Julie

Três semanas haviam se passado e parecia que eu tinha engolido um alce inteiro. Eu mal conseguia correr, então só me restava ficar deitada na toca. Essa rotina monótona estava me deixando louca, e acho que as bolinhas de pelo perceberam isso, pois numa manhã aconchegante, um dia agradável de primavera, comecei a sentir uma dor imensa.

— Hmmmph... — eu gemia baixo, enquanto Loki e Doug brincavam de lutinha. Shadow, Tex e Jinx estavam caçando, como sempre. Então um pensamento me veio à cabeça:

“Será que... Não! Não agora! Filhotes, vocês não podem esperar mais um pouquinho?” Eu dizia em pensamento.

Gemi de dor ao levar um chute bem dado. Acho que isso foi um não.

— Julie? A senhora está bem? — Doug logo parou de brincar com seu irmão e veio até mim. Não queria deixar eles preocupados demais, mas precisava ser realista.

— Na verdade, não. Acho que os filhotes querem nascer agora. — eu revelei num tom de alegria e preocupação. Era minha primeira ninhada, o que podia se esperar?

— Ah! — Doug deixou escapar um leve grito. Ansiedade pôde ser sentida no ar. – Há algo que possamos fazer para ajudar?

— Acho que não, meninos... — tentei dar um sorriso. — É um parto. Infelizmente, tenho que fazer isto sozinha.

Doug e Loki abaixaram a cabeça e se sentaram perto de mim. Suspirei em gratidão. Achei o gesto muito amável da parte deles.

— Vai dar tudo certo, Julie. — Loki me confortou e eu apenas sorri.

Então, os chutes ficaram mais fortes e as dores mais insuportáveis ainda. Meus gemidos se tornaram uivos de dor. Acredito que Shadow, Jinx e Tex conseguiam me ouvir.

Assim, os irmãos deitaram ao meu lado, enquanto acariciavam meu pelo, tentando me deixar mais calma e confortável com toda a situação. Estava funcionando. Mesmo sentindo tanta dor, era bom senti-los ali comigo. Fechei meus olhos. Não porque eu queria, mas eu já não conseguia mais mantê-los abertos. Admito, eu estava com medo.

De repente, ouvi vozes e passos corridos.

— Julie! Julie, você pode me ouvir?! — era Shadow num tom de extrema preocupação.

Eu tentei falar, mas nenhum som saía da minha boca. Então assenti com a cabeça. Eu acho. Ele se deitou bem ao meu lado e ficou abraçado a mim, enquanto eu só arfava e uivava de dor. Aquilo era agonizante.

Porém, como um arco-íris que vem depois de uma tempestade, senti algo sair de mim. E eram os pequenos filhotes.

— Nasceram! Olhem, que preciosidades! — Jinx exclamou, notavelmente encantada.

Eu queria vê-los, mas não tinha forças para me levantar. Então Shadow os trouxe até mim assim que eu abri meus olhos. Comecei a limpar um por um, e eles começaram a se rastejar à procura do meu leite.

— E-eles são t-tão... — Shadow me impediu de completar a frase com um "shh".

— Não precisa dizer nada. Todos os cinco são lindos, assim como você. — ele completou.

Cinco?! Cinco filhotes! Naquele momento, eu só queria chorar. Não de tristeza, mas de emoção e felicidade. Eu havia dado à luz a cinco pequenos filhotinhos saudáveis.

— Ei, esse é preto como o Shadow! — ouvi Loki dizer.

Encontrei o filhote em meio aos irmãos. Todos estavam mamando freneticamente. Ele tinha razão; o filhote possuía o mesmo tom escuro do pai.

— Mas... como a gente vai saber quem são os machos e quem são as fêmeas? — Doug questionou, me fazendo dar uma pequena risadinha.

— Ora, querido, estou surpresa que tenha perguntado. — Jinx disse suavemente. — Por que não os fareja?

Doug os cheirou com curiosidade, tentando entender o ponto de sua mãe. Para identificá-los, bastava apenas sentir seu odor. Mas por terem acabado de nascer, ainda era muito fraco e mesclado com outros cheiros, por tanto, era difícil de distinguir.

— Aroma estranho. — foi a resposta do pequeno lobo. — Vocês conseguem identificar?

Jinx sorriu e lambeu seu focinho.

— Por enquanto isso não é o mais importante. Com o tempo esses outros odores misturados irão desaparecer e tornará isso mais simples. 

Ela estava certa. Contudo, após farejar o filhote escuro e um outro meio branco, sabia que eram fêmeas. Estava claro para mim. 

— Sim, ainda é difícil. — eu disse. — Mas esses dois aqui — lambi os dois filhotes. — são fêmeas. Tenho certeza.

— Bom, deve ser mais fácil para você separar os cheiros, definitivamente. É o que acontece com as mães. — Jinx se aproximou das pequenas e as acariciou. — Mas que bom que teremos duas meninas!

 Enquanto isso, Loki parecia entusiasmado com toda a situação:

— Legal! Então já podemos escolher o nome delas?

