Begin Again escrita por Nina Spim


Capítulo 9
Chapter Nine


Notas iniciais do capítulo

Sim, eu voltei. Tinha prometido que postaria no fim de semana passado, mas, devido a problemas de inspiração, não pude.
Mas aqui está ;)

Boa leitura.



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Parte XVII - Deixe tudo ir, deixe tudo ir, deixe sair tudo agora

           (...)

           Eu não sei por que precisamos nos magoar tão duramente

           (Let It All Go, Birdy feat. Rhodes)

Gostaria de poder fechar os olhos e pensar em outra coisa. Gostaria de estar em outro lugar, qualquer outro. Não aqui – não com eles. Sei o que vai acontecer e não dá para ficar calada diante disso. Mas, na verdade, fico. É porque estou aterrorizada. Sinto como se este fosse o meu último minuto de vida. Como se nada mais importasse depois de agora.

Minha respiração está rasa e dolorida.

Não — sussurro. Estou implorando e isso é ridículo, mas não consigo me refrear. Olho para Finn, suplicante. Carregando o peso de quase dez anos nas costas. É a culpa me afligindo, me legitimando, me reduzindo a nada.

Finn me encara. Ele sabe. Ele sabe de tudo. E mais ainda: ele não se importa. Vai até o fim com isso, porque é o que deveria ter feito há muito tempo. Eu sei, ele sabe. Quinn, talvez, nem tanto. Mas vai saber agora.

— O quê? – ouço a voz de Quinn perto de mim, perto o bastante para me assustar e me confortar ao mesmo tempo – O que você quer?

Arrisco um olhar para ela e noto que existe uma entonação crítica em sua voz e que seu rosto está contorcido, um pouco raivoso.

A natureza não nos ajuda com sua exuberância. Não estamos em North Fork, porque Finn pegou uma estada adjacente à rota. Paramos aqui, numa espécie de hotel-fazenda abandonado. Eu disse não, eu disse umas quinze vezes. Mas Finn não retrucou, apenas seguiu em frente. Apenas depois que brecamos que ele se pronunciou:

— Vamos fazer a coisa certa – não era uma afirmação, mas um pedido. Eu disse que não podia, sabendo de que se referia. Disse que, se ele continuasse com aquilo, iria destruir tudo. Ele apenas mandou: – Eu, destruir tudo? Como destruir algo que já está em ruínas? Precisamos fazer a coisa certa.

Eu saí do carro, tamanha a minha indignação e desespero. Não podia fazer isso. Não era a hora – eu não tinha coragem.

Finn foi atrás de mim. Não disse nada por um tempo. Basicamente, me ofereceu mais uma chance; não de consertar algo entre mim e ele, mas de consertar tudo: cada um dos escombros que deixei ao longo dos anos.  

Então, eu gritei uma, duas, cinco vezes:

— Eu não posso fazer isso.

Ainda não posso fazer isso, mas parece que farei. E, se eu não conseguir por conta própria, Finn o fará. E, apesar de tudo, não é mais injustiça. É apenas a verdade aparecendo. Nós três merecemos isso.

— O que eu quero não é tão diferente do que você quer, Quinn – Finn responde num tom casual e equilibrado – Então, por que não começa, Rachel? – ele desvia os olhos de Quinn para mim, com uma intensidade sugestiva.

Sou capaz de parar a respirar a qualquer minuto a partir de agora.

Sinto meu rosto esquentar e não tenho condições de sustentar o olhar de ninguém. Gostaria que especialmente Quinn não estivesse tão próxima a mim. E que sua atenção não estivesse tão centrada em minha reação. Abro a boca, mas nada realmente sai. Estou travada – eu nem ao menos sei o que ele quer que eu diga. Por onde começar? São tantos anos para colocar em pratos limpos...

— Você não tem que obrigá-la a nada – Quinn o acusa e sei que ainda há raiva. Se eu estou recuada num canto, amedrontada, Quinn demonstra o oposto. Ela está agressiva e isso é novo. – Você está sendo covarde. Essa situação inteira está covarde. Eu a ouvi muito bem gritar que não queria isso, que não podia fazer isso. E quer saber? Todo mundo tem o seu tempo. Eu sei o que quer com tudo isso, mas não pode ser assim. Você não pode obrigá-la.

