Mr. Hope escrita por Fany Rosered


Capítulo 3
Isso tem que ser um pesadelo!


Notas iniciais do capítulo

Aqui está o capítulo!
Espero que gostem!



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Branco. Tudo está branco. Só há branco aqui e mais nada. O silêncio domina, nada acontece. Tenho a impressão que estou aqui a horas, mas não sei ao certo quando tempo se passou desde que cheguei aqui, para falar a verdade não faço ideia de como vim parar nesse lugar. Quando cheguei não tentei falar, ou andar por ai, ou fazer qualquer outra coisa, de algum modo eu soube que eu tenho que esperar, apenas isso.

E então, bem ao longe um barulho surge, parece apenas um chiado, porém conforme se aproxima começa a parecer uma voz humana. De repente, meu corpo começa a flutuar para longe, não como se eu estivesse voando, mas sim como se uma mão gigante e invísivel estivesse ali me carregando. O lugar branco começa a sumir, e o volume da voz vai aumentando cada vez mais, começo a me distanciar com mais rapidez indo em direção a escuridão, logo estou longe o suficiente para ver toda aquela brancura apenas como um ponto pequeno. Por fim, o pequeno ponto branco tremeluziu ao longe e finalmente desapareceu, mas a voz ainda continuava ali agora no seu volume máximo. Estava flutuando cada vez mais rápido me aprofundando na escuridão, e me sentindo cada vez mais leve como se eu estivesse voltando para o meu lugar correto, a voz ainda estava ali, mas eu não conseguia captar o que dizia. Quando cheguei ao meu devido lugar parei de flutuar, fiquei fitando a escuridão por algum tempo, sem nada acontecer, e finalmente abri os meus olhos.

***

A luz que vem da janela machuca meus olhos fazendo eles arderem e lacrimejarem, pisquei repetidamente algumas vezes até me acostumar com aquela claridade. Eu sinto como se tivesse acabado de acordar de um sonho, mas eu não lembrava o que aconteceu nele, porém sei que é mais que isso, não é apenas uma sensação estranha de um sonho.

Toda a região da minha garganta arde e minha cabeça está latejando. Um inalador está sobre o meu nariz, provavelmente apenas para “incentivar” minha respiração, pois por mais que eu esteja respirando, faço isso de modo fraco. Bips contínuos me chamam a atenção e pela primeira vez, reparo nos aparelhos que estão ali e nos fios que me interligam a eles. Observo melhor o lugar onde estou, tudo é da cor branca, desde as paredes até os lençóis da cama, metade da parede que fica a minha direita é ocupada por uma tela de vidro que permite que eu veja as pessoas que estão lá fora e quem estiver lá pode me ver, mas ali não tem ninguém. Estou em um hospital, e não é qualquer hospital, é o Hospital Geral de Montreal* o lugar onde meu pai trabalha e que eu conheço como se fosse a minha própria casa, de tanto correr por esses corredores quando acompanhava meu pai em seu trabalho. Mais precisamente dizendo, estou na UTI.

Forço minha memória tentando lembrar o que aconteceu para eu estar ali, e enfim as cenas do meu dia catastrófico aparecem em minha mente, foi como se uma luz se acendesse de repente em meio a escuridão. O acidente, era a causa, lembrar do caminhão se chocando contra o carro me fazia sentir uma forte dor na cabeça. Onde estariam meus pais nesse momento? Será que também estariam na UTI? Ou será que estariam... afastei esses pensamentos com um leve movimento da cabeça, meus pais devem estar bem, assim como eu estou.

Uma vontade de me sentar apareceu do nada, como se alguém estivesse me desafiando a fazer isso. Bufei com esse pensamento, definitivamente estou ficando paranoica. Mas, uma onda de pânico me invadiu quando fui tentar apoiar minhas mãos nas beiradas da cama, eu não conseguia, eu não podia, minhas mãos não me obedeciam, porque eu não sentia minhas mãos, na verdade não sentia nenhuma parte do meu corpo que ficasse abaixo do meu pescoço. O nó na garganta começou a se formar. Um bip soou, diferente daqueles que vem do aparelho que monitora meus batimentos cardíacos, um mais agudo e sem ritmo algum, logo que o bip parou uma moça loira com um jaleco apareceu no quarto, reconheci seu rosto, é a Dra. Caren ela parecia estar espantada, mas balançou a cabeça e assumiu uma expressão de normalidade.

– Olá, Samantha. Como está se sentindo? –perguntou ela com um sorriso no rosto.

– Por que não consigo sentir meu corpo? –perguntei ignorando seu sorrisinho e a pergunta que tinha feito. Senti um incômodo ao falar, tive um pouco de dificuldade porque minha garganta começou a doer, também percebi que minha voz está ligeiramente mais fraca não só por conta do inalador que está sobre meu nariz.

Observei enquanto Caren mexia nervosamente no cabelo, ela começou a murmurar algo que não consegui escutar, parecia que a Doutora entrou em um transe.

– Dra. Caren? –chamei ligeiramente alto, tentando não forçar muito minhas cordas vocais. Ela se assustou e me fitou preocupada.

– Olha, Samantha. Eu acho melhor não te contar nada e... –começou Caren, mas cortei antes que ela pudesse terminar.

