A Protegida escrita por Rosa Negra


Capítulo 3
Capítulo Três - Cerejinha


Notas iniciais do capítulo

Olá! Este era para ser dois capítulos, mas como não gosto dos mesmos pequenos, resolvo junta-los. Compareçam nos comentários, eu realmente preciso de opiniões sinceras. Boa leitura!



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– Há tantas coisas no mundo melhores do que pizza. – Disse com a boca cheia de hambúrguer, deliciando-se enquanto eu carregava sua latinha de Coca-Cola.

Caminhávamos pelas calçadas calmamente, observando a tudo. Como adolescentes do ensino fundamental, discutindo alto sem preocuparmo-nos se haviam pessoas olhando, ou reprovando o comportamento mal-educado de dois jovens adultos.

– Não. Isto é apenas por que você é tão apaixonado por hambúrguer, quanto eu sou por pizza.

– Não. Você é viciada nisso, eu apenas gosto do hambúrguer. – Deu a última mordida. – Eu não consigo imaginar como deva estar seu fígado e ainda me pergunto como seus rins funcionam. Aposto que é por que a sua mãe te obriga a comer comida orgânica para compensar. – Ele amassou o saquinho e limpou a boca com o guardanapo. – A lixeira está do outro lado da rua, vamos atravessar. – Me segurou pelo braço antes que eu protestasse e correu levando-me junto.

– Seu maluco! Quase fomos atropelados! – Puxei meu braço dolorido por conta do aperto potente.

– É, e agora, você teve mais uma lição de que se deve atravessar na faixa de pedestres quando o sinal estiver fechado. – Grunhi enquanto ele caminhava para a lixeira pregada ao poste. – E não se esqueça: sempre segure a mão de um adulto!

Estava mais que aborrecida por conta da implicância incessável e constante do ruivo, ou melhor, um branquelo de cabelos negros que os pintava de vermelho.

– Eu não sou nenhuma criancinha! – Explodi sentindo a veia pulsar em minha têmpora e minhas bochechas esquentarem. Joguei a latinha no chão vendo o liquido negro escorrer pela calçada.

– Não é o que está parecendo.

Suspirei pesadamente virando-me de costas e caminhando na direção em que eu julgava ser a do apartamento. Eu não tinha a chave, mas se fosse preciso esperar algumas horas para Castiel aparecer e abrir a porta, eu esperaria paciente, com mais gosto do que acompanha-lo enquanto ele preocupava-se apenas em me irritar, porque ele aparentemente adorava isto e resolveu me tomar como seu mais novo passatempo. Mas como se minha irritação e comportamento aborrecido o instigasse, veio atrás de mim.

– Eu só queria... Queria saber o motivo de tudo isso. – Desabafei. – Quem é você, de verdade?

Juntou as sobrancelhas como se estivesse entre tomar a decisão de responder, ou como de costume, ignorar a pergunta. Para minha surpresa, após ele fechar o zíper do casaco preto e caminharmos por mais alguns minutos silenciosos, o ruivo – tingido – respondeu, atraindo ligeiramente minha atenção.

– Eu, há alguns meses, fui promovido e recebi esta promoção. – Meditou nas palavras que usaria a seguir, batendo o indicador nos lábios incrivelmente rosados. – Com um grupo, tive que investigar sobre... Você não pode saber o que.

Suspirei aborrecida apertando os punhos dentro dos bolsos com tanta força, que os nós dos meus dedos ficaram brancos e a pele macia, arranhada.

– Continue.

– Depois de descobrirmos o risco que você corria, eu fui designado a tomar conta de você e alertar os outros, caso fosse preciso. Por isso me mudei temporariamente para ser seu vizinho, mas a verdade, é que eu moro mesmo aqui. Não me pergunte por que eu trouxe você para a minha casa. – Assenti curiosa, mas contive esta pergunta na garganta.

– Então, estavam me vigiando e não me alertaram sobre os riscos? – Perguntei acusadora.

Castiel deu de ombros.

– Se te contássemos, você agiria de jeito suspeito e os outros, que também te vigiavam, suspeitariam.

E eu afastaria o Matt, poupando-o do destino cruel que teve.

Costumeiras, como sempre, lágrimas silenciosas brotaram nos meus olhos acastanhados e desceram mornas pelas bochechas. As limpei rapidamente, pois não gostava que me vissem chorando.