Estou agradecida e me sentindo uma idiota ao mesmo tempo.

Como isso foi acontecer?

Como um simples casamento pôde mudar tanto a minha vida? Não. Como um fantasma pôde se tornar tão presente?

— N-não – eu gaguejo e olho para Quinn.

Meu nariz pinica e acho que vou chorar em breve, mas relevo esse detalhe. Preciso seguir em frente e não me abater. Quinn me olha, surpresa. Finn também, mas com um sorriso de triunfo. Ele quer me despedaçar, porque acha que isso tornará tudo menos doloroso. Mal sabe ele que esse é o pior caminho.

Olho para o chão batido, porque parece mais fácil.

Solto o ar lentamente, porque preciso me re-estruturar. Vai dar certo se eu resgatar a minha calma. Talvez, se eu apenas... Bem, se ninguém estivesse aguardando uma resposta. Mas aí, como eu saberia que resposta dar? Talvez, assim seja melhor: na loucura.

— E então? – Finn pergunta, soando impaciente.

Encolho-me contra a lataria do carro, também porque preciso de alguma sustentação. Cruzo os braços – esse tipo de gesto sempre me deu a sensação de que estou formando um escudo entre mim e o mundo. É a sensação de falsa segurança da qual preciso no momento.

— Você não precisa fazer isso – a voz doce de Quinn corta o ar. É o que mais dói, pois sei que ela está sendo sincera. Não quer me machucar e não quer que eu me machuque com isso. Mas acontece que já estou machucada demais e não há conserto. Não posso apagar minhas feridas.

Num átimo, estou pensando, tentando organizar o que está acontecendo. Quinn diz isso porque já sabe o que vou dizer? Ou simplesmente não se importa com o que tenho a dizer? Estou confusa e não sei mais o que devo falar.

— Ela tem que fazer isso – Finn confronta Quinn, num tom alterado. Parece ainda mais impaciente. – Vamos lá, Rachel. Vai ser melhor para todo mundo. Ou quer que eu diga? – sua voz é persuasiva de modo cruel.

 Isso é o suficiente para eu entender que ele não está do lado de ninguém. Talvez, nem de si mesmo. Tudo o que quer, tudo o que precisa, é que eu diga com todas as letras. E que isso machuque a todos nós. Porque, aí, ele vai saber que não tenho mais nenhuma outra segunda chance.

Quinn se livra da posição quase estática a um metro de distância de mim e, num repelão, se coloca na minha frente. Levo dois segundos para entender o que acontece. Ela está entre mim e Finn. Tudo o que vejo é seu rosto aflito, mas ao mesmo tempo seguro. Seus olhos esverdeados me fitam, decididos.

— Não faça isso – Quinn me diz. E, então, suas mãos, com leveza, amparam meu rosto.

É um choque para mim esse contato. Sua maciez e seu esmero batem em mim como ondas numa tempestade. Lembro de seu beijo na festa de pré-casamento. De sua voz me afirmando, com delicadeza e sem pudor algum, que sou seu amor perdido. De como ela me afetou. Seus dedos em mim me quebram, me açoitam, me culpabilizam ainda mais.

A vontade de derramar as lágrimas se torna forte o bastante e, em silêncio, ainda encarando-a, meus olhos lacrimejam. Não consigo respirar. Sua pele na minha é familiar, é quase como entender de onde venho e por que estou aqui.

No entanto, minhas mãos agarram seus pulsos e, num movimento vagaroso, forço-os para longe de mim. Não posso aceitar me sentir em casa quando tudo está fora do lugar. Isso não é estar em casa.

Ela percebe minha atitude e vejo seus lábios se encresparem, magoados.

— Obrigada, mas... – minha voz sai um pouco engrolada, devido ao choro que ainda está contido na garganta – Eu devo. Preciso disso, Quinn – seu nome falha na minha boca. Não consigo deixar de notar que ela gosta disso, de seu nome na minha boca. Sim, é algo que me consola também.

