O Doador de Sonhos escrita por Emanuel Hallef


Capítulo 13
Ato XIII - O que seria então aquela força contida?


Notas iniciais do capítulo

Oi, como vão? Mais um capítulo fresquinho :D

Ai galera vocês talvez encontrem erros, mas é porque eu escrevi rápido e postei rápido :V



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O homem não falou nada a princípio. Continuava com suas longas vestes negras esvoaçantes. No rosto, a máscara feita de ossos resplandecia com o reflexo do fogo incendiando e devorando os brinquedos. Anne conseguia ver alguma coisa por detrás daquela aparência enganadora... Não era mais aquela insegurança que o dominava, que o prendia, que o amordaçava, mas uma ousadia infinita, plena e inconcebível.

Largou a menina no chão arrento, com bastante delicadeza. Ele sabia que Anne ficaria bem. Que se salvaria... Que continuaria...

Ao contrário dele próprio.

Os brinquedos gemiam, gritavam, berravam de tanta dor. O fogo não tinha misericórdia. Na realidade, ninguém nunca teve piedade daqueles brinquedos desamparados... Pelo menos ninguém conhecido.

Tom os amava como se não existisse mais ninguém para amar. E, de fato, para o pobre rapaz, não havia ninguém.

Mas, espere, ele não estava sem humanidade?

— Prestem atenção... — gritava ele, no meio do parque de diversões. Por detrás da máscara um sorriso triunfava... Submergia o ódio, o rancor, as mágoas, a culpa...

Estava livre.

Ergueu suas duas mãos lentamente e, depois de um longo suspiro, fez o sinal de uma cruz, como se fosse abraçar os brinquedos. Por detrás da máscara fechou os olhos, abriu sua boca e trouxe de volta suas emoções...

“Eu te amo, Tom... Nunca se esqueça disso”

“Ela só está dormindo, meu amor. Voltamos para buscá-la depois”

Recordava-se das frases que lhe traziam força. Vigor. Ousadia...

Do fundo dos seus pés começaram a surgir faíscas coloridas... Cores... Eram as cores dos lápis que usou para colorir a roda-gigante com Aurélio. Estavam voltando, estavam sendo recriadas pelo próprio Tom.

— Pegue minhas emoções... Pegue meus sentimentos... Estou doando meus sonhos a vocês. Estou doando minha esperança... Estou doando tudo que há de bom em mim. E, pela autoridade que me foi concebida, ordeno que o fogo cesse, que os brinquedos se reconstituem e que o espetáculo acabe — os gritos saíam por entre um sorriso largo e espontâneo.

O carrossel fora o primeiro que ouviu ao seu dono. Os restos dos cavalos, que estavam espalhados por todos os lados do brinquedo, rodopiaram, como se gemessem, como se estivessem recusando as ordens do seu dono. Tom percebeu e, voltando em direção aos destroços, ergueu a cabeça ao ar e começou a gritar... Seus gritos eram finos, agudos, machucavam os ouvidos de Anne — É UMA ORDEM. RECONSTITUA-SE! — era o que estavam esperando. Uma ordem direta. Uma ordem de alguém que agora acreditava.

Os pedaços de pedregulho começaram a voar, passando por cima de Anne, passando por cima do fogo, passando por cima de tudo que avistasse pela frente. Ainda no céu, formaram o rosto de uma mulher muita velha e, em seguida, depois de alguns segundos permanecendo desta forma, reformulavam-se e agora formavam grandes e imponentes cavalos de porcelana. Anne precisou sorrir quando viu os detalhes das cores brilharem e resplandecerem. Os oito cavalos renascidos agora galopavam em direção a conóscopia. Lá, os fios de ferro os prenderam e os fazia flutuar, como da primeira vez, sustentando-os.

Ao terminar de ver o espetáculo, Tom se virou para a montanha-russa e os carrinhos saltaram do chão e se preencheram nos ferros grossos e avermelhados, prendendo suas rodinhas e voltando a funcionar.

E, finalmente, em frente a roda-gigante, Tom colocou um joelho no chão... — Peço perdão... Peço que tome de conta do parque e o faça renascer.

Anne não conseguia entender porque Tom estava falando com a roda-gigante, afinal, era apenas um brinquedo como outro qualquer. Não fazia sentido, mas suas respostas vieram mais rápido do que ela chegou a pensar. A roda-gigante mexeu suas cabines e todas as suas luzes piscaram — Vá em frente, não tenho medo, Tom — falou... a roda-gigante havia sussurrado... alto o suficiente para o homem a ouvir.

Sorrindo, como sempre fazia, Tom se levantou lentamente...

O que seria aquela força contida, pronta para arrebentar em violência, com sede de empregá-la de olhos fechados, inteiro, com a segurança irrefletida de uma fera? Sentia dentro de si um animal perfeito, cheio de vitalidade, atrevimento e entusiasmo... Continuava a viver o fio da infância, esquecia-o e movia-se pelos brinquedos profundamente só. Dos cavalos parados, dos carrinhos imóveis, não lhe chegavam ruídos. E, livre, nem ele mesmo sabia o que pensava. O amor era morno e leve, cheirava a carne crua guardada há muito tempo. Sem apodrecer inteiramente apesar de tudo...

Seus sentimentos continuavam intacto. Podia usá-los... Podia sentir, sem medo algum... Sem vergonha.

A PARTIR DAQUI, POR FAVOR, LEIAM OUVINDO ESSA MÚSICA: PLAY

Ainda no meio do parque de diversões, Tom ergueu novamente as mãos. E, dos seus dedos, surgiram um pó com muitas cores — eram aleatórias: verde, amarelo, vermelho, cinza, preto, branco, lilás... —, iam em direção aos brinquedos, enquanto estes esperavam ansiosos. Queriam ser pintados. Queriam ter uma vida, novamente...

“Sempre estivemos aqui, meu amor, o tempo todo...”

“Meu sacrifício por você não foi em vão...”

Eram seus pais. Estavam com eles. Ali, ao lado. Sua mãe acenava, seu pai sorria com aquelas expressões detalhadas, fixas, que enrugava seus olhos e mostravam suas covinhas.

Ao ouvir aquela voz, Tom fechou os olhos com muita força. Não existia mais vergonha dentro dele... Sua capa se soltou e, no ar, começou a se tornar poeira, cinzas, resíduos inúteis, que se espalhavam pelo chão. Sua máscara, que antes escondia sua verdadeira identidade, começou a se destruir... Começou a morrer, a perder sua exuberância... Agora, neste momento, ela não era nada.

Tom estava exposto. Tom estava mostrando quem ele realmente era. Enquanto seus olhos derramavam lágrimas, sentiu um grande desejo de se virar, de olhar diretamente para Anne, de mostrar sua verdadeira identidade. Quem ele realmente era...

Aos poucos, com os olhos fechados, ainda espalhando as cores, Tom se virou totalmente para Anne. E, pela primeira vez, a menina viu o verdadeiro rosto do homem encapuzado...

Era deformado. Passou oito anos da sua vida sendo queimado pelas chamas do sacrifício do seu pai. Seu olho esquerdo era totalmente branco, no lugar das suas pálpebras, um couro fino e esburacado era balançado com a força do vento forte. Os poucos cabelos que lhe restaram cobria o resto da cartilagem que sobrara da sua orelha. Sua boca, ainda com aquele pequeno arranhão, estava puxada para esquerda, no lugar de onde um dia foi suas bochechas. Anne, com um largo sorriso, não sentiu medo... Não sentiu repulsa... Ao contrário...

Levantou-se, sóbria, com grandes expectativas, o vestido de Peter ainda pregado ao seu corpo e dificultando sua caminhada, começou a se aproximar do homem da cara deformada. Tom viu a menina vindo... Estava sem reação, mas como? Como seria possível? “Ela deveria estar com nojo de mim...”.

— Dance comigo... — pediu Anne, olhando fixamente para os olhos deformados e brancos de Tom, que ainda lacrimejavam.

O pobre rapaz não respondeu de imediato. Dentro de si travava uma batalha entre: ceder aos novos sentimentos ou refugiar-se na sua própria vergonha. Qual dos dois?

Sua mão fora levantada e a decisão tomada.

Anne se aproximou a passo do homem. Uma vez perto dele, pegou nas mãos do garoto, colocando a esquerda na sua cintura. Sorrindo, Tom aproximou-a e, tentando ficar o mais próxima possível, Anne colocou sua mão solta e livre nas costas do rapaz. O parque percebeu o que estava acontecendo e festejou. Mas o fogo, desta vez, avançou...

No meio do parque de diversões, Anne e Tom rodopiavam... Dançavam... E o fogo se aproximou, envolvendo-os... Em instantes, os dois estavam presos a uma grande bola de fogo, que girava, girava e girava como um furacão furioso. Lá dentro, o casal não passava de duas luzes brilhantes. O fogo começou a se largar dos brinquedos e se concentravam, somente, em Anne e Tom. Mas não os machucava... Não os queimava... Nem se quer sentiam o calor.

Estavam ocupados demais sentindo o coração um do outro palpitar.


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Notas finais do capítulo

Não esqueçam de comentar e me falar o que acharam, hein? :D

Meu outro mundo paralelo: emanuelhallef.wordpress.com