Tempo Traiçoeiro escrita por Loren, Sil


Capítulo 4
Capítulo Três


Notas iniciais do capítulo

Perdoem-nos pelo atraso. Esperamos que gostem! ♥



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Pedro a encarava profundamente, o que a deixou extremamente desconfortável e com uma ligeira falta de ar. Quando finalmente tomara coragem de balbuciar algo coerente, sua frase não poderia ter sido mais inteligente.

—Você não é Edmundo. - pronunciou, se sentindo a mais imbecil das pessoas logo após e notando que, pela expressão do Grande Rei, ele compartilhava da mesma opinião.

—Que bom que notou o óbvio. - o loiro respondeu irônico, irritando-a.

As primeiras notas da valsa começaram a soar, conscientizando ambos do que tinham de fazer. Pedro pousou a mão direita na cintura de Valentina com certa relutância, a morena observou, como se estivesse sendo tocada por brasa. Ignorou este pequeno detalhe e se concentrou em tudo o que havia absorvido de suas aulas, rezando para que conseguisse realizar os passos corretamente, embora quisesse com todas as suas forças pisar nos pés de seu tão inconveniente par. 

—Eu quis dizer que, bem, por que você e não Ed? - resolveu puxar assunto após o silêncio constrangedor que se instalara entre os dois se tornar quase palpável.

—Achei mais adequado. - disse, simplesmente.

—Poderia ter me consultado. - Valentina retrucou, impaciente.

—Como disse?

—Eu não dou a miníma se você não se importa, realmente. Mas é um momento especial pra mim e eu gostaria muito de estar passando por ele com o meu melhor amigo ou com alguém que eu gosto, ao menos. - disparou num fôlego só, enquanto rodopiavam pelo salão. Sentiu a mão de Pedro pressionar sua cintura com uma força demasiada, levando-a a pensar se realmente fora uma boa ideia confrontá-lo. Suas suspeitas foram confirmadas quando o rei aproximou o rosto de seu ouvido.

—Escute, garota insolente, você pode escolher parar agora e nos poupar da presença um do outro, ou estragar o seu precioso baile. O que acha, princesinha?— aquilo foi o ápice para que a tênue linha de paciência a qual Valentina se agarrava se esvaísse completamente.

—Eu acho, Pevensie, que você é um tolo de pensar que não posso aguentar a sua companhia desprezível por mais algum tempo. Você não me intimida e, ao que parece, nem os calormanos. Repense suas estratégias diplomáticas, se quiser que a paz permaneça em Nárnia.

E antes que pudesse dar uma resposta a altura, a música cessou e a princesa deu-lhe as costas, se dirigindo a Edmundo com passos firmes. Estranhamente, o que a menina lhe dissera não o irritou, muito pelo contrário, diria que fora até encantador e era atordoante que pensasse dessa forma. Talvez estivesse virando um masoquista sem se dar conta, porém essa dúvida ficaria para uma outra ocasião. A questão naquele momento era quando Valentina ficara tão corajosa e determinada, pois até então, tais qualidades não faziam nem de longe parte da concepção que possuía da garota. Estava tão imerso em incertezas, que não percebeu quando Susana se aproximou, com aparente ansiedade.

—Fez o pedido?

—O quê?

—O pedido, Pedro. Não me diga que esqueceu, por favor.

—Claro que não, Susana, é que não me pareceu apropriado fazer isso durante uma dança.

—Não protele, Pedro, você já adiou demais.

—Nem sei por que ainda estou aqui me alongando em justificativas, vá arrumar um outro alguém para amolar, Susana. - o loiro disse curto e se afastou da irmã, indo procurar algo forte para beber e que de preferência o fizesse esquecer do fardo que era sê-lo.

*

Sua fúria apenas se elevou quando, enquanto corria os olhos pelo salão a procura do culpado daquela terrível discussão, o próprio se mostrou perfeitamente tranquilo escorado em uma coluna de mármore; e, para piorar, quando Valentina estava próxima o bastante, o único movimento que Edmundo fez, foi o de levantar a taça de vinho que possuía nas mãos, num debochado cumprimento.

—Por que fez isso?! - perguntou, sem delongas.

—Disponha, caso isso seja um agradecimento. - disse, com um pequeno sorriso nos lábios que sabia que irritaria ainda mais a princesa.

—Ah, com certeza não é, Pevensie. Só Aslam sabe a posição em que me colocou.

—Esclareça, minha cara. - pediu, mexendo a taça que segurava como se quisesse misturar seu conteúdo.