— Podemos. Mas primeiro temos que ouvir as sugestões de Shadow e Julie. Eles são os pais. — Tex disse contendo seu filhote. 

— Hm... Ok. — o lobo cinzento gemeu em frustração.

Todos sorrimos e Shadow encostou nossas testas.

— Bem, Julie, você tem alguma sugestão para essa pretinha? — ele me perguntou.

Engraçado, porque eu tinha.

— Mid... Midnight. — eu respondi. Era o nome perfeito.

— Eu gostei! — Doug exclamou.

— Eu também. — Loki completou, enquanto sorria.

— Bem, então Midnight será o nome. Nada mais justo do que eu escolher o nome da branquinha. — Shadow estufou o peito.

— C-claro. — eu revirei os olhos num tom de brincadeira.

Peguei a filhote com a boca e a coloquei entre minhas patas, limpando-a mais um pouco. Midnight não parava de ganir, mas após algum tempo sendo lambida, cochilou apoiada em meu pelo.

— Ah, Shadow! Deixe-me escolher, por favoooor! — Loki suplicou. — Você escolhe o nome do outro branquinho! — ele apontou para outro filhote, ainda mais claro do que a bolinha de pelo em questão.

— Está certo, está certo. — Shadow disse, rindo. — Você venceu, Loki. Pode escolher.

— Ótimo! Que tal Nix? — ele sugeriu, todo orgulhoso.

Nix era um nome muito bonito, e por alguma razão parecia combinar perfeitamente com a filhote de pelos claros. 

— Gostei do nome, garoto. O que acha, Julie?

— É lindo. — eu disse sorrindo. Fiquei satisfeita por conseguir completar uma frase com decência.

— Então Nix será. Não era bem esse o nome que eu tinha em mente, mas... — ele deu de ombros. — É bem bonito.

Assim que os outros filhotes terminaram de mamar, fui para dentro da toca com todos eles. Era meio apertado, admito. Mas desde que todos eles ficassem ali comigo, não tinha problema nenhum. Aquelas bolinhas de pelo agora eram meus tesouros mais preciosos.

 ***

 Poucos dias depois, já conseguíamos saber perfeitamente quais eram os machos e quais eram as fêmeas. Curiosamente, somente um dos cinco era macho. Estávamos todos reunidos numa espécie de roda para escolhermos os nomes dos três outros filhotes. 

Peguei o macho que tentava se arrastar para longe pelo cangote. Era engraçado ver os filhotes tentando se locomover — eles tinham dias de nascidos e não conseguiam enxergar ou ouvir direito, quanto menos andar. O pelo dele era marrom, num tom meio escuro, que provavelmente clarearia no futuro.

— Bom, quais as sugestões de nomes? — perguntei ansiosamente. 

— Que tal Neko? — Tex perguntou. 

— Não gostei, Tex. Desculpe. — eu disse rindo.

— Tudo bem, nem eu gostei. Estava só brincando. — ele riu também.

— Já sei! Mike! — Doug latiu de seu lugar

Hum... Mike é um nome bem fofinho para um filhote bem fofinho. Conseguia me imaginar no futuro chamando-lhe assim.

— Eu gostei! – me manifestei.

— É um bom nome. Também gostei. — foi a vez de Shadow dar sua opinião.

Assim, mais um filhote ganhou nome: o pequeno Mike. Coloquei-o na toca junto à suas irmãs e peguei uma que era bem parecida com Mike, porém, era menor. Ela era incrivelmente adorável. 

— E essa pequenina aqui? — coloquei-a no chão, lambendo-a.

— Não sei. Ela é igual ao Mike... Mika? — Loki disse com uma expressão confusa. Todos começamos a rir, tanto da sugestão quanto da cara dele.

— Mika é horrível, Loki! — Jinx ladrou enquanto ria. — É ainda pior do que Neko!

— O que acham de Moony? — eu indaguei. Moony era bem bonitinho, e podia abreviar para Moon. — Assim poderíamos chamá-la de Moon também, como forma de apelido.

— Moony é uma graça! Eu adorei! — Jinx exclamou sorridente.

— Não sei porque, mas parece combinar com ela... Vai ser Moony. — Shadow decidiu.

Coloquei a pequena junto aos outros e sussurrei em seu ouvido:

— Você é a pequena Moon. Minha pequena Moon.

Ela apenas soltou um leve ganido, quase que inaudível, enquanto tentou mordiscar meu nariz. Ela era realmente fofa. 

Então olhei a última filhote sem nome: a mais branca de todas. Ela estava deitada lambendo a orelha de Mike.

“Esses filhotes vão me matar de tanta fofura!” — eu dizia em minha cabeça. 

Peguei a branca e olhei para Shadow.

— Então, Shadow, qual nome você quer dar a essa aqui? — eu lhe perguntei enquanto sorria com a pequena na boca, que tentava lamber meu focinho a todo custo.

Ele fitou a filhote, que tentava entender o que acontecia. Provavelmente estava enxergando apenas alguns borrões. Ela deu uma espécie de risadinha e ele abriu um largo sorriso, encantado com tamanha delicadeza vinda da bolinha de pelo.

— Diamond.