O Doador de Sonhos escrita por Emanuel Hallef


Capítulo 12
Ato XII - Alguém superior as chamas...


Notas iniciais do capítulo

Olá, caros amigos, espero que gostem desse capítulo. Ele chamou muuita minha atenção e me deixou em êxtase :3 Ao decorrer da leitura vão saber o por quê.



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— A última recordação de Tom? — perguntou Anne, ajudando o mágico a se levantar. Colocou a mão esquerda do rapaz ao redor do seu pescoço e, juntos, começaram a caminhar em direção a estátua do anjo.

Peter ofegava, suas energias haviam se esgotado. Aquelas argolas que prendiam seu corpo à parede da caverna, de alguma forma, sugavam suas energias e as usava para formar a sua própria. Dentro do estômago do pobre rapaz, parecia que várias formigas andavam por cima do seu esôfago, pois sentia algo muito estranho dentro de si... Fechou os olhos e por alguns segundos e se concentrou na pergunta de Anne, procurando no seu cérebro todas as informações que sabia sobre o parque de diversões e o próprio Tom.

— Isso, isso mesmo... Essa é a última recordação que a vítima ver. Logo, é a pior. Poucas pessoas conseguiram sobreviver tempo o suficiente na roda-gigante para chegar a essa última recordação de Tom — disse Peter, os olhos cansados, o rosto soando por conta de um calor que parecia emanar do parque de diversões. Ao mesmo tempo em que sentiu, ao ultrapassar o anjo, um cheiro de fumaça... Deduzindo que talvez fosse imaginação sua, recobrou as informações e seus lábios agora se delineavam — Eu só vi uma vez... Foi com uma menina muito jovem, acredito que tinha seus quinze anos de idade. Ela conseguiu sobreviver a tudo, não me pergunte como... Vi tudo acontecer lá do palco, por mais que eu não passasse de uma mera estátua.

— E como conseguiu deixar de ser uma estátua? — a menina perguntou enquanto se abaixava para passar por debaixo de um ferro solto. Estavam no estreito corredor da montanha-russa. Como era muito apertado, Anne e Peter estavam com os rostos tão juntos que o rapaz ouvia a menina ofegar e seu coração bater muito acelerado.

— O parque de diversões funciona a partir dos sentimentos de Tom. Ou seja, ele é um âncora. Sem ele, nada aqui funciona. Quando ele foi levado para aquela caverna e preso em algemas, as cores recomeçaram a voltar, Anne. Você partiu a procura dele e por isso não viu. As crianças começaram a aplaudir e eu era capaz de ouvir suas palmas abafadas. Toda a magia que me prendia em forma de estátua, sumiu. Eu estava livre e sabia que precisava ir atrás de vocês dois. Afinal, de qualquer forma, eu tinha esquecido minha varinha em algum lugar há cinco anos e sentia falta da minha companheira de duelos.

Anne percebeu o quanto Peter estava fraco e o ajudou a se sentar em cima de um paralelepípedo que estava solto por aquele corredor — Obrigado, Anne, preciso mesmo descansar.

— O que você estava fazendo naquela caverna? — perguntou a menina, sentando-se ao lado do mágico.

Peter abaixou a cabeça e passou alguns segundos assim. Não queria responder aquela pergunta... Caso chegasse a pensar nos motivos que o fizeram sair correndo daquela caverna há cinco anos, aquela dor fulminante voltaria. Ele estava muito fraco para sentir remorso.

— Algum dia quem sabe eu não comente com você...

Anne corou, envergonhada. Colocou um fio de cabelo por detrás da orelha e abaixou a cabeça. Um silêncio mórbido reinou... O único som que Anne ouvia era da sola do sapato de Peter batendo sobre o chão arenoso do parque, limpando o que quer que fosse. A menina ficou pensativa enquanto via a pequena neblina de areia se formar. Tinha tantas perguntas que mal conseguia pensar em outra coisa... — Peter... Eu, bem... — a menina suspirou — Quando eu acordei na praia no início, senti que eu não conhecia nada. Minutos depois, veio a imagem de um homem encapuzado. Depois tive a leve impressão que eu já ovia fazia alguns dias... à noite, em meus pesadelos. Caminhei alguns passos em direção a uma cabana que avistei perto da floresta. Mas cai... Cai porque senti minhas forças sendo drenadas, de alguma forma, não se explicar. Depois quando acordei, o céu havia se escurecido, não havia estrelas, nem uma lua. A curiosidade era maior que eu e continuei caminhando em direção a cabana. E então eu vi algo assustador, Peter, assustador mesmo. Vi três estátuas que...