– Desculpe se vou ser grossa agora, mas pouco me importa se você acha que é melhor não dizer nada para mim, só que você se esqueceu de que o que está acontecendo é na minha vida, portanto eu tenho o direito de saber –falei sem pausas, o que me rendeu um grande incômodo, uma forte dor na garganta, e uma certa dificuldade para respirar. Caren pareceu ficar ainda mais nervosa.

– Não faça muito esforço, você acabou de passar por um grave acidente –falou ela depois de algum tempo.

– Estou começando a ficar impaciente, por favor me diga, é a minha vida aqui –pedi sentindo as lágrimas se acumularem nos meus olhos.

Dra. Caren suspirou derrotada, e me fitou com pena. Odeio que sintam pena de mim.

– Fisicamente, você saiu ilesa daquele acidente, nenhuma cicatriz, nenhum hematoma. Mas você fraturou uma das vértebras cervicais, que caso não for uma lesão mortal, ocasiona uma tetraplegia –disse ela desviando o olhar- Sua lesão é do nível C4, não é um nível muito grave, no entanto continua sendo um nível alto. Boa parte do seu diafragma foi preservado, mas ainda sim uma parte foi fraturada, por isso você está com esse inalador te ajudando a respirar melhor, mas quando você receber alta e ficar sem o inalador, sentirá um pouco de dificuldade ao respirar, só que logo normaliza. Suas cordas vocais foram preservadas em 96%, somente 4% foi danificado, por isso você vai sentir um incômodo ao falar, talvez sinta dor e sua voz vai ficar um pouco mais fraca, nessa fase de recuperação tente não exaltar muito a voz ou gritar, isso pode danificar ainda mais as cordas vocais –explicou Caren- Samantha, você teve muita sorte, foi um acidente fatal, era pra você ter morrido na hora, sem contar as duas paradas cardíacas e as outras duas paradas respiratórias, e uma semana em coma, pensamos que não iria mais acordar, sua tia esteve aqui agora e se despediu de você. O que aconteceu é um milagre, Deus quer mesmo que você fique viva –terminou a Doutora, por fim.

Eu fiquei incrêdula com aquilo tudo, minha mente se encontrava em uma confusão de pensamentos. Eu estou tetraplégica, mas estou viva. E agora não sei como me sentir, não sei se fico triste e desolada por estar tetraplégica, se fico feliz e grata por ter sobrevivido, se sinto raiva do motorista do caminhão, ou se sinto ódio e culpa por ter desviado a atenção dos meus pais, não ter aceitado o que eles disseram e causado aquele acidente. Como eu podia expressar meus sentimentos? Rindo? Chorando? Gritando? Fitando o nada? Optei por chorar, deixei aquele nó se desfazer e as lágrimas quentes saltarem dos meus olhos. Eu agora sou uma inútil.

– Onde estão meus pais? –perguntei com a voz trêmula e fraca.

Dra. Caren disse que foi um acidente fatal, um lado meu já aceitou que o pior aconteceu, porém o outro lado tem esperança e quer acreditar que eles estão bem, resolvi dar razão para o lado positivo. Mais uma vez, a Doutora me fitou com aquele olhar de pena, quis dizer para ela não sentir pena de mim, mas tudo o que consegui quando abri a boca foi soluçar.

– Sinto muito. Não pudemos fazer nada. Quando a ambulância chegou ao local eles estavam mortos. Supomos que morreram na hora, o impacto foi muito forte –contou a Dra. Caren com os olhos cheios de lágrimas.

Mortos? Como assim? Meus ouvidos estão me enganando. Eles não podem estar mortos, simplesmente não podem.

– M-mortos? –consegui gaguejar desajeitadamente tentando reprimir um soluço.

– Isso mesmo, Samantha. Eu estou desolada, imagine você –respondeu ela com a voz tremulando ligeiramente.

Aquelas palavras me atingiram como um tiro, eles se foram. Meus pais partiram. Não pode ser verdade. Não pode.

– Isso é um pesadelo –murmurei enquanto soluçava fazendo minha garganta arder.

– O que disse?

– Isso é um pesadelo –repeti exaltando um pouco mais a voz.

– Não, Samantha isso não é um...

– ISSO TEM QUE SER UM PESADELO! –gritei. Parecia que minha garganta ia explodir de tanta dor, mas eu não me importo, isso é só um pesadelo mesmo. Sentia as lágrimas escorrendo pela minha face e podia ver elas molhando a camisola hospitalar que alguém vestiu em mim.

– Acalme-se. Não grite, isso pode danificar ainda mais suas cordas vocais –pediu Caren.

– ISSO TEM QUE SER UM PESADELO! TEM QUE SER! –repeti ainda gritando, ignorando o pedido da Doutora.

Alguns enfermeiros entraram no quarto preocupados com aquele gritaria toda, mas isso pouca importa eu vou acordar desse pesadelo e nenhum deles vai estar lá.

– Sedem ela –pediu a Doutora para eles.

Uma pontada forte atingiu meu coração, minha visão começou a turvar e os sons ao meu redor pareceram começar a diminuir de volume. Os bips frequentes pararam dando lugar a um som agudo, indicando a parada do meu coração.

– Oh meu Deus! Ela está tendo uma parada cardíaca! Tragam o desfibrilador.

– Vão!

– Oh meu Deus ela está perdendo a consciência.

Não consegui mais captar os movimentos ao meu redor, minha visão escureceu completamente. Não ouvi mais nada. Pela segunda vez, a inconsciência me tomou.

*Montreal General Hospital ou Hôpital Général de Montréal, no idioma original.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo!
~AnaTefMione~



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