Contos Que Eu Invento Quando Estou Com Vontade escrita por Amgis Carlus


Capítulo 3
Afogado - Parte 2 - Contato




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Naquele fim de semana, depois daquela semana funesta, decidi visitar meu melhor e único amigo, Marcy para contar aquela nefasta historinha de terror, que para ele, seria motivo para uma grande zoação.

– Então quer dizer que uma garotinha da sua imaginação, de cabelinhos íntimos cor de prata, encurralou você?! – O sarcasmo em sua voz e sorriso era claro. Ele estava se divertindo bastante com aquilo. – E o que o virjão pretende fazer, agora que está sendo controlado como se fosse uma marionetezinha?

– Vou ter que fazer o trabalho com ela. – Disse irritado, não com meu amigo, mas com a situação em que eu me encontrava. – Reprovado também é que não posso ficar.

– Hmm, então quer dizer que se for pelos estudos, você é capaz de tudo? Ahh, será que seria capaz também de admitir que é gay? – Ele gargalhou depois de dizer aquilo.

– Claro que não! Tudo tem um limite. Por mais que isto tenha passado do limite, ainda posso reverter a situação. – Disse normalmente.

– Então quer dizer que se houvesse volta, você admitiria ser gay? Ah, estou entendendo seu ponto seu pista! – Mais sarcasmo e gargalhadas vindas dele.

– Claro que não! – Acabei rindo também. Realmente o Marcy era o único que conseguia me fazer sorrir com aqueles sarcasmos.

Houve um momento de silêncio. Logo depois, mais uma piada.

– Sabe o que você é para esta garota?

– Hmm... - Respondi rindo, pois já imaginava a resposta – Não sei.

– Um bostinha.

É. Realmente ele era o único que conseguia me fazer sorrir daquele jeito.

Veio a semana seguinte de aula. Agora que ela havia conseguido o que queria, não havia mais necessidade de ficar sentada no meu lugar. Quando cheguei, ela estava onde sempre ficava: Na frente da classe. Quanto a mim, eu nem tinha mais vontade de sentar naquele canto. Sentei por mera formalidade mesmo. Para evitar contatos desnecessários, no intervalo, deixei um bilhete na mesa dela, marcando o dia, local e a hora para fazermos juntos, o trabalho. Quando voltei do intervalo, havia outro bilhete em minha mesa, confirmando que estava tudo certo. Nem acreditei inicialmente. Achei que ela fosse impor algum obstáculo, só para eu ter que falar com ela e ter que fazer mais contato. Mas só havia um ’ok’ escrito no bilhete. Então, amassei o bilhete, e depois de deixá-lo ali na mesa, voltei a ouvir música.

Enquanto isso, o carma continuava conspirando. Contra mim, é claro.

O dia marcado chegou. Eu havia marcado na escola, afinal de contas, eu não iria chamar ela nunca para ir à minha casa. E também de forma alguma eu iria para a casa dela. Só que mais uma vez, ela tinha uma nova jogada para fazer.

“Eu estou cansada de ficar fazendo tudo na escola. Já que não podemos ir até a casa um do outro, porque não fazemos o trabalho num lugar aberto?”

Resumindo: Ela queria um encontro. Eu poderia ter recusado, mas parei para pensar um pouco e também me senti da mesma forma. Era cansativo e chato ficar fazendo tudo na escola. Aquele lugar só me desanimava cada dia mais. Então concordei com um aceno de cabeça e fomos até uma praça num lugar um tanto longe da escola. Ninguém nos veria ali. O que era perfeito. Para ela.

Nós nos sentamos nos bancos ao redor de uma mesa com desenho feito para um jogo de xadrez. Enquanto eu tirava os materiais da minha mochila, ela parecia estar preocupada com o lugar onde estávamos, pois ficou olhando ao redor, aparentemente, para ver se havia alguém por perto. Quando acabei, ela ainda estava visualizando o local. Tentei não me importar, pois queria conversar o menos possível para poder acabar aquele trabalho armadilha logo e assim evitar mais contatos desnecessários com aquela garota. Só que ela continuava olhando. Até que não aguentei mais e quando percebi que era mais uma jogada dela, já era tarde demais, pois as palavras já estavam saindo da minha boca.

– Algum problema?

Na mesma hora, ela parou de olhar para os lados e olhou para os meus olhos. Em seguida, sorriu e disse:

– Não. Estou bem.

Eu me odiei naquele momento por ter caído na armadilha dela.

2 x 0.

Pelo visto, eu iria perder de goleada para ela. Não havia outra escolha. Eu tinha que contra-atacar.

Só não sabia como.

– Bem, o que achou deste lugar? Foi uma boa escolha?

Eu não respondi. Iria responder apenas se ela dissesse algo que realmente fosse sobre o trabalho. E mesmo assim, de forma bem curta.

– Sabe, eu sempre quis vir aqui fazer algo com alguém, só que ninguém nunca quis vir comigo. Todo mundo me acha estranha, apesar d’eu parecer ser igual a todos.

