidas vezes.