Minhas mãos ainda estão em seus pulsos, mas eles estão apontados para baixo, longe de meu rosto. Ela não sai dali, da posição de escudo contra Finn. Olha-me especulativa.

Fecho os olhos por um momento, numa tentativa vã de me organizar. Quando os reabro, os de Quinn ainda estão conectados aos meus. Não demonstram nada além de expectativa. Dou um passo para o lado, a fim de entrever Finn também. Ele está silencioso, mas também aguarda por minhas palavras.

Respiro fundo.

Finn está certo: vai ser melhor para todo mundo.

Não importa o que vai acontecer em seguida. Se eu me livrar disso que carrego, que me aflige tanto, já vai ser suportável. Lidar com a verdade é para ser libertador. E não dá mais para manter nem Finn nem Quinn presos a essa teia de mentiras que, por tanto tempo, me fez acreditar que era a melhor saída.

{...}

         Comecei a sair com o Finn pouco tempo depois de Quinn me dispensar, na época da escola. Óbvio que curti um pouco da fossa assistindo aos meus musicais preferidos noites adentro. Óbvio que ver Quinn pelos corredores, sabendo que era provável que nunca mais tornaríamos a nos falar, doía. Óbvio que eu sabia que coisas assim só aconteciam uma vez e estavam cada vez mais raras, o amor legítimo. Mas quando se é alguém orgulhosa e está, ao mesmo tempo, muito ferida deixamos nossos impulsos cegos pela raiva e ódio comandarem nossas ações – e até mesmo nossos sentimentos mais puros. E foi assim que deixei que um afeto exacerbado surgisse pelo Finn.

Éramos amigos o bastante para fazermos duetos juntos no Glee Club, trabalhos escolares e não nos constranger por estarmos completamente a sós nos ensaios, em certas ocasiões. Então, era ótimo. Era o que e quem eu precisava.

Esquecer um amor com outro nunca, realmente, tinha passado pela minha mente. Em especial, porque achava que estava imune a isso – ao pé na bunda, quer dizer. Durante meus dias de fossa foi difícil entender que eu não podia mais contar com o amor e que o meu sofrimento não mudaria nada. Mas, então, a raiva me ajudou a perceber algumas coisas. A primeira é que, se só conseguimos pensar em uma única pessoa e achamos que não existe mais ninguém no mundo, é provável que estejamos exagerando. Quer dizer, existem mais de 7 bilhões de pessoas no mundo. Tudo bem que Lima não era um lugar muito bom, nem muito bonito, nem muito promissor, mas existiam outras pessoas além de Quinn mesmo naquela cidade. A segunda é que a dor nos ensina a ser fortes, mesmo quando achamos que estamos sendo fracos. E a terceira é que seguir em frente não significa esquecer o passado. Aliás, tentar esquecer é lembrar – o que significa que isso nunca vai dar certo por completo.

Quando Finn sorriu para mim, eu sorri de volta. Quando ele me perguntou se eu gostaria de almoçar com ele, eu aceitei. Quando sugeriu que cantássemos uma música romântica no dueto da semana, eu aprovei. Então, quando ele me perguntou se eu gostaria de jantar no Breadstick, fui em frente. Não estava me importando se nos veriam lá – aliás, eu queria muito que nos vissem.

Alguns dias depois, os boatos estavam rondando o McKinley. Eu permaneci calada, mas, por dentro, estava adorando.

Então, quando estava evidente para qualquer um que eu estava com Finn, eu confirmei aquilo com uma música no Glee. De frente para meus colegas, eu vi. Vi como eu despedacei Quinn com aquilo. Não senti remorso. Eu queria que ela sentisse aquilo – o quanto era desesperador perder alguém querido, alguém que achávamos poder confiar.

Foi vingança, sim. Mas foi liberdade, também.

Pelo menos, por um tempo – até eu me dar conta que estava encobrindo a verdade com ilusões.