Ahan, sei. Que interessante. Mas eu não me importo! Isto era tudo o que eu queria dizer para ela. Mas por algum motivo, apesar dela merecer muito ouvir minhas palavras cheias de fúria, eu simplesmente não disse nada. Preferi continuar em silêncio e apenas ouvir. Para mim, ela não merecia ainda ouvir minha voz novamente.

– Eu sempre quis ter essa chance com alguém. – Continuou ela, olhando para mim e depois para o redor do lugar – A chance de ficar num lugar bonito como este, sem ter ninguém para atrapalhar meus planos. E finalmente eu consegui. E como foi muito difícil fazer isto, vou aproveitar o máximo que eu puder. E você? – Ela voltou a olhar para mim – Nunca quis ter uma chance assim também?

Ela tinha razão. Eu sempre quis algo como aquilo. Um encontro num lugar plausível, com uma garota bonita e sem ninguém para me perturbar. Onde eu pudesse sorrir e fazê-la sorrir também. Onde eu a fizesse ter um bom dia comigo e assim, eu conseguisse ter um bom dia também. Mas se eu queria mesmo aquilo, porque eu estava fazendo aquilo tudo? Porque eu me protegia tanto? Não havia sentido nisso. Mas aí, eu me lembrei do meu passado e das outras vezes em que tentei fazer aquilo. Todas haviam sido um fiasco. Eu realmente não conseguia fazer nada dar certo. Mesmo que eu ficasse calmo, ou estivesse nervoso. Sempre acabava do mesmo jeito. E no fim, eu acabei aos poucos, me tornando paranoico e assim, fiquei com um medo obsessivo de ter contato com os outros. Mas ali, era ela quem havia começado. Mas então me lembrei de outra coisa: Ela só poderia estar mentindo. ‘Todo mundo me acha estranha, apesar d’eu parecer ser igual a todos. ’ Óbvio que aquilo era uma mentira! Como uma garota como ela poderia ser considerada ou chamada de estranha? Só porque o cabelo dela era prata? Se fosse assim, o mundo já havia acabado. Acabado em preconceito. Então não havia como ela estar dizendo a verdade. Por isso, eu definitivamente não iria cair na armadilha dela novamente. Iria continuar calado até que o assunto fosse o trabalho escolar.

– Sabe, imagino o que você esteja pensando. O que uma garota como eu quer com um garoto como você? Eu sei como é este sentimento. Já fui assim com vários garotos. Só que eles nunca souberam disso. Só de olhar para você, eu entendo um pouco o porquê de você ate agora ter dito apenas duas palavras. Provavelmente você deve estar pensando que o motivo para eu estar falando com você, seria alguma aposta que fiz com alguma amiga minha ou que talvez eu tenha problemas mentais. Só que eu estou falando com você, apenas porque quero mesmo. Porque te achei interessante.

“Desde que eu havia chegado àquela escola, nunca reparei em ninguém em especial. Sempre fiquei em meu lugar na frente da classe, conversando um pouco com as outras pessoas da classe. Apesar de ser distante igual a você, eu mantinha uma pequena relação com todos e por mais que eu fosse estranha para eles no fim das contas, eu acabei me tornando um pouco popular. Só que aí, houve um dia em que o professor me pediu para fazer a lista de presença do dia e ver quem estava na sala ou não. Foi aí que reparei em você, sentado no fundo da sala, sem ninguém por perto. Quando li o nome ‘Amgis’, eu não sabia quem era até o professor me mostrar você. Daquele dia em diante, eu passei a te observar todos os dias, vendo você ficar apenas em seu canto, sem ter ninguém próximo. Era como se você fosse invisível para todos e só eu pudesse te ver. Depois de algum tempo e saber mais ou menos o seu jeito de fazer as coisas, eu decidi tomar uma iniciativa. Tentei um primeiro contato, mas fui ignorada. Tentei um segundo contato, mas também havia sido em vão. E quando eu estava quase desistindo, surgiu este trabalho em dupla, onde por incrível que pareça, o professor nos obrigou a ficar juntos.”

– E aqui estamos nós dois. Parados, sentados um de frente para o outro, neste pequeno parque bonito, onde de noite poderíamos ver as estrelas no meio destas árvores tão verdes.

Momento de silêncio.

Então quer dizer que toda essa reação em cadeia começou naquela lista de chamada? Que o trabalho foi apenas o carma conspirando? Que apesar de ser popular, ela era basicamente como eu? Ahh, como eu queria voltar no tempo e impedir ela de fazer aquela lista de presença daquele dia. Mas apesar de tudo, de todo o ódio, ela parecia estar sendo sincera. Por mais que eu não conseguisse aceitar e acreditar nela, ela parecia estar ali porque queria estar. E ela também entendia meu sentimento de imunidade. Se fosse mesmo armação, não haveria como ela entender aquele sentimento. Por um longo momento eu pensei antes de tomar a atitude que eu estava prestes a tomar. Quando decidi, respirei fundo primeiro.