— Já sei qual é sua pergunta, Anne, não precisa continuar — interrompeu o mágico, com as duas mãos em cima do joelho. Olhava para a menina de relance — Mas no final, quando você tentou se matar, soube que já conhecia o lugar, correto?

Anne fez que sim com a cabeça.

“Suas energias foram drenadas pelo próprio parque de diversões. Como você percebeu, Anne, tudo aqui é movido por sentimentos e emoções. No início, Aurélio era o responsável por tudo. Ele precisava encontrar pessoas que conseguissem alimentar os brinquedos para que eles continuassem funcionando. Suas próprias emoções não eram o suficiente... Aurélio se foi e Tom tomou o lugar do homem. A aparência do parque é movida, igualmente, pelos sentimentos que lhe são atribuídos. Por exemplo, como você viu através das memórias de Tom, esse parque era muito colorido. Mas isso se dava pelo fato de ele receber as energias das crianças. E as crianças são coloridas. Quando Aurélio morreu naquele acidente trágico, Tom tomou o lugar dele, mas claro que não seria a mesma coisa... os brinquedos começaram a estranhar.

“Nas primeiras semanas, as crianças continuaram a frequentar o parque, mas não eram tantas quanto no tempo de Aurélio. Perceberam que Tom não tinha meios de ocupar o lugar do velho homem a qual estavam habituados a conhecer, conversar e se divertir. Sumiram e o parque não tinha como se sustentar com os poucos sentimentos felizes que lhe restaram. Tom ficou sozinho e o parque perdeu as cores devagar...

“Por causa de uma cláusula da maldição de Tom, o parque não desapareceu. De mês em mês, uma pessoa aparecia na praia. Desnorteada, sem saber o que fazer, o que pensar, o que achar, só sentia medo. E o parque começou a se alimentar do medo dessas pessoas. Mas com você... bem, eu não sei explicar, mas tudo foi diferente. O parque sentiu sua presença e tentou puxar todo e qualquer medo que existisse dentro de você, mas não conseguiu... Você desmaiou ao sentir aquela sensação estranha porque os brinquedos se agarraram aos únicos sentimentos que você tinha. Tom, desde o início, sabia que alguma coisa estava acontecendo, pois sentiu os brinquedos diminuírem a velocidade e começarem a resmungar. Estavam famintos, estavam sedentos... Fazia muito tempo que tinham uma boa refeição. Coitado do Tom...”

Anne mal conseguia digerir todas aquelas informações. Engoliu em seco e prosseguiu com as perguntas — E as estátuas?

— O homem com as mãos na barriga é o meu pai. A menina que aponta para o céu é a minha irmã. E a criança...

Anne esperou, ansiosa.

“Não conheço a criança... Ela apareceu depois”

— E quem fez isso com eles?

— Ninguém sabe. Faz cinco anos que procuro respostas, Anne.

Várias outras perguntavam embaralhavam seu cérebro. E uma delas saltou de sua boca — Eu cantei uma música muito estranha enquanto eu afundava no mar, Peter, por quê? Que música era aquela? E também... quer dizer, eu cheguei a ficar um pouco de tempo sozinha, entende? Enquanto tentava me levantar depois que cair, eu desejei Tom como nunca desejei ninguém na minha vida. Parecia sede, Peter, meus lábios estavam secos de tanto desejo. Era maior do que eu. Maior do que qualquer coisa que eu quisesse pensar ou achar, por quê? — Anne falava e gesticulava, como se procurasse desenhar tudo que sentiu no ar. Não conseguia simplesmente expressar tudo com palavras vazias.

O mágico respirou fundo e voltou a sentir um cheiro de fumaça. Preparava-se para respondê-la, mas o cheiro tinha aumentado e já estava o incomodando. Anne percebeu que o mágico se levantava e segurou na sua mão, impedindo-o — Pra onde você vai, Peter? Precisa descansar...

— Anne, não está sentindo um cheiro de queimado?