{...}

Quinn ainda me olha; minhas mãos continuam em seus pulsos. Não faço nenhum esforço para afastar contato. Não sei o que Finn pensa disso, mas acho melhor ser verdadeira comigo mesma e admitir que sinto falta dessa aproximação, dos olhos dela em mim – sem julgamentos, sem expressar qualquer mágoa – e do seu estado de espírito que sempre foi mais tranquilo que o meu. Sempre fui conhecida como uma dramaqueen, enquanto Quinn me devolvia um pouco de paz.

As consequências não me detêm, simplesmente finjo que não existem. Ainda estou com medo e minha vontade de chorar ainda é grande, mas eu devo isso a ambos.

Vejo as sobrancelhas de Finn subirem, questionadoras. E então?, ele ainda me inquire em silêncio.

 – O Finn... – começo, de olhos ainda em Quinn. Percebo que fazer isso assim é errado, então, recomeço. Olho para Finn – Você me disse que era injusto não saber se eu, a mulher que você escolheu para casar, ama outra pessoa. – faço uma pausa, porque isso é intenso. Engulo em seco e tento recuperar um pouco do fôlego. Vai ser difícil, doloroso – E-eu aprendi a amá-lo e os anos se mostraram tão fáceis, tão... – dou de ombros – Tudo estava meio que encaixado, sabe? Mas tinham dias que eu me perguntava: por quê? E isso aconteceu muito antes de a Quinn reaparecer – trato logo de deixar isso às claras – Me dei conta que, por mais que eu nutrisse algo muito forte por você, eu apenas estava convencida de deveria estar apaixonada por você. Não pense que eu menti. Não menti, Finn. Eu achei que o amor podia ser o que eu tinha contigo, também. Mas... Não é. Não dá para amar duas pessoas da mesma maneira.

O silêncio permanece.

Finn passa as mãos pelos cabelos e sei que está indeciso e inconformado.

— Então... – Quinn sussurra na minha frente. Seu cenho está um pouco enrugado, pensativo e confuso.

— Então, é isso – meu tom de tristeza parece potencializado e agora, mais do que nunca, quero desaparecer.

— Hm, isso o quê? Você me ama mais do que a ele?

Colocando assim é bastante ruim.

— Não – nego com a cabeça – Eu apenas... Não a esqueci. E... Se eu tivesse que escolher, ainda seria você. Ainda é você.

Nossas respirações param. Finn exibe uma expressão calejada. Seus olhos me dizem: eu sabia, eu sempre soube.

Quinn entreabre os lábios, numa reação surpresa. Seus olhos, entretanto, me afirmam o que já sei e finjo que não: você ainda tem uma chance de escolher.

Eu sei, de escolher a felicidade.

Tudo ou nada.

 

Parte XVIII – Leva um tempo para acalmar meus ossos trêmulos,

                       até que o pânico se estabeleça

                       É preciso um oceano para não quebrar

                       (Terrible Love, Birdy).

Estar aqui é algo que imaginei por muito tempo, mas não, necessariamente, nessas condições – no meio do nada, sentindo toda essa tensão louca. Mas, sim, imaginei – desejei ardentemente — que Rachel me dissesse algo parecido. Que me escolheria, se ainda houvesse chance.

Ela acabou de dizer.

E eu não sei o que responder, só consigo olhá-la e esperar. O quê, não sei bem. Já esperei por tanto tempo que, talvez, eu já tenha me acostumado. O tempo, ainda que achemos que não, sempre saber respeitar aquilo que somos. Sempre sabe que vamos suportar. Sempre sabe que a melhor hora pode não ser agora — mas vai chegar. Cinco minutos depois, ou quase uma década. Mas chega. Eu apenas acreditava que não, que o meu tempo tinha se esquecido de me velar, de me premiar com um pouco de alegria.

Ainda assim, não dá para dizer que tudo esteja acertado. O que pode dar certo depois de algo assim?

É inegável o quanto estou surpresa – ou melhor, chocada –, mas também sinto o medo se instalar aos poucos. O conceito de ilusão só funciona porque a imaginação potencializa a nossa esperança.

Durante algum tempo, eu me senti sufocada com o que sentia, parecia que nunca iria me livrar de toda essa história. Mas quando fiquei frente a frente de Rachel mais uma vez naquele teatro foi como se, além de sentir toda a dor, culpa, arrependimento e ansiedade, a ilusão tivesse se metamorfoseado em algo mais palpável – como se ela estivesse ali para me provar algo. Como se o destino estivesse me oferecendo mais uma tentativa.

E, sim, durante esses dias eu fiz o possível. Dei o meu melhor para alguém que recebeu parte do meu pior. Porque acho que nunca dá para olharmos para uma pessoa que machucamos e nos sentir bem. É como um lembrete: você quebrou o coração dela, nunca mais dormirá tranquila novamente.

Nem todo lembrete cabe em um post-it. Alguns são implantados permanentemente no nosso lugar mais ressentido: a memória. Não dá para esquecer. Você nunca mais vai se esquecer. Vai carregar isso até o fim da vida. Todos os dias. Até a última respiração.

Mas coisas assim nunca são tão fáceis como pode parecer agora.

Ela acabou de confessar, mas parece tão... infeliz. Derrotada, talvez.

Arrisco um olhar indagador, sutil, para ela.

E agora?

Seus olhos, que sempre se exibiram expressivos, estão emanando escuridão. Ainda que haja lágrimas ali, não há mais nada além disso.

— Podemos ir embora, certo? – ela anuncia com certa raiva entrelaçada com frustração. Seus dedos secam os cantos dos olhos e ela dá uma pequena fungada.

Lembro de Finn, ele continua atrás de mim. Mas por pouco tempo. Logo em seguida, em silêncio, dá a volta no carro e o abre. Eu e Rachel nos adentramos, sem trocar nenhuma mensagem não-verbal. Sinto que ela está me bloqueando de algum modo, e o porquê ainda não sei.

Quer dizer, certo.

Esse poderia ser todo o fim de uma mentira. Mas me parece que, ainda que isso esteja realmente acontecendo, não há o surgimento de nenhum começo feliz – ou mesmo otimista. Não há nada. O que surgiu foi bruma, ou seja, nada muito diferente com o que já estava acostumada.

Talvez ansiemos respostas e mudanças rápidas demais, que não são capazes de se mostrarem de forma plena ou da forma como gostaríamos. Talvez – afinal — o meu destino não tenha reservado nada para mim. Talvez eu esteja errada durante este tempo todo. Nunca houve nada deste lado para mim. Depois de a mentira ser revelada, o que resta ainda é um grande “não” – um grande vá embora, não tem nada para você aqui, ainda não entendeu?   

Ainda não tinha entendido, realmente.

Acho que é por isso que dizem que só depois de um grande tijolo na cabeça aprendemos algumas lições. Um enorme bloco de tijolos acabou de me atingir e isso foi o suficiente. A dor de cabeça já se propaga para outros pontos do meu corpo.

Ninguém diz uma palavra no decorrer do trajeto de volta.

Todo mundo só fica com a cabeça suspensa no ar, os pensamentos em colisão, enquanto o corpo finge que faz presença e companhia. É compreensível. O destino é incerto a partir de agora.

O que vai acontecer?

Será que o casamento está cancelado? Quem vai ficar com a casa? De que modo isso vai repercutir na imprensa? AH, MEU DEUS, A IMPRENSA!

Faltando uns cem quilômetros encontro meu celular nos confins da minha bolsa e mando um rápido S.O.S para Sam – o suficiente para ele entender que esse é o meu ponto zero: Acabou. Em seguida, faço o mais importante. Digito com dificuldade a seguinte mensagem:

Sei que gosta de correr atrás das fontes e fazê-las chorar implorando pela vida e pela honra, mas tenho um furo a você (que, é verdade, talvez interesse mais às revistas de fofoca, mas em todo caso, você é um exímio jornalista-faço-o-que-for-preciso-para-sujar-os-sapatos). Rachel Berry acabou de me dar uma sutil pista de que seu casamento pode não acontecer.

Tento conter a minha ansiedade e meu desespero expirando e inspirando vagarosamente, durante alguns minutos. Três. Três minutos foram o suficiente. É Sam quem me responde primeiro:

Já não tinha acabado?

Ah, você quer dizer a sessão de fotografias? Está em casa? Quer jantar? Passo daí em 40 minutos.

Certo, provavelmente eu não fui muito clara. Me dou conta que passam das nove da noite. Meu estômago dá um sinal de vida. Foram muitas horas. Como pude passar tantas horas a centímetros de Rachel e simplesmente não conseguir sentir nada além de apreensão? Sinto-me enjoada e inquieta. Não faço ideia de como seja um ataque de ansiedade, mas se for parecido com o que estou sentindo agora não é algo muito agradável. Será que não há nada que possamos fazer? Pelo menos para nos livrar dessa culpa que consome cada partícula de quem somos?

Decido arriscar. Pergunto se não há alguma burgueria ou algo parecido na estrada onde possamos descansar alguns minutos enquanto comemos algo. O que recebo é silêncio. Respondo a Sam:

Acabou tudo. Não existiu sessão de fotografias. Rachel disse que não me esqueceu. E que ainda sou eu a escolha dela. Mas, depois disso, está tudo bastante... Silencioso, acho que é uma boa palavra. Não sei o que vai acontecer, Sam. E estou, simplesmente, morrendo de medo – e de fome.

Felizmente, Rachel quebra sua bolha e concorda comigo quanto à comida. Depois, ainda é silêncio.

Percorremos uns 25 quilômetros e, então, encontramos uma filial do Denny’s. Eu peço panquecas, salsichas e batatas fritas, acompanhadas de um copo imenso de Coca-Cola. Rachel escolhe um sanduíche vegetariano – que parece muito pobre – e um chá gelado. Finn se contenta com somente uma porção de panquecas. Provavelmente, ele está tão enjoado quanto eu – mas isso não me impede de comer tudo o que vejo pela frente. Acho que é uma forma de lidar com a ansiedade.

Não falamos. Nada mesmo.

Enquanto como, leio a resposta de Sam:

ESTÁ BRINCANDO???
         E: vai comer, garota.

Noto que Rachel está alheia a qualquer coisa que eu esteja fazendo – e não sei dizer o quanto disso me alivia ou me frustra. Digito:

O que eu faço? Além de comer? (o que já estou fazendo).

Quase posso entrever, com muita clareza na minha mente, o rosto de Sam com uma expressão assombrada e, ao mesmo tempo, surpresa. Como quando ele passou o Exame da Ordem um ano depois da formatura (o que é uma proeza para muitos estudantes) e ficou estático por uns dez minutos lendo a carta de confirmação. Olho para Rachel e noto o quanto está apática, coisa muito incomum para ela. Quero dar um safanão em seu braço e fazê-la reagir, mas, ao invés disso, apenas enfio um pouco mais de batatas na boca.

Seja você ;)

Não fico nada satisfeita com o conselho de Sam. O quê? Ser eu? Isso já não se provou ser um estrago completo? Como ele pode dizer algo tão... Abstrato?! Eu queria coordenadas reais, algo como: faça com que o Finn se distancie de vocês e peça uma explicação para a Rachel. Isso é algo que eu estou pensando, é claro, mas me parece inútil assim como tudo que passa pela minha mente. Por que parece que eu não tenho controle mais da realidade? Por que não consigo formular uma saída? Eu costumava ser boa nisso, em me distanciar da dor e fazer o que deveria ser feito. É claro, isso foi antes de ela sair da minha vida, há quase dez anos. Depois disso, eu apenas aceitei a dor como uma velha amiga.

Que estupidez!

Eu deveria estar pedindo socorro à Santana! Ela sempre sabe como flanquear um problema com mérito e muita, muita inteligência. Relato, brevemente, o que houve e peço ajuda. Não faço ideia se isso vai adiantar – não sei se ela está disposta a responder, uma vez que, de manhã, parecia bastante impaciente com a minha situação com Rachel. Não que eu tire a razão dela, acho que isso está ficando muito repetitivo e cansativo mesmo. Ao invés de virar o disco eu deveria comprar um novo e jogar o velho no lixo. Mas está muito claro que sou covarde o bastante para isso também.

Quinze minutos depois, ainda espero a resposta de Santana. Não digito nada a Sam – porque, sinceramente, ele esperava um agradecimento por este conselho inútil? Estou começando a ficar irritada com meus amigos. Puck também não me retornou. Não que ele seja um amigo, mas quem sabe o que ele teria a dizer? Talvez ele seja o único que possa, realmente, me ajudar. Ele é prático, narcisista e sem coração. Pode ser que tenha um ótimo conselho.

Finn paga a conta. Eu tento negar, mas ele simplesmente revira os olhos e segue em frente. Rachel não pronuncia nenhuma sílaba. Isso é o mais irritante. Qual é o problema dela? Por que não é capaz de ser como sempre foi? Por que fica sustentando toda essa merda toda sem dividir com ninguém?

Chegamos a Nova York em pouco tempo. Não passa das onze da noite. Fico grata, mas a angústia retorna. Penso em Rachel. Quando eu sair desse carro, o que vai acontecer? Rachel vai assumir seu controle novamente, ou continuará remoendo o que quer que a esteja matando por dentro?

Tenho medo de deixá-la. Algumas formulações horríveis passeiam pela minha mente e isso apenas avoluma a minha tensão. Assim que Finn para em frente ao meu prédio, não sou capaz de abrir a porta. Não sei se devo fazê-lo.

Finn pergunta com exasperação contida:

— Vai ou não sair do carro?

Apanho minha bolsa de mão e a da máquina fotográfica.

Um lampejo passa pela minha cabeça: Rachel teria ficado graciosa com o vestido que escolheu para o ensaio. E é triste reconhecer que eu fui a causa do desmanche desses momentos que, provavelmente, teriam dado esperança a Finn. Mas pensando bem... Como ele poderia continuar a acreditar nessa mentira, depois dos votos? Eu sabia, ele sempre soube que isso não tinha destino. Que a história que tem com Rachel não poderia ser para sempre.  

— Estou indo. Hm, obrigada – digo ao vento. Abro a porta e, ao respirar a poluição nova-iorquina, é quase um alívio. Não sabia que voltar para casa era tão bom.

Dou a volta pela frente do carro, de propósito. Quero averiguar o rosto de Rachel. Sob a luz do poste, posso entender seus traços. Seus olhos me seguem, grudados nos meus.

Eu entendo: não há nada.

Não mais.

Não aceno, ou vejo quando o carro parte. Estou concentrada demais na minha vontade de chorar. Não o faço ali, entretanto. Espero estar dentro do meu pequeno loft para, enfim, desmoronar.

Os minutos passam e parece que o que sinto não dá previsão de quando irá ceder. O meu palpite é nunca. Vou ter que aprender a conviver com isso, pelo resto da vida. Apenas mais um tijolo a ser adicionado à minha meta de acúmulo de culpa durante uma única vida.

Meu celular apita. Espero que seja a Santana, dizendo que está passando daqui com um balde de sorvete.

Mas o que vejo é ainda melhor.

Fabray, que agradável forma de quase terminar a noite! A minha noite, quer dizer. A sua não está a das melhores, é óbvio. Bem, sabe o que dizem – melhor um casamento acabado do que dinheiro gasto com mil enfeites de mesa. Meu pai dizia isso, na verdade. Acho que foi por isso que nunca se casou oficialmente com a minha mãe e acabou preso no Distrito Central. O casamento de Rachel nunca me interessou. O que me interessa é ela com você. E, se vocês não estão juntas, então posso passar para a fase dois: eu com você. Quero ouvir a sua história. Gosta de música ao vivo? Me encontre no Shrine, amanhã, às 21h. É noite do jazz e folk. Boa noite, Fabray.

Então, é isso.

Eu tenho uma história a ser contada.


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Notas finais do capítulo

Reviews? :)



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