– Então, você é meu guarda-costas?

Ele sorriu dando de ombros novamente.

– Talvez.

(...)

Havia dias que não saía daquela casa fria e, neste momento, encontrava-me sentada diante a televisão que jazia desligada lendo um livro recém-lançado que continha à vida pessoal de uma garota muito clichê; o que realmente me irritou, embora o livro tivesse uma capa bonita e um enredo bastante descontraído.

Uma garota que perdeu os pais conhece um cara lindo e sarado que é muito misterioso. Logo se envolve em um enredo bastante romântico e, no meio do livro, ganha superpoderes, luta com o antagonista e depois que consegue se salvar para logo viver seu eterno romance partindo o coração do outro rapaz que era apaixonado por ela, uma pessoa importante morre e outro antagonista, muito pior, surge para que o cara sarado a salve.

Afundei a cabeça entre as almofadas pondo o livro aberto em cima do rosto. Por que, entre tantos livros, eu tinha que escolher justo aquele? Por que não havia escolhido um livro contado pelo ponto de vista de um empresário viúvo, rico e charmoso que conhece, entre tantas mulheres, uma loira gostosa que queria dar-lhe um golpe, mas acaba se apaixonando e tenta salva-lo dos outros golpistas? Isto sim fugiria de todo o clichê e seria interessantíssimo.

Estalei o beiço.

Aquela era uma idéia perfeita para ser digitada. Porém, não havia computadores, ou notebooks que eu pudesse usar. Este era outro problema de viver com Castiel; não sabia como pedir algo a ele.

Além de ter que largar o trabalho como bibliotecária – que fazia render bastante grana, além da ajuda dos pais – tive de lagar a faculdade de letras. Eu realmente iria me tornar escritora e expandir o blog sobre resenhas que estava durante três dias, intocado.

Eu precisava tomar uma atitude.

Levantei-me do sofá deixando o livro que Castiel havia comprado para mim em cima da mesinha de centro.

– Castiel. – Chamei batendo na porta de seu quarto mais quatro vezes. – Castiel há um rapaz querendo falar com você.

Afastei-me assustada quando a maçaneta girou e a porta foi abruptamente aberta. O ruivo passou apressado por mim. Ri de sua expressão de confusão ao ver a sala vazia.

– O...

– Desculpe, mas você só me ignora. – Cruzei os braços e me escorei na parede sentindo-a sólida e fria contra meu ombro.

Ele virou-se pera me encarar com seu rosto raivoso e só então, pude perceber que segurava uma pistola com as duas mãos. Eu não sabia quase nada sobre pistolas, mas me perguntei se esta estaria destravada. Empalideci e engoli em seco antes dele travar a arma novamente e eu puder ter certeza que ele não atiraria em mim, porém continuou com a sua carranca caminhando em minha direção.

– Escuta. Apenas pessoas muito amigas sabem onde eu moro. Ninguém vem aqui sem me avisar antes. É assim que eu tento te manter protegida. – Apertou meus ombros. – Entendeu?

– É-é, queria só conversar com você.

– Como eu já falei você é mesmo uma criancinha. – Desapertou meus ombros e entrou novamente no quarto, mas não fechou a porta, o que me deu a chance de invadir a sua privacidade e constatar que ele não era um completo bagunceiro.

A cama estava com o lençol debaixo que talvez tenha sido feito sob medida para ela, mas os outros restantes pareciam terem sido chutados durante todo o dia por um espasmódico. Um lustre abalizado pendia no teto dando elegância ao cômodo aconchegante, mas pungente, fazendo-me indagar-me mentalmente se ele não cairia do teto e perfuraria a cabeça de alguém. Que tipo de pessoa tem um lustre desses no quarto?

– Você não queria atenção? Vai logo e fala o que você quer.

Ele jogou-se na cama. Puxou um travesseiro e afundou a cabeça no mesmo, fazendo com que o lençol da cama farfalhasse e se amassasse sob o peso corporal do homem sobre ele que estava vestindo um conjunto de moletom cinza.

O quarto encontrava-se um grande breu, mas pude perceber as olheiras roxas em seus olhos e o quanto estava cansado, embora tivesse passado todo o dia no quarto provavelmente dormindo.

– Você está bem? – Aproximei-me apenas quando Castiel pôs a arma sobre o colchão ao lado de seu travesseiro. Como ele tinha coragem?

– Estou.