—Me descontrolei e disse que seu irmão era um péssimo rei, agora muito provavelmente serei guilhotinada ao primeiro raiar do dia. Isso é terrível, eu nem ao menos dei o meu primeiro beijo, nem fui para nenhuma guerra, nem fui para todos os lugares que gostaria de ir. Minha vida foi curta e lastimável.

—Bom, pra começar, não estamos na Revolução Francesa. Se for para te executar, Pedro mandará você duelar comigo. - o moreno brincou, convencido e abriu um sorriso ainda maior ao ver a expressão carrancuda da menina. - Segundo: como assim você nunca beijou ninguém? Isso sim é lastimável. Para sua sorte, sou muito caridoso com moribundos e posso resolver o seu problema com um ou dois beijinhos, ou meia dúzia, se for o caso de você ser uma pessoa talentosa. - recebeu um soco no ombro, da amiga.- Calma, calma, estou brincando, não seja tão dramática. Agora, por favor, relaxe e curta sua festa, beba escondido, não sei. Faça coisas que crianças da sua idade fazem.

—Você é só um ano mais velho, seu idiota.

—Sou um rei, querida, a cada ano que você envelhece, eu envelheço cinco.

—Tudo bem, mas agora responda minha pergunta inicial.

—Que era?

—Sobre Pedro, Ed! Por que não dançou comigo? - indagou, impaciente.

—Ele insistiu para que fosse ele. - embora o amigo dissesse cada palavra de forma descontraída, Valentina reparou que ele havia assumido uma postura um pouco ansiosa, deixando-a desconfiada.

—E por que ele fez isso?

—Não faço ideia, talvez ele esteja retribuindo a sua quedinha, quem sabe? - Edmundo havia mentido. A provocação era claramente uma fuga, mas a garota resolveu não fazer mais perguntas, por ora.

—Não existe quedinha nenhuma, você sabe.

—Até que enfim você notou que eu sou o irmão mais bonito. - disse, se fazendo parecer entediado e acrescentou: -Aliás, você é uma péssima anfitriã, vá cumprimentar seus convidados. Vão achar que você é uma mal educada, o que com certeza você é, mas seus súditos não precisam saber.

—Eu vou, porém depois conversaremos. - declarou, já se afastando.

—Mal posso esperar para ver seu decote novamente, querida. - Edmundo disse, mais uma vez levantando a taça e dando uma piscadela.

—Seus súditos não precisam saber que é um imbecil, Ed. - Valentina rebateu, também piscando.

*

Depois de passar ao menos uma hora em cumprimentos formais e tediosos, Valentina finalmente encontrara uma deixa para se sentar e descansar os pés, que sofriam sendo massacrados pelos sapatos de salto. Se acomodou numa mesa que, à exceção de Lúcia, estava vazia. A rainha, por sua vez, possuía um semblante de contentamento perceptível a quilômetros, o que a princesa considerou, no mínimo, perigoso.

—Eu te odeio por ter me feito usar esses sapatos.- afirmou.

—Me diga como foi. - Lúcia a ignorou, tomando as mãos da amiga nas suas.

—A dança, você quer dizer? - indagou, fazendo a rainha assentir. — Eu poderia dizer que foi terrível, mas seria um eufemismo.

—Jura?! O que você fez? Pisou nos pés dele?

—Isso de fato passou pela minha cabeça, mas seu irmão faria um escândalo e isso não seria bom para nossa reputação perante as outras nações hoje aqui presentes, não é mesmo? - deu de ombros, como se o que dissera fosse óbvio.

—Olha só quem anda falando de diplomacia. - Edmundo apareceu de súbito, levando as duas moças a se sobressaltarem. O moreno sentou-se do outro lado de Valentina, que, alheia aos olhares inquisidores que os convidados lhe lançavam, retirou os sapatos e tornou a apoiar as pernas no colo do amigo. —Pode fazer isso em público? - o rei questionou, recebendo uma negativa de Lúcia, que ria com gosto. —Isso é ótimo, pode continuar. E então, sobre o quê conversavam? 

—Falávamos mal de Pedro. - a rainha sussurrou, aproximando o rosto para que apenas os outros dois ouvissem.

—Esta é uma atividade revigorante. - Edmundo sorriu, sarcástico.

—Eu estava dizendo à Lúcia a catástrofe que foi a dança. - explicou Valentina, inserindo-o no assunto.

—Ah, sim, estou bastante empolgado para planejar a sua execução. - declarou, entretanto, ao perceber que a irmã não houvera compreendido, incluiu: — Vale, disse ao nosso querido irmão que ele é um rei medíocre.

—Você é mais audaciosa do que eu pensava! - a rainha exclamou, gargalhando.

—Obrigada, mas não me orgulho disso. Seu irmão é um bom rei, apesar de tudo. - a morena respondeu, séria.

—Não se martirize, Pedro vai sobreviver às suas críticas. Aliás, era disto que ele precisava fazia um bom tempo. - disse Edmundo.

—Concordo. - acrescentou Lúcia.

—Querem saber? Vocês estão mais do que certos. Eu não tenho culpa se o Grande Rei tem sido tão estúpido. Até mesmo alguém como ele precisa ouvir verdades. Além disso,...

O entusiasmo da garota durara pouco ao escutar um alto pigarrear, e dissipara-se por completo ao ouvir a voz grave que o seguiu.

Davis— Pedro a fitava intensamente -, sinto ter de atrapalhar sua, ahm, conversa - encarou os irmãos com certo rancor. -, mas temos assuntos a tratar. Venha até meu gabinete em cinco minutos. - e sem mais, o rei se afastou, deixando os três amigos bastante tensos.

De alguma forma, as palavras pareciam ter sido aprisionadas em sua mente, impedindo-a de emitir sequer um som. O maxilar travado, as mãos suadas e trêmulas, as batidas aceleradas de seu coração; era tudo, ela sabia, resultado do choque que fora admitir para si mesma que havia ultrapassado todos os limites. Fora muito presunçoso de sua parte achar que poderia falar o que quisesse e sair isenta de qualquer punição. Agora, na melhor das hipóteses seria exilada e ninguém poderia fazer nada para protegê-la. Ninguém teria poder para fazê-lo. O próprio Aslam nomeara Pedro como o principal guardião de Nárnia e ao desafiá-lo, estaria desafiando o grande leão, o que para ela era imperdoável. 

—Você precisa ir, querida. - ouviu vagamente a voz de Lúcia dizer.

Reunindo o resto de dignidade que possuía, calçou os sapatos e se levantou. Sua condição era desesperadora, mas teria de se conformar, talvez algum dia Aslam a perdoasse por ser tão burra. Prometera que não tentaria argumentar ou se justificar, isso só pioraria tudo e seria o mais hipócrita dos erros. Respirou fundo tentando recordar-se do que era coragem e falhando; esse pensamento apenas a deixando com mais medo. Antes que pudesse se dar conta, a imensa porta de carvalho encontrava-se à sua frente, parecendo maior que o normal e mais imponente que nunca. Entrou sem bater, esquecendo-se completamente dos bons modos que lhe restavam.

—Majestade. - o reverenciou, com o mínimo de polidez.

—Sente-se. - ordenou, sem a menor delicadeza.

Valentina se empertigou levemente, antes de se dirigir à mesa e sentar-se, com a postura inconscientemente ereta demais. Pedro não falou nada logo de início, ela reparou, segurava um copo com gelo e alguma bebida destilada cuja garrafa jazia na mesa, quase pela metade. Carregava um olhar amargo, também, o que era absolutamente compreensível.

—Pedro, eu gostaria de pedir perdão pelo...

—Esqueça. Não te chamei para isso. - esclareceu, sisudo.

—Foi para o quê, então? - a menina indagou, com incredulidade.

—Preciso fazer algumas perguntas. A primeira delas quero que responda com sinceridade.

—Diga.

—Você ama meu irmão? - aquele era definitivamente o último questionamento que esperava.

—Em que sentido você diz?

—No amoroso, é claro. - ela já suspeitava, aquele tipo de dúvida era bastante comum para estranhos, pois sua relação com Ed era muito próxima, embora não passasse de algo fraternal. Não achava que Pedro desconhecesse esse teor. Isto a surpreendeu. 

—Não. Eu o amo profundamente, mas Ed é tão meu irmão quanto seu. Por que a pergunta?

Ele suspirou. Precisava encenar um teatro, caso fosse muito direto, Valentina se assustaria e não aceitaria o pedido. Pela primeira vez, torceu internamente para que a sua paixão platônica ainda existisse. Virou-se e sorriu.

—Curiosidade. Está deslumbrante hoje.- elogiou e apontou para o vestido.

Ela fechou a boca e arregalou os olhos, muito surpresa. O loiro nunca havia se referido a ela de maneira tão... íntima, para não dizer sensual. Ela apenas engoliu em seco e assentiu, sem dizer mais nada. Sentia o rosto esquentar e controlou-se para ele não perceber o ritmo de sua respiração mudar tão abruptamente. Por que ela se sentia daquela maneira? Como se tivesse algo se revirando loucamente em seu estômago? Como se a sua garganta se fechasse em um nó, mas um nó gostoso, que estava ansioso por outras palavras do loiro para se apertar ainda mais.

Ele dirigiu-se para o pequeno bar e abriu uma garrafa, servindo uma taça de vinho branco. Quando virou-se novamente, estendeu a bebida e ela pôde reparar em seu rosto. O seu olhar carregava um semblante nervoso, porém sua boca desenhava-se em curvas maliciosas. Ela aceitou e pegou o objeto com as duas mãos, temendo que o deixasse cair se fosse segurar apenas com uma. Ele sentou-se ao seu lado no sofá, mais relaxado que ela, jogando suas costas no encosto e cruzando as pernas. A proximidade dos corpos passava do comum e aquilo deixou os dois nervosos.

Ela se recusava a acreditar que aquelas sensações ainda eram por causa de sua antiga paixão. Há muito que não via mais Pedro dessa maneira, ao menos era o que achava. Desde a decepção um ano antes, ela se afastara para pensar melhor sobre tais sentimentos e com o passar dos dias, convencera-se de que era somente pela sua aparência, afinal, nunca havia conhecido rapaz tão belo como ele. Além do mais, era mais velho, o que o fazia saber mais sobre variados assuntos e inteligência era algo que chamava a atenção de Vale. Então, se não era mais paixão, por que tinha a mesma sensação de quando o viu pela primeira vez?

—Acredito que não goste muito de beber.- ele comentou e deu um gole na própria bebida.

—Não bebo, no geral.

—Deveria começar. É relaxante.- ela deu um pequeno gole e sentiu a bebida descer suave, mas logo seu corpo esquentar. - O vinho branco é o melhor para começar. Não é tão forte, porém o gosto é tão agradável quanto um tinto ou um espumante.

Nesse ponto da conversa, ele levou uma mão para os cabelos dela. Ela empertigou-se ainda mais e prendeu a respiração.

O que está acontecendo? E por que eu não quero que pare?

Ele continuou a brincar com os fios, enrolando em seus dedos. Vez ou outra, esbarrando de leve suas costas, o que a fazia suspirar inconscientemente.

—Então? Nada a dizer sobre isso?

—Isso... Isso o quê?- perguntou, distraída.

—Beber.- olhou para sua taça e deu outro gole.

—Acredito que levaria um tempo para me acostumar, até mesmo com esta bebida.

—Bem, sabe o que dizem sobre os vinhos.- disse e sentou-se mais ereto, retirando algumas mechas de seu ombro. Ela negou com a cabeça e ele aproximou o rosto de seu pescoço, murmurando.- Ficam melhores com o passar do tempo.- e beijou a pele exposta.

Ela não o impediu. Fechou os olhos e suspirou com o calor que se estendeu por todo o corpo. Nunca havia sido tocada de forma alguma, nem sequer sido beijada e, no entanto, ali estava o Grande Rei depositando leves toques de sua boca em seu pescoço. Ela deveria perguntar-se o que raios estava acontecendo, mas a verdade é que só conseguia pensar que sempre estivera certa sobre a suposta maciez dos lábios do loiro. Ele continuou a descer pelo ombro e sua mão localizava-se em sua cintura, segurando-a firmemente. Quando ele depositou um último beijo em sua clavícula, ela já pensava em puxá-lo para um verdadeiro beijo, quando ele saiu do sofá, ajoelhando-se. Ela o fitou, desconcertada.

—Pedro, o que...

—Acredito que talvez tenhamos perdido muito tempo, Valentina. E se eu pudesse conhecê-la melhor com o tempo, assim como o vinho?- disse, olhando para diretamente para sua saia.

—Do que você está falando?- por um momento, ela sentiu o peito dar um pulo. Ele pegou suas mãos.

—Valentina, você se casaria comigo?- ele a olhou, por fim. E ela enfureceu-se.