– O lugar não é ruim.

Ela sorriu feliz. Afinal, eu tinha dado a chance a ela.

– Obrigada.

Em seguida, começou a tirar os materiais da mochila também. Eu não sabia bem o que dizer, mas já que eu havia dado a ela a chance de me conhecer, resolvi agir como eu fazia antes d’eu me tornar aquele ser frio e solitário que eu era.

– Qual é seu nome?

– Loriety, e o seu?

Nem achei que ela fosse perguntar, pois ela já sabia meu nome. Tudo bem que eu também já sabia o dela, mas poxa, eu tinha que manter as formalidades.

– Amgis.

Quando eu percebi, eu já não sabia mais agir como antes. Agora que eu tentava, eu simplesmente não sabia o que conversar. Talvez fosse o nervosismo, mas ainda assim, aquilo não me afetava tanto assim antes. Realmente eu havia mudado. Agora nem mesmo quando tentava ter contato com alguém desconhecido eu conseguia.

Sem assunto, começamos a fazer o trabalho. Trocamos ideias, criamos o cartaz e apesar de poucas palavras terem sido ditas durante todo o tempo em que fizemos o trabalho, até que não havia sido ruim ficar ali. Quando acabamos, já estava escurecendo e as luzes da praça já estavam acesas. O dia passou mais rápido do que eu havia imaginado e por incrível que pareça, havia sido bom. Quando guardamos todo o material de volta, eu tentei entender o porquê dela estar interessada em mim.

– O que te interessou em mim?

– O simples fato de você estar naquele canto. – Respondeu Loriety

– Como assim? – Perguntei normalmente.

– Quanto mais alguém tenta se isolar, mais ele atrai as pessoas. Pois elas, seja por pena ou por um gesto de bondade, tendem a tentar uma relação com quem se isola. Claro que geralmente fazem isto por pena, e por isto, elas só tentam uma vez. Mas eu não fiz isso por ter pena de você. É porque você realmente chamou minha atenção agindo deste jeito.

– E você acha que é bom o que eu faço?

– Não. Eu sei que não é. Dói ficar sozinho o tempo todo. Solidão é boa em alguns momentos, mas não a todo o momento. Chega uma hora em que precisamos e queremos alguém para conversar, sorrir, chorar. Em resumo: dividir nossas emoções e sentimentos. Por isso me interessei. Porque sinto a mesma coisa. A mesma dor. Pois na maior parte do tempo, eu estou sozinha. Pode até não parecer e pode parecer também que se estou assim é porque quero, mas a verdade é que eu vivo sozinha porque ninguém quer realmente minha companhia.

Fiquei em silêncio. Talvez ela merecesse uma chance mesmo. Mas a dúvida ainda pairava em minha mente. Porque ela era solitária? Tinha alguma doença? Havia feito alguma coisa ruim no passado? Eu ainda não entendia aquilo. Entendia os sentimentos. Entendia o que atraiu ela para mim, mas não entendia como ela podia saber tanto sobre aquele modo de se sentir. Talvez ela tivesse sofrido, assim como eu, várias rejeições de todos ao seu redor. Mas por quê? Ela parecia ser uma boa pessoa e era uma garota bonita. Por isso, eu ainda não conseguia ver uma explicação boa o bastante para aquilo.

Eu resolvi parar por ali. Abri minha mochila e tirei apenas uma folha de papel onde estava escrito um pequeno poema.

– Preciso ir. Fique com isto. – Entreguei a folha. – Talvez a gente se fale novamente.

Eu me levantei e saí rapidamente. Nem olhei para o rosto dela, pois achei que ela devia decepcionada com a minha reação, pois afinal, ela havia tentado se abrir comigo e eu simplesmente estava saindo. Pelo ao menos, eu havia deixado o poema como um sinal de que eu me importava com aquilo tudo o que ela tinha dito.

"Eu Sorrio"

"Eu sei que eu sou confuso
Que fico em meu quarto recluso
Que odeio ter companhia
Durante a maior parte do dia
Mas se você tentar me ajudar
Talvez eu consiga mudar
Eu sei que eu sou estranho
Que para tudo eu me acanho
Que mantenho distância
Aparentemente com ignorância
Mas eu não sou algo ruim
É só você vir até mim...

Eu sei que eu sou distante
E que pareço ser frio
Mas se por um instante
Você acenar, eu sorrio...
Eu sorrio...

Eu sei que eu pareço louco
Que me relaciono pouco
Que pareço ser problemático
E desnecessariamente apático
Mas se você vier falar comigo
Verá que sou um bom amigo...

Eu sei que eu sou distante
E que pareço ser frio
Mas se por um instante
Você acenar eu sorrio
Mesmo parecendo ser um arrogante
E um cara muito sombrio
Mas se por um instante
Você acenar, eu sorrio"


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Notas finais do capítulo

Gostaria de dizer que o poema "Eu sorrio" é meu. Eu realmente me sinto assim. Então se gostarem do poema, deixem um comentário ou algo assim. E não copiem, por favor.



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