O lugar a que pertenço escrita por beehive


Capítulo 3
Os olhos violetas de Rachel




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Ele e ela estavam deitados na cama, ambos vestidos e em silêncio. E nem o despertador anunciando o raiar do dia, com seu bipe característico, parecia incomodá-los.

Provavelmente quando acordasse, ele daria de cara com uns livros hippies antigos sobre chackras, astrologia e filosofia oriental, que ela já lia antes mesmo disso estar na moda. E, depois da nona vez, com certeza já estaria se acostumando com a cena: os volumes empilhados numa instante que se confundia com sua madeira escura da mesma decoração do papel de parede. E então, decidiria não levar a cabo sua ideia de encontrar o melhor momento para convencê-la de que achava tolice aquelas superstições. Até porque estava mesmo era se convencendo de que gostava dela. (Mesmo que ela ainda não risse das suas piadas).

O lustre, a cortina e uma mancha de umidade na quina do teto com a parede, era o que ela via com seus olhos violetas. E vestida apenas com uma camisola roxa bem curta - com o tecido dando visibilidade e forma ao seu corpo elegante - ela sentiu a brisa gelada do amanhecer tocando seu rosto de leve. Por isso, cruzou os braços sentindo frio. Mas no fundo ela sabia que esse frio não vinha de fora, e sim da turbulência interna de sentimentos que tocavam seu coração e martelavam na sua cabeça. Por que as mulheres se entregam por vantagem ou por prazer? Ela se entregou por amor, embora não soubesse disso na época. Ou talvez só não admitia. Agora estragou tudo, e se entregar à outro por vantagem a fazia se sentir suja de um jeito muito confuso.

E por se sentir suja, ela foi tomar um banho, e disse alguma coisa lá do banheiro que ele não ouviu direito. Ele continuou apenas acordando como um bicho-preguiça, tentando achar uma nuvem branca pela janela do quarto, enquanto coçava uma certeza na cabeça: estava atrasado. Não tem problema, comeria alguma coisa no trabalho.

Na noite anterior ele e ela assistiram à um filme de comédia romântica escolhido por ele; e, claro, era só uma preliminar do que eles sabiam que iria acontecer. Mas perigou não acontecer, depois que ela queimou o dedo numa queijeira de tofu e ficou no sofá, sentindo-se uma estúpida, enquanto ele bancava o namorado legal e preparava um remédio de babosa na cozinha. Na verdade, xingando-a mentalmente, pensando que isso poderia estragar a noite. Mas aí, entre mimos e xingos no sofá, eles se entenderam. E fecharam o expediente no quarto dela, onde o namorado legal virara o namorado-leão.

Pela manhã, ele pegou as roupas espalhadas e jogou os pratos sujos na pia. Não se esqueceu de pegar a chave do carro antes de sair, como fez uma vez só para ter o pretexto de voltar e revê-la de novo, embora não soubesse bem o que dizer; uma piada quem sabe. Em vez disso, deu-lhe um beijo na testa e disse que a amava. Ela disse que também, meio sem saber qual o significado daquilo. E prendeu o cabelo antes de sair na frente pelo corredor, onde esbarrou em um alguém.

Também esse alguém morava naquela mesma pensão. E ainda mantinha uma boa amizade com aquela moça. Algo na forma amigável de olhar, com aqueles seus olhos azuis, no pensamento dela, ajudou bastante. E com esse olhar, ela ficou lá parada, tropeçando nas palavras - e tentando, como de costume, não deixar que suas emoções a controlem, senão estragaria tudo de novo. Bem que com seu charme habitual, ele sorriu, ajeitou os cabelos dela - escuros, repartidos no meio - e disse você continua uma fofa.

O namorado da fofa viu o gesto e acenou com a cabeça, um pouco antes de dar uma apertada forte no saco, e pousar uma mão na cintura dela, querendo dizer que a garota era só dele. E seguiram caminho.

"Monte de merda", pensaram os dois assim que os olhos descolaram.

Pelos vidros da janela, os olhos azuis viram a garota e o atual entrando no carro e bufou pensando "Ela nem é tudo isso". Ela nunca chegou a ser tudo aquilo, porque ele nunca soube o que era o tudo-aquilo, de verdade. Era apenas um de seus casos. Ou não admitia. Mas sabia que em algum momento, mais alguém (além dele) veria como ela não sabia que ficava muito sexy dançando gaga nas luzes noturnas da Soto's - uma boate no centro da cidade. Foi isso que o fascinou, acho. Isso e outras coisas. Que agora fascinarão outros caras também.


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