Ajeitou-se mais na cama fazendo os lençóis negros farfalharam novamente. Respirou profundamente após o ato. Estava visivelmente desconfortável e não parecia ser apenas por minha causa.

Caminhei até a cama e me debrucei sobre ela apoiada com os joelhos que afundaram no colchão macio. Estendi a mão até que a mesma estivesse sobre o rosto dele, contudo fui parada por sua mão que segurou meu pulso, impedindo a ação.

– O que você pensa que está fazendo? – Ele permaneceu de olhos fechados mesmo arqueando as sobrancelhas.

– Verificando se você está com febre.

– Não vejo como isso possa ser da sua conta. Nem se importa.

Abri a boca algumas vezes para dar meu argumento, mas eram todos sem sentido. Quiçá ele estivesse com razão. Eu não me importava, mas não deixaria que ele ficasse doente, não enquanto corria perigo de que aqueles homens que mataram o Matt me achassem. Esta era uma excelente desculpa.

– Oh, como você poderia fazer o seu trabalho se estiver doente? Quero dizer, como poderá me proteger e provar aos seus superiores ou mais quem for que você é bom no que faz?

Ficou pensativo, olhando para algo através dos meus olhos semicerrando os seus. Talvez realmente pudesse atravessar minha camuflagem e observar minha alma apoquentada com seus olhos cinza perfurantes e intensos. Corei violentamente.

Ele guiou minha mão deslizando vagarosamente pelo seu corpo com cada toque sendo seguido por meu olhar. Toquei sua testa que estava enrugada sentindo seus cabelos; avermelhados e de raiz negra macia contra meus dedos, seu pescoço brando e alvo como seda branca e por fim, subiu minha mão por debaixo de seu casaco, me permitindo tocar seus músculos abdominais e também seu peitoral; tudo muito quente.

Olhava o relevo que eram nossas mãos sob seu casaco sentindo-o tenso, porém a manteve por mais algum tempo lá olhando para meu rosto inexpressivo e corado. Logo nossos olhos se encontraram e ele afastou rapidamente minha mão de seu corpo.

– Você está com febre. Sente mais alguma coisa?

– Vomitei algumas vezes e cinto dores no pescoço. – Ajeitou-se na cama.

A verdade, é que eu estava muito nervosa por conta do contato que tivemos. Tê-lo me encarando desta forma, era desconcertante, fazendo-me sentir vergonha de continuar a falar, todavia eu precisava passar por cima desta vergonha. Precisava mostra-lo que era aguerrida ao enfrenta-lo e estar à própria altura que a dele, afinal, eu não estava gostando nada do modo como me cognominava e atuava como se eu fosse uma guria. Eu era uma mulher, tão comovida a ser livre deste problema, quanto ele a concluir a missão e revelar-se como bom em seja lá o que ele trabalhasse. Pensando desta forma, assumi uma compostura decidida e firmei a voz erguendo o olhar ao dele.

– Vou fazer uma compressa para você. Onde ficam as suas toalhas?

Ele apontou para o armário e eu peguei uma macia e branca.

Após trata-lo da forma que pude, dei-lhe um copo de leite ao qual ele bebericava com bastante desagrado e desapressado. Era para me irritar, eu tinha certeza. Fazendo aquele barulho ao sugar o leite como faria com um canudinho enquanto eu revirava os olhos e cruzava os braços. Impaciente era a palavra perfeita para me definir, naquele momento.

Então, ele perguntou entre goles, com a boca ainda próxima ao copo:

– O que você queria – tamborilou o dedo no copo, deixando suas digitais na água que minava e escorria conforma o leite esquentava, apropriando-se ao clima ambiente – conversar comigo?

Sorri apenas para mim mesma, contente que desta vez ele não havia ignorado meu pedido, ou fingido que eu era uma criança e não me dado atenção. Sentei na beirada da cama; ciente que ele não havia me dado liberdade para tal, porém se ele não tinha aprovado minha atitude, nada demonstrou ou falou. O ruivo devidamente tingido como eu percebi, encolheu as pernas flexionando as mesmas, e me estendeu o copo. Folgado.

– Seja direta.

– Eu cursava letras, trabalhava e escrevia em um blog. – Parei vendo-o arquear as sobrancelhas e apertar o tecido do casaco sobre a barriga. – Eu não sei o que você pode fazer por mim, se é que você vai fazer alguma coisa, mas eu realmente preciso voltar para a faculdade. Já faz três dias que eu não vou. Foram aulas preciosas perdidas, porque esta é realmente a profissão que eu escolhi.