Não soube descrever o olhar dele, o que sentia, mas não parecia feliz. Parecia enjoado. Em sua mente ela só lembrava-se daquela noite em que ouvira a conversa de Susana e Pedro. Aparentemente, ela havia conseguido convencê-lo. Porém, Valentina não ia se permitir aquela humilhação. Como o homem que havia a chamado de criança, a fazia aquela proposta após um ano? Sentia-se como a última opção, o lixo esquecido. Passara um ano para esquecer a tristeza que a invadira durante aqueles dois dias seguidos. Não ia deixar seu esforço ser em vão e nem mesmo fugir como a primeira vez.

—Isto é uma brincadeira de mau gosto?- ele arregalou os olhos, surpreso.- Pois não há graça alguma.

—Espere, acho que você não entendeu...

—Ah eu entendi, Pedro! Entendi perfeitamente! Não bastava ter me insultado à frente de sua irmã, precisava brincar com minha paciência também, não é? Eu acreditava que ao menos você tivesse um pouco de respeito por mim!- exclamou e levantou-se, indo para a porta.

Ele a segurou pelo pulso, pedindo para se explicar, mas a fúria dela era tão intensa, que ao virar-se, involuntariamente, jogou o resto do vinho branco no rosto do rei. Não sentiu-se arrependida, nem por um segundo.

—Aproveite seus vinhos sozinho.- ele passou a mão pelo rosto e seus lábios tremiam de raiva.

—Qual o seu problema?! Por que sempre tem que agir como uma criança mimada e egoísta?!

—Egoísta?! Então acha que eu me defender, eu pensar em mim primeiramente, é egoísmo?! Talvez pense assim porque nunca tivera o coração partido!

—Coração... De que está...

—Bom, eu espero que você nunca tenha que passar por isso, majestade. É um inferno.- ao se retirar, bateu a porta com força e apressou-se para o salão.

Não podia acreditar que por um momento pensou em beijá-lo. Não podia acreditar que seu peito bateu um pouco mais forte por causa da aproximação dele. Não podia acreditar que por um momento gostou. Escorou-se na coluna e recuperou o ar perdido. Ela passara um ano recompondo-se da desilusão que sofrera. Não entendia como que todas aquelas sensações voltaram, se durante os últimos meses não as sentira quando estivera perto dele. Bufou.

Isso não quer dizer nada. Foi o charme dele. Querendo ou não, ele é charmoso, suspirou lembrando do acontecido minutos atrás. Muito charmoso...

Abanou a cabeça, praguejando contra si mesma.

—Valentina!- ergueu o olhar e encontrou o flautista da banda da aldeia.

—Sr. Ventura!- erguendo as costas, caminhou com mais calma para perto do senhor barrigudo.- Como está?

—Um pouco confuso, senhorita.

—Por que diz isso?

—A majestade, a Rainha Gentil, disse que não vamos tocar. Está certo isso? Pois a senhorita já nos pagou. Podemos devolver o dinheiro.- ela revirou os olhos.

—Esqueça o que a rainha disse. Vocês tocarão sim. E, de preferência, agora. Preciso dançar! E sem aquelas frescuras de um passo aqui e dois ali.

—Mas a rainha...

—A festa é minha, Sr. Ventura. Toque. Agora.- ordenou com uma ferocidade tão perceptível na voz, que o Sr. Ventura nem pestanejou um segundo a mais.

A música era mais alegre. A batida era mais forte e não haviam regras para a dança. Os convidados plebeus logo perceberam a mudança e tomaram conta do salão. Alguns poucos nobres, mais liberais, tiveram a coragem de se aventurar naquele meio. A própria Lúcia era uma destas. Ela e Valentina se deram os braços e dançavam em círculos, deixando suas risadas misturarem-se com os sons dos sapatos contra o chão e os instrumentos.

—Isso é uma...- reclamava Susana, quando Edmundo a interrompera.

—Maravilha!- ela o fitou de olhos arregalados.- Não suportava mais aquele violino!- enroscou o braço com o de uma loira e juntaram-se com os outros.

Susana correra para um garçom, em busca de uma bebida bem forte. Nunca fora muito de beber em público, mas aquela situação tão ameaçadora aos bons costumes a deixaram tão enjoada que apenas uma quantidade de álcool a fariam recompor-se. Ou, pelo menos, esquecer. A aniversariante pouco se importava. Pelo contrário, sentia-se enfim melhor. Aquela era a dança que ela sabia: sentir a música e mexer-se do jeito que queria. Esqueceu-se do estresse de antes e não pensara mais sobre o assunto até o fim da apresentação dos músicos, apesar de, antes de dar o primeiro pulo, perguntara-se o que o loiro estaria fazendo.

*


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