A garota respirou fundo e sentiu que, de fato, alguma coisa estava queimando; o cheiro era químico, tipo mofo... como se alguém tivesse colocando fogo em madeira. Ela podia respirá-lo sem dificuldade. Peter se levantou e Anne também. O mágico já conseguia andar sozinho e sem cambalear, por isso chegaram mais rápido ao parque de diversões.

E, uma vez lá, suas bocas caíram e seus olhos se arregalaram.

Os brinquedos estavam pegando fogo.

A primeira coisa que chamou a atenção de Anne fora o carrossel. Tão belo, tão assustador, tão enigmático... mas agora estava sendo consumido pelas chamas vivas e intensas. Alguns começaram a derreter — e a menina se perguntou de qual material eram feitos, pois pareciam plásticos devido ao líquido sebento e mole que descia e sujava o chão. A lona que os cobria era transformada em cinzas, que voavam e sujavam toda a atmosfera do ambiente.

Seus olhos se moveram para a montanha-russa. Os ferros eram consumidos como se fossem folhas de uma árvore. Os carros já tinham se tornado poeira cinzenta... O quão poderoso era aquele fogo para fazer tanta destruição?

Anne ouvia gritos também... Gritos de pessoas desesperadas. Gritos de pessoas sedentes por ajuda. Ela só não sabia como podia ajudá-las.

Da montanha-russa, ela se virou para o brinquedo principal: a roda-gigante. Só foi preciso virar o rosto alguns centímetros para perceber o espetáculo de fogo e fumaça que se espalhava por todas as cabines. Anne sentiu uma pontada forte no coração e levou sua mão esquerda para lá, acariciando com muita delicadeza. Aquele brinquedo representava tanta coisa para Aurélio, Tom e tantas outras pessoas que foram vítimas dele. Merecia ser queimado, ser destruído, se tornar poeira... Mas, acima desse desejo, Anne sentia uma tristeza maior do que tudo que já sentiu em toda a sua vida. E todas essas emoções eram transmitas pelo brinquedo.

Anne deu alguns passos em direção a roda-gigante e foi impedida por Peter, que segurou na mão da menina e a puxou de volta — Infelizmente não podemos fazer nada para ajudar. Na realidade, Anne... — o mágico sorriu... o sorriso se expressava de tal forma no seu rosto pálido que seus olhos se fecharam e suas bochechas formaram covinhas. Ele ergueu uma sobrancelha e olhou diretamente para a menina — Não podemos sair daqui. Mesmo que eu tente usar mágica, não seria o suficiente para salvar você.

— Por que não?

— Minha mágica funciona a partir dos sentimentos da pessoa. A partir dos desejos do coração. E, minha cara amiga, seu coração anseia por Tom. Você quer e sente o desejo ardente de ajudá-lo. De ir atrás dele, não é mesmo?

Peter não conseguiu descrever com detalhes o que a menina sentia, mas chegou muito perto disso. Anne não podia partir e deixar Tom para trás. Todo o seu corpo se recusava a dar qualquer passo que fosse além daquela roleta. Tom estava em algum lugar e ela precisava ir atrás dele.

— E por que não vai embora? Eu fico...

— Seria uma grande desonra pra mim partir e deixá-la para trás... — sussurrou Peter, ainda segurando a mão de Anne com delicadeza.

Ainda com um sorriso no rosto, o mágico se se afastou dela e fez uma reverência, erguendo sua mão direita... Anne, com aquele gesto, se lembrou da maneira como Tom a ajudou a se levantar quando caiu de seus braços fortes e confortáveis... Sentia tanta falta dele... Podia sentir a saudade como uma dor física.

A PARTIR DAQUI, LEIAM OUVINDO ESSA MÚSICA. POR FAVOR: PLAY LEIAM, DE VERDADE, OUVINDO ESSA MÚSICA OU NÃO VÃO SENTIR O QUE EU SENTIR:

— Dance comigo... — pediu Peter, ainda com a cabeça baixa e a mão erguida. Esperava mais do que qualquer coisa que Anne aceitasse seu pedido. Que dançasse com ele uma última vez, enquanto os brinquedos fossem destruídos, enquanto se tornassem poeira...