– Aqui – sentou-se – em Sweetcidy, há uma universidade com bastante variedade de faculdades visto que é uma cidade pequena; muitas pessoas vão embora quando se formam. Você não pode simplesmente ser transferida, mesmo que eu conseguisse um milagre agora, no final do ano, pois há a questão da sua identidade. Se eu usasse a verdadeira, seria uma forma de rastrearem você.

– Ah, qual é?! Você... – Engoli em seco. – Você trabalha para a CIA. Não pode arrumar uma identidade falsa, mesmo sendo contra a lei, mas, sei lá, por causas nobres? – Estalei os dedos fazendo um muxoxo, o que era costumeiro meu.

– Tsc. Vou ver o que eu posso fazer, mas quanto ao trabalho, você realmente não precisa dele, agora que está sendo bancada. – Voltou a se deitar e fechar os olhos. Levantei-me contente com um estonteante sorriso que há dias não aparecia. Parei no corredor e fechei a porta, mas cinco segundos de antanho, parei quando ouvi sua voz sonolenta ecoar até meus ouvidos desprovidos de muita atenção. – Eu tenho um notebook guardado. – Meu sorriso havia se alargado ainda mais e a porta estacado sob minha vontade. – Mas eu não vou te emprestar. Crianças quebram coisas caras facilmente. Ainda mais quando são arteiras como você. – Meu sorriso morreu e o pouco de simpatia que eu descobri naquele momento existir – mesmo que escassa –, acabou.

Grunhi alto, mas isto apenas o incentivou a rir enquanto puxava um lençol do chão para cobrir-se no ar gélido que reinava em seu quarto.

Filho da puta. Moleque insolente.

– Salsichão fodido! – Bufei sentando-me novamente no sofá folheando o livro, desinteressada.

(...)

Hoje fazia cinco ou quatro dias que eu dividia a casa com Castiel.

Os raios de Sol entravam mornos – mesmo que em um dia frio – pelas janelas e tocava toda a sala e cozinha. Do céu coberto por camadas do que pareciam ser algodões cinzentos, caia uma fina garoa. Alguma parte da cidade estava em meio à névoa e o vento que soprava gélido anunciava à neve que poderia vir a cair durante a noite, que segundo aos meteorologistas que ditavam na televisão, seria muito fria. Mas o tempo daquela cidade era mesmo imprevisível, já que os especialistas disseram que não choveria.

Eu desligava a cafeteira orando para que fossemos logo ao supermercado, pois só gostava de café coado e aquele me parecia um tanto menos quente e mais gorduroso, se é que isso era mesmo possível. Fiz torradas me perguntando que tipo de pessoa tem quatro potes de geléia na geladeira, entretanto não tem manteiga ou requeijão. Tem cerveja, todavia nenhuma caixa de leite.

– Isto não é vida! – Estava um tanto aborrecida, mas me contentei em sussurrar essas palavras.

– É vida sim, só não é a que você leva. – Falou o ruivo de forma defensiva, mas desinteressada enquanto sentava-se curvado e apoiava os antebraços no balcão.

– Bom dia, para você também! – Deu de ombros preferindo ignorar, como sempre.

– O que você tá fazendo?

– Um desjejum digno de um ser humano. Sabe, apesar de ser viciada em pizza, – disse fazendo aspas com os dedos acima da cabeça – eu procuro manter uma boa alimentação.

– Isso não explica por você é uma vareta.

Virei-me indignada com a travessa de torradas em mãos. Minha vontade foi de joga-las sobre sua cabeça, mas após o incidente no apartamento, preferi não repetir, visto que desta vez estaria mais encrencada e receberia mais do que olhares abomináveis, disto eu tinha certeza.

Castiel vestia uma jaqueta de couro preto e seus cabelos – não mais de raiz enegrecida – estava preso por um elástico. Esta era a chance perfeita para entrar em seu jogo e tentar aborrece-lo. Fazer com que provasse o gosto da mesma implicância.

– Você fica ridículo de vermelho, mas isto não quer dizer que você vá parar de tingi-lo. – Menti sobre a minha opinião enquanto apontava para a sua cabeça.

Valeu apena provoca-lo. Seus olhos se arregalaram um pouco e depois se semicerraram, talvez se perguntando como eu soube que ele pintava o cabelo, enquanto um sorriso de puro escárnio brotava em seus lábios rosados. Mas ri da mesma forma, porque eu estava decidida a fazê-lo se irritar, o que era muito fácil, porém faria de uma forma mais... Provocativa.

– Eu poderia até te chamar de cerejinha...

– O que?! – Castiel murmurou palavras desconexas e sem sentido para os meus ouvidos. Certamente algumas opiniões bem feias referentes a mim.

Botei a tigela sobre a mesa junto à geleia e a minha xícara de café adoçado, porém infelizmente, sem leite. Sentei-me.

Eu comia minha torrada e o ruivo bebericava de forma amoladora o café puro que havia despejado em pouca quantidade em uma caneca de porcelana. Vez ou outra, quando ele bebia daquela forma, eu lhe dirigia um olhar aborrecido e arcava as sobrancelhas enrugando a testa enquanto ele continuava a beber sorrido por trás da caneca. Contudo, ele sempre fora bastante educado nas refeições que compartilhou comigo.

O dia estava horrível, frio e Castiel não ajudava. O café descia quente e reconfortante por dentro de mim, fazendo-me agradecer por telo. De olhos fechados, sentia meu interior se esquentar e minha pele arrepiar-se por debaixo do casaco verde-escuro. Os raios quentinhos atingiram minha face. Eu não poderia estar mais grata por ele me fazer companhia também em dias ruins. Porque mesmo que estes chegassem, o Sol estaria ali, por mim, me trazendo lembranças gloriosas de um passado que agora parecia irreal. Apena sonhos bonitos. Como se o modo que eu vivesse agora, fugindo; fosse o modo que eu merecesse viver, por todos os pecados que já havia cometido; um castigo cruel. E o pior, era que em minha mente exausta pelo tormento, eu sentia como se tudo o que eu estivesse passando não fosse o suficiente para uma punição dirigida a mim. A morte de Matt fora tanto minha culpa, quanto do moreno de olhos azuis que mirava a pistola para a cabeça dele.

Bebi outro gole de café, me sentindo tão amarga quanto o mesmo.

Preferia guardar para mim. Este era um fardo apenas meu. Só eu merecia viver confinada em amargor neste inferno envolto de muralhas que era a camuflagem chamada mentira. Eu sofria, e queimava interiormente, obrigando-me a afundar no mar tempestuoso até que não precisasse mais prender a respiração; até que estivesse sozinha e solitária novamente podendo demonstrar para as paredes como me sentia de verdade, mas apenas para elas.

Fui desperta de meus devaneios miseráveis pelo ruivo que limpava a garganta para atrair minha atenção.

– Eu dei um jeito de arrumar com um amigo, uma identidade pra você.

Meus olhos se esbugalharam e eu pus as mãos sobre o colo debaixo na mesa para que ele não percebesse minha agitação.

– Não acredito!

Mas tão rápido quanto o assunto começou, ele se findara.

– Podemos ir ao supermercado hoje. – Confirmei positivamente com a cabeça estranhando que tivesse desviado com tanta facilidade do tema da conversa. – E começar a ter uma vida... – Disse de forma dramática para logo mordiscar uma torrada com geléia de uva.

(...)

Ir ao supermercado hoje foi a pior idéia que Castiel poderia ter tido.

O céu era formado por nuvens mammatus e cinzentas, anunciando mais uma tempestade. As calçadas estavam brancas de neve e as ruas marcadas pelo rastro dos pneus dos poucos carros que circulavam. Poças se formavam vez ou outra, mas eu sempre pisava em uma delas. Amaldiçoei os meteorologistas novamente ao escorregar no chão congelado do estacionamento.

– Cacete! – O ruivo apressou-se em me levantar em meio às risadas. – Você tá bem?

Na verdade, minhas nádegas estavam bastante doloridas, contudo seria constrangedor dizer isto a ele. Assenti e pus-me a catar as sacolas e um pote de Nutela que havia rolado sobre o asfalto.

Estava muito bem vestida, porém isso não fez com que o frio perdoasse durante todo o tempo fora da casa. Quando entrei, fui calorosamente recebida pela lufada de ar quente e o aconchego da casa que cheirava ainda ao café que havíamos tomado pela manha, e que mesmo não sendo dos meus favoritos, agradeceria se ainda tivesse um pouco, mesmo que certamente gelado, eu não impediria minha mente de imaginar o liquido descer quente por dentro de minha garganta.

