Begin Again escrita por Nina Spim


Capítulo 11
Chapter Eleven


Notas iniciais do capítulo

Olar, tudo bem?
Eu voltei pra terminar essa história, finalmente *UHU*.

Obrigada a todos que me acompanharam até aqui ♥



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Parte XXII - Mas você nunca vai encontrar a resposta,

                     até que liberte o seu velho coração

                     (Hello My Old Heart, The Oh Hellos)

Imagino que exista uma diferença entre estar fazendo a coisa certa e fingir estar fazendo a coisa certa. Mexendo a bebida que pedi, penso que estou representando muito bem os fingidores.

Pelo menos, assim me parece na minha mente.

Estou aqui, invisível. Nunca achei que isso fosse uma vantagem, mas parece que é – especialmente, porque estou nervosa o bastante para querer dar meia-volta e o fora daqui. Mas sei que preciso fingir estar fazendo a coisa certa. E isso não é tão pesado quanto saber que nunca fiz as coisas certas e minha vida é uma grande mentira.

Vai dar certo, me convenço.

E, se eu não fizer a coisa certa, tenho certeza de que Puck o fará. E, no estado em que estou, não sei se estou com vontade de contrariá-lo. Puck sempre foi muito convincente— acho que é por isso que nunca foi processado por suas fontes.

Sinto dedos nos meus ombros e, quase desesperada, esbugalho os olhos (porque basicamente tudo que está aqui dentro me parece ameaçador). Mas é só o Puck se anunciando com sua roupa alinhada e sorriso montado com grande estilo.

— Ei, oi. Sou eu – ah, que ótimo. Ele sabe que estou nervosa. Isso não é bom. Não sei se me deixa à vontade.

Aperto os lábios, em desaprovação.

Ele se senta à minha frente, na mesinha redonda minúscula. O local é barulhento e abafado. A música ainda não começou, mas a conversa alheia me irrita.

Puck pede uma cerveja e, em seguida, fixa os olhos nas minhas mãos. Como um ótimo jornalista-observador, está bastante evidente o que pretende. No entanto, não há blocos e canetas à vista. Não me lembro de dizer a ele que lhe daria uma exclusiva.

O que será que ele espera de mim?

— O que está havendo? – seus olhos sobem para o meu rosto.

— Hm, o quê? – franzo o cenho, confusa.

— Se está aqui por causa da bebida, acho que ainda está muito sóbria – Puck arrisca. E depois me lança uma piscadela com um sorriso.

— Não. Não estou... – eu paro e olho para a vodca com limão. – Eu não estou aqui para lhe dar nada.

— Quem disse que eu quero receber alguma coisa, Fabray? – ele arqueia uma sobrancelha. Está mais sério. É melhor assim. – Eu estou achando que... Você – aponta para mim – não sabe muito bem o que está dando e recebendo. Acho que estamos aqui porque sou a sua última opção.

Isso parece bastante convincente para mim.

Fico em silêncio.

— Você não foi trabalhar hoje – Puck atesta.

Fico surpresa e, depois, tensa. O que será que ele espalhou para a redação? Será que abriu a boca? Já imagino o Sr. Schue lhe inquirindo sobre mim e sua resposta sendo ouvida por todos: Você ainda não sabe? Parece que aquela atriz da Broadway desfez o casamento por causa da Fabray. Parece que as arquibancadas eram muito boas onde ambas estudaram. Muito boas mesmo.

Me limito a grunhir:

— Hm. É.

— Você não parece feliz.

Como eu poderia estar? Parece que isso é, de alguma forma, o final da linha. Ouço o barulho metálico soar pelos ares, sinalizando que o trem está chegando à Estação de Lugar Algum. E parece que não será muito bom viver por aqui.

 Puck me surpreende outra vez: expressa desgosto (ou talvez impaciência) em seu semblante e ouço uma lufada escapar de sua boca. Ele me olha de novo, parecendo mais renovado.

Provavelmente, gostaria que eu abrisse a boca. Mas acho que não há nada para contar. Parece que a People percebeu alguma modificação na agenda de Rachel e correu para dar o furo antes do TMZ. Eu li a manchete:

RACHEL BERRY CANCELA CASAMENTO?

 

Provavelmente, existe, agora mesmo, uma horda de fofoqueiros de plantão em frente à casa de Rachel, tentando arrancar alguma confissão. Não acho, entretanto, que Rachel esteja disposta a falar sobre isso.

— Eu vim aqui não para ouvir sobre o casamento que você destruiu, se é mesmo que destruiu – mais uma vez: surpresa. Parece que ele até se assemelha com um... não sei, humano? Isso é estranho –, mas para dizer que fiz algo por você.

O nervosismo aumenta. Ele fez algo por mim. Puck fez algo por mim. O quê? Espalhou para o estado de Nova York que eu chutei a Rachel na adolescência e, tantos anos depois, ainda sou incapaz de aceitar o amor dela?

Estreito os olhos, tentando parecer alguém que finge saber estar fazendo a coisa certa.

— Você fez... o quê?

— Isso – ele escorrega um papel pelo tampo da mesa. Acabou de retirá-lo do bolso. É uma espécie de carta. Espere aí, é uma carta. E o destinatário é Lucy Quinn Fabray. – Abra. É seu.

É meu, repito para mim mesma. 

{...}

Quando pisei em Nova York pela primeira vez, lembro que olhei as luzes se sobressaindo na escuridão e tive um único pensamento: agora vai ficar tudo bem. Tudo isso é meu.

Tinha ciência de que Rachel estava ali, em algum canto, mas essa certeza nunca me impediu de disputar o espaço. Eu sabia que uma hora ia acontecer; eu a veria, teria notícias dela, ouviria falar dela. E, apesar do receio apitar às vezes, nunca deixei que isso me oprimisse. O que eu faria ali era muito diferente do que ela sempre se propôs a fazer. Ela queria estar à frente de todos, enquanto eu me contentava com um espaço mínimo para conseguir um click. Ela queria aplausos, eu, uma chance diferente.

Não vivi em relacionamentos esquisitos: de uma noite a uma semana com um tchau mal-formulado na metade. Acho que a arte faz do artista alguém que acredita em algo maior do que está vendo. Um artista acredita naquilo que sente. Senti muita indiferença, durante anos. Depois, chegou a vez do fracasso. Não estar casada se torna um problema quando você diz para a sua mãe que, supostamente, está tudo bem. E, com isso, ela acha que você está morando com um cara na cobertura da área nobre da cidade. Então, tudo termina no pânico. Tenho sentido – e guardado – pânico há dois ou três anos. Porque o pânico aflora sempre que percebo que apenas fiquei esperando uma chance diