O Doador de Sonhos escrita por Emanuel Hallef


Capítulo 11
Ato XI - Leve-me para longe daqui...


Notas iniciais do capítulo

Estou chorando... ESSE FOI O CAPÍTULO MAIS EMOCIONANTE DA MINHA VIDA! POR FAVOR, POR FAVOR MESMO, se querem sentir o que eu senti, leia esse capítulo ouvindo essa música: https://www.youtube.com/watch?v=kxVUee4WsoA

caso acabe, coloque pra repetir.



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Peter estava desnorteado. Não sabia o que responder. Não sabia o que falar. Tinha várias perguntas na ponta da língua, prontas para serem pronunciadas, mas a única coisa que lhe veio fora uma vontade de parar, de abaixar sua varinha e se render, miserável e oco. Sob a luz enfraquecida pelas aberturas curtas da caverna, o silêncio se sentara... Peter, atordoado e com as mãos abaixadas, olhava diretamente para os pés, imobilizado, esperava ansioso por alguma reação do seu próprio corpo — que não respondia as ordens do jovem. Mas, juntamente com tudo, uma inexplicável alegria vinha misturada a um aperto doloroso na garganta, a uma impossibilidade de soluçar. Procurou tanto por sua mãe... Sofreu tanto sozinho, calado, sendo chicoteado pela sua própria consciência que o acusava de ser o culpado pelo seu desaparecimento. E agora ela aparecia assim, do nada, dotada de uma magia superior, sublime e contagiante. Como? Nunca apresentou nenhuma anormalidade em suas atitudes, em seu modo de pensar, agir, falar... Era uma bruxa?

— Que garoto mais fraco... — gargalhou Aurélio, piscando os olhos com muita velocidade. Guardou o machado nos bolsos do macacão e, após respirar fundo, começou a se aproximar de Peter. Olhava-o de cima, a cabeça erguida, parecia orgulhoso de ter causado dor no mágico — Sempre soube que essa era sua fraqueza. Tão idiota... Tão vulnerável... Acredita mesmo que pode ajudar as pessoas sempre, Peter? Sempre tentando agradar a todo mundo. Mas que defeito feio...

— Você não sabe de nada, Aurélio — sussurrou Peter, desta vez conseguindo soluçar.

— Tem certeza? Sei que foi por sua culpa que sua mãe, minha mulher, morreu. Mas não conseguimos encontrar seu corpo... Isso também foi culpa sua? — insistia Aurélio, encostando sua mão levemente nos ombros do garoto.

— Ela me pediu... Ela me pediu... Não pude fazer nada. Quero dizer... — ele olhou diretamente para Aurélio, os olhos cheios de lágrimas, o tormento a mostra, estampado e cravado — Eu não sabia que teria efeitos, consequências.

— Seu tolo! Há consequências para todos os nossos atos. Ainda mais quando se envolve a magia... A magia que está além da sua capacidade de suportar, Peter. Você sabia... Sabia que não devia usar aquele tipo de poder. Era maligno. Não dependia dos desejos do seu coração, mas da sua própria carne, das suas próprias perspectivas. Sabemos que o coração é enganoso, de fato, mas se não podemos confiar nas pessoas, em quem confiaremos? Enquanto todo mundo nos vira as costas, nosso coração continua distribuindo emoções ao nosso corpo e forçando nosso rosto a esboçar sorrisos que não condizem com o que você está sentindo. Mas ele ajuda, não é mesmo? A sua maneira...

— Do que você entende de sentimentos, Aurélio? — perguntou Peter, ainda olhando para o velho homem. Percebeu que sua mãe estava imóvel. A neblina a rodeava e a figura apenas olhava para Anne, presa dentro do casulo de raízes. Tom estava inconsciente por conta do fogo. Estava sozinho? Precisava encarar tudo sozinho? Quanto tempo mais? — Seus filhos, Aurélio? Por que não falamos dos seus filhos e do que você fez a eles?

Aurélio pareceu ficar furioso com a atitude do mágico, e retirou seu machado, os olhos fervendo em fúria. O garoto tinha mexido com suas feridas inflamadas, estavam sangrando, estavam doendo, estavam ardendo... Como ousara? Quem era ele para lhe julgar? Tivera seus motivos para fazer o que fez aos filhos, não era obrigado a dar satisfações... Com o machado em mão, o ergueu e ia arrancar a cabeça do mágico, mas parou...

— Desapareça, Aurélio — disse a mãe de Peter, calma e sem expressões. Acenou sua varinha com delicadeza para a esquerda, fazendo Aurélio sumir, como se não passasse de uma miragem criada pela neblina — Já falou demais.

Peter não conseguia olhar diretamente para sua mãe. O que falaria? Que sentia muito? Que tinha noites que mal dormia com seus pensamentos o devorando? O acusando... Colocando-o contra a parede... Por mais que odiasse Aurélio, quando o olhava, sentia a necessidade de dar explicações. Sua mãe morreu? Sumiu? Pra onde foi? Era culpa sua?

Achando que seu corpo perdera as forças e desabava no chão, Peter fora levantado por uma força sobrenatural, por algo que nunca havia sentido antes. Percebia que flutuava e sentia suas forças sendo drenadas. Estava se esgotando... Sua mãe, a figura coberta de neblina e com cara de gato, balançou sua varinha de condão descascada e o mágico fora arremessado a parede. Uma vez lá, várias argolas surgiram do nada e prenderam seus braços, suas pernas e sua garganta na parede da caverna. Seus olhos se fecharam e o feitiço que lançara em Anne se desfez.

— Não quero saber quem seja, mágico. Não fique no meu caminho... — disse a figura, sem olhar para Peter. Sua atenção estava fixa em Anne. O que desejava na menina ainda não tinha nome. E talvez seu desejo era de outra fonte, essa ânsia que lhe dava ao rosto um ar de quem caçava para se alimentar...

— Solte-o! SOLTE-O! — gritou Anne, olhando para Peter, ajoelhada e fraca. Tom se acordou com o barulho da voz alarmante da menina e agora olhava disperso para todos os lugares, sem entender absolutamente nada — Tom?! — sussurrou a menina, se virando para o lado rapidamente, assim que percebeu a cabeça do garoto se erguer.

A figura se aproximou de Anne devagar, rastejando, deixando rastros de pétalas de rosas negras no chão da caverna. Os olhos felinos e finos piscando rapidamente, a boca salivando, os pés falsos, caminhando com lentidão. Se preparava para abocanhar, mas não conseguiu se aproximar mais do que dez centímetros.

— Você não tem medo de mim... — sussurrou a coisa, próxima o suficiente da menina para ouvir sua respiração se chocar contra seu rosto. Anne notou um frio congelando-a e se virou, dando de cara com a figura cheia de brumas. E, como dito pela própria coisa, não sentia medo algum — Que estranho... Que anormal! Seu coração não tem emoções, por ventura?

— Você parece não entender como funciona os sentimentos das pessoas. E provou isso tratando seu próprio filho como se não fosse ninguém. Não tenho medo de você. Tenho pena!

— Ele não é meu filho... Nunca o vi! — a figura retornou, sentindo-se na obrigação de refletir um pouco sobre o que Anne falara. Aquele era seu filho? Mas não sentia nada... Não sentia os sentimentos de uma mãe. Para ela, Peter era apenas um inimigo como todos os outros — Por que tem pena de mim, menina? — insistiu a coisa.

Anne sorriu, as lágrimas encharcando seus olhos — Porque não tem a capacidade de amar.

— Amar...? — a coisa abaixou sua “cabeça”, a neblina envolvia as duas: ela própria e Anne. Tom, no outro lado, já não conseguia ver o rosto da menina — E ele? Aquele garoto? Ele ama?

Anne olhou para Tom, seu olhar era intenso e tinha indulgência — Ele precisa ser decifrado.

— Vou olhar, espere um pouco...

A coisa agora se aproximava de Tom, que a percebeu e virou o rosto para o lado. Achava que a conhecia de algum lugar. Não era pelo fato de ela ser a mãe de Peter, mas pelo fato de a coisa fazer parte dele, de alguma forma e sem explicações. Acreditava, também, que talvez tivesse chegado ao fim. Mas existia um fim? Talvez sim, talvez não. Mas de uma coisa o garoto tinha certeza, já vivera o suficiente. Já sofrera o suficiente. Não precisava mais continuar. Não tinha mais motivos para continuar, de forma alguma... Esperaria a coisa se aproximar mais e se entregaria. Depois, tudo acabaria e suas dores sumiriam. Mas será que seria tão fácil assim?

— Você não tem emoções. Nem sentimentos... — a coisa agora sussurrava muito perto dos olhos de Tom, que estavam para baixo, admirando a maneira como várias formiguinhas trabalhavam e carregavam as pétalas de rosas negras que a coisa deixava cair — Olhe para mim! Por que você não olha diretamente para os olhos das pessoas? Não vejo medo... Nem esperanças. Mas, espere... Vejo algo, sim, vejo alguma coisa por detrás disso tudo. Um desejo forte de se provar. De fugir. Quer que eu acabe com esse tormento, meu filho?

— Como fez da última vez? — Tom falou, a cabeça baixa, o tom fraco.

— Não consigo me lembrar da sua fisionomia... Já nos vimos?!

— Sim... Infelizmente já nos vimos.

— Certo. Venha comigo, criança, vou te levar para um lugar diferente. Um lugar onde...

— NÃO OUSE TOCAR NELE! — gritara Anne, de pé, com os olhos derramando lágrimas volumosas e cristalinas. Estava sofrendo por conta de Tom. Por conta de Peter... Ao mesmo tempo em que se erguia furiosa, queria pular em cima daquela coisa e matá-la, esganá-la...

— Ela te defende... — a figura passou alguns segundos olhando para Anne, depois virou o rosto para o rapaz — E você, o que acha?

— Eu não acho nada!

— Certo, vamos comigo, então...

A figura se abaixou, afobando suas vestes negras e fazendo-as espalhar e esmagar as formigas que continuavam a trabalhar. Fechou os olhos felinos e sussurrou algumas palavras... E, depois disso, Anne nunca viu algo tão maligno e assustador na sua vida. Desta vez, pela primeira vez naquele parque de diversões, sentira medo.

Do lugar onde a estátua do anjo protegia a entrada, uma balsa surgiu. Toda a caverna se apagou, o chão sumiu e, no lugar deles, uma lama tépida e grossa se dissolvia. Parecia que estava criando um pequeno oceano, que se iniciava na porta e ia até Tom e a figura encapuzada. Dentro da balsa, o lendário Caronte, o barqueiro do inferno, remava lentamente. Sua aparência se assemelhava a morte que Anne tanta conhecia por imagens e montagens da internet. Tinha uma capa transparente que lhe deixava à mostra seus ossos finos e pontiagudos. No rosto, não havia boca, nem nariz... Apenas dois imensos olhos em forma de rubi. Que brilhavam, que esturricavam, prendendo a atenção de Anne e fazendo-a soluçar de tanto medo... Tom, ao contrário, continuava parado. Olhava o barqueiro se aproximar e sorria. Apenas sorria. Afinal, ele não era tão assustador quanto sua própria imagem refletida no espelho...

— Muito bem, Caronte, leve essa criança com você. Leve-a para bem longe — ordenou a figura coberta de neblina, com o rosto sério e inexpressivo.

A morte fez que sim com a cabeça e saiu do barco. Caminhou, lento, em direção a Tom e retirou suas algemas. Anne via tudo e sentia um desejo incontrolável de ajudá-lo. De fazer alguma coisa a respeito, mas não conseguia, não podia, achava que aquilo estava além dela própria. Além das suas próprias capacidades. Apenas podia esperar que, talvez, Tom não cedesse. Que lutasse. Precisava lutar... Sendo que... Onde encontraria as forças necessárias? Ele próprio falara que não tinha mais motivos para continuar, o que podia fazer?

Caronte pegou pelo braço de Tom e o jogou com violência para dentro do barco. Subiu, também, e uma vez lá dentro, fez uma reverencia para a mãe de Peter, olhou uma última vez para Tom, certificando-se que o garoto não tentava fugir, e começou a remar de volta para a entrada do anjo. Quando passou por Anne, Tom a olhou por uma última vez. Sorriu, acenou e depois se deitou no barco. As mãos cruzadas sobre o peito, as lágrimas descendo dos seus olhos... Estava com pena de si mesmo? Mas como? Não gritava para o mundo que estava sem humanidade?

Não... Tom nunca esteve sem humanidade. Todos os seus sentimentos continuavam impregnados em seu interior. Continuavam expondo para ele, todos os dias, o quanto era culpado. Nunca mais recebera um abraço do pai, por quê? Por conta dele... por conta da sua própria vida, seu pai teve que perder a dele. E Aurélio? O velho não passava de uma recordação agora. E o orfanato? E a diretora do orfanato? Continuava morta...

Ele merecia ser levado pela morte. Era seu destino e não podia fugir disso. Apenas aceitar.

— Não se preocupe, garota, você ainda o verá. Venha atrás de mim, moça bonita. Moro além das montanhas do norte, onde o vento não faz curva, onde o silêncio é proibido... Onde você é forçada a falar, se não perde a vida. Estou a esperando... Você e esse mágico sem poderes. Adeus!

Falou e sumiu. Sumiu como se nunca existisse.

Peter caiu no chão e Anne se levantou com rapidez, correndo em sua direção.

— Peter, como você está? Fale comigo?

— A-Anne... — soluçou o mágico, colocando a mão sobre a barriga e fazendo uma careta — Precisamos salvar Tom. Precisamos salvar o parque de diversões.

— Mas como, Peter? Como vamos enfrentar a morte?

— Se escondendo, Anne, se escondendo... Eu vou lhe explicar depois, mas precisamos sair daqui. Estou ficando sem ar. Leve-me para a roda-gigante, Anne, preciso que veja a última recordação de Tom. Não podemos prosseguir sem que você entenda onde está se metendo...


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Notas finais do capítulo

O que acharam do capítulo? Me digaaaam!!!