O aquecedor jazia ligado, assim como a televisão que tinha sua devida atenção. Um rapaz de cabelos platinados e vestia uma camisa de botões e mangas longas, estava de pernas cruzadas com o cotovelo apoiado no sofá e o punho sustentando sua bochecha. Tão entediado quanto o cachorro que estava deitado no tapete e que agora recebia Castiel com lambidas e um balançar incessável de seu rabo enquanto tinha a cabeça afagada pelo ruivo.

– Castiel. – proferiu o nome do rapaz de cabelos vermelhos como um cumprimento.

– Lysandre.

– Vim trazer o que me pediu e... – Virou-se e seu olhar veio de encontro ao meu. Ele sofria de heterocromia, percebi ao encarar em seus olhos curiosos que se perderam por alguns segundos em pensamentos diversos, que eu nunca conseguiria descobrir ao olhar para os olhos: âmbar genioso ou me perderia na imensa floresta verdejante que era seu olho esquerdo. Eu estava entre um crepúsculo caloroso e a Amazônia selvagem. Seu estilo era um tanto diferente, porém não dei importância a este ultimo detalhe, por que era simplesmente difícil apontar seus defeitos quando ele me encarava desta forma; analisando da cabeça aos pés. Era muito constrangedor. – É essa a garota, não é?

Castiel assentiu e logo deu conta de levar as minhas e as suas sacolas para a cozinha. Os pelos de meu braço eriçaram-se quando seus dedos tocaram os meus para que eu fizesse as alças das bolsas deslizarem para a mão dele. Eram dedos brancos e gélidos, o que fez lembrar-me de estacas de gelo pungente, tão perigosas quanto o ruivo.

– Prazer, eu sou Lysandre. – Apresentou-se sem se dar conta de levantar, apenas gesticulando com uma das mãos em cortesia.

– Sou Emilie Carla. – Disse baixo, mas não envergonhada.

Estava temendo que o cachorro avançasse em cima de mim, porém ele apenas continuou lá, abanado o rabo e latindo vez ou outra para que Castiel acariciasse entre suas orelhas pretas e marrons.

– Eu sei quem você é. – De inicio, nos primeiros dias com o ruivo, eu arregalaria os olhos em momentos como este, mas era realmente verdade o fato do grupo com quem Castiel trabalha saber muita coisa sobre mim, embora Lysandre fosse o único que eu pude conhecer, até agora.

– Eh, todo mundo parece saber. – Ele riu.

– Então, – Castiel encheu um copo de água do outro lado do balcão. – Trouxe a identidade?

– E modifiquei os dados, o histórico dela e tudo mais... – Castiel se sentou na poltrona, quase de frente para o rapaz.

Fui para a cozinha fazer algo para passar o tempo porque me sentiria desconfortável presenciando a conversa dos dois, mesmo que escutasse tudo no outro cômodo. Abri as sacolas e me esforcei para arrumar as coisas em seus devidos lugares me perguntando se a moça do supermercado com quem meu protetor conversou... Isto soava estranho.

Estiquei-me para por o cereal no armário de cima me lembrando dela com seu porte extremamente sensual e elegante. Seus cabelos eram loiros, tão brilhantes e dourados que pereciam fios de ouro enfeitado por jóias turquesa, porque ela combinava muito bem com esta cor. Suas roupas eram de cor pastel e eram de Grife, até parecia uma modelo de biquínis posando para revistas mais famosas que a Vogue. Não parecia pertencer a um ambiente tão casual e desordenado como um supermercado de cidade pequena – o único. Tão jogada em relação à Castiel e tão desaforada ao fazer referência a mim.

Fui tirada de meus devaneios quando percebi que não havia mais nada para se guardar.

– Ela é sempre tão avoada, assim?

– Não, mas às vezes tem estes momentos estranhos de ficar apalpando o nada.

Olhei para eles curiosa para perceber que me observavam ambos sorrindo, mas Castiel com um maior, contente de me ver corar e passar por um momento constrangedor novamente.

– Isto não é da conta de vocês. – Disse surpresa ao encontrar coragem para tal.

Suspirei aborrecida e me tranquei no quarto, para esquecer um pouco a irritação de um dia ao lado do meu guarda-costas.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?



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