Anne gostou daquela ideia, fazia muito tempo que não dançava com alguém. Na realidade, mal se lembrava de passos de dança. Sem falar que aquele não era o momento apropriado para uma dança. Mas, fora isso, caso aceitasse, seria consumida pelas chamas, afinal, estavam avançando cada vez mais, destruindo tudo pela frente.

Peter percebeu a agonia da menina e voltou a postura normal — Não se preocupe. Vamos atrás de Tom, mas antes preciso que dance comigo. Uma última vez... — e então, com um sorriso alargado no rosto, ele fez novamente uma reverência.

Anne moveu os lábios um pouco, formando um quase sorriso. Fez que sim com a cabeça e pegou nas mãos do mágico. Peter, ao sentir sua mão firme, rodopiou a menina e, enquanto girava, seu vestido foi se transformando em cinzas para, no lugar dele, surgir outro muito mais bonito que o primeiro. Era semelhante aos vestidos de realeza. Os babados eram soltos e flutuavam por causa do vento, o espartilho apertava sua cintura, quase deixando-a sem ar. Ela gostou do que viu... Nunca se sentiu em um conto de fadas antes.

Peter a levou para o meio do parque... Os brinquedos pegando fogo, as crianças gritando de dor, de desespero, a procura de ajuda. De alguém. Do seu mágico, dos seus poderes, mas os dois não estavam preocupados com aquilo. Apenas queriam dançar uma última vez.

As chamas avançavam, rodopiavam como casais. Do carrossel um furacão se formava, um furacão intenso, minundenciado e furioso, varrendo o que sobrou dos cavalos e os arremessando para todos os lados. Um deles quase pegou Anne, mas passou de raspão quando Peter a girou uma segunda vez.

A montanha-russa gritava... Era muita dor... Sem piedade... O fogo não tinha piedade alguma dos brinquedos.

Mas, ainda assim, em meio a tanto desespero, Peter e Anne dançavam. O mágico segurava, com um sorriso no rosto, as mãos da menina. Com rodopios, Anne escapava do fogo, dos pedaços de metal que voavam para todos os lados. O calor fazia seus rostos soarem... O rosto pálido de Anne se acendia como se fosse uma vela...

Ficaram assim, dançando, se movimentando, por longos minutos. Com a mão na cintura de Anne, Peter a ergueu, observando seu rosto lá de cima. Observando seus olhos brilharem e as lágrimas sendo levadas pelo vento. Não se sentia culpado por aquilo, por mais que seu coração o forçasse a sentir tal sentimento de culpa e compunção. Como se seu próprio cérebro gritasse: “Hey, seu covarde, solte-a e vá procurar seu amigo”... mas por mais que ouvisse, de fato, uma voz falando em seu ouvido, ele só queria morrer de uma forma diferente do que fora proposto a ele.

O que estava fazendo de errado, afinal de contas?

Escondeu seus pensamentos e ergueu Anne uma segunda vez, mas não chegou a ver seus olhos outra vez... Vários fios (os mesmos que a mãe dele liberou do coração enquanto duelavam) surgiram da roleta do parque e se prenderam aos braços do mágico. Ele olhou diretamente para os olhos de Anne: “Perdão”, sussurrou... seu corpo fora puxado com violência e o rosto do pobre rapaz era arrastado pelo chão. Anne viu o sangue sujar a areia e ergueu sua mão, tentando pegá-lo de volta, mas fora tarde demais.

Sozinha e sem saber o que fazer, Anne só olhava ao seu redor. Os brinquedos continuavam sendo consumidos pelas chamas, que avançavam, que se erguiam, que se espalhavam com muita facilidade por todos os lados. A menina se ajoelhou, cansada e com desistência em seus olhos. Assim ficou... Esperava que as chamas chegassem nela e a devorassem.

Os ferros da montanha-russa se soltaram e uma lona de ferro quente se soltou... O vento forçou-a a cair em direção ao lugar onde Anne estava. Mas não chegou a esmagar a menina, pois alguém havia se colocado entre os dois.

Alguém forte... Alguém vivo... Alguém triunfante... Alguém superior as chamas...

— Sentiu minha falta? — perguntou, as mãos em cima da lona, protegendo a única pessoa que lhe importava.

Anne o olhou atônita, desesperada, sedenta... — Tom...


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Notas finais do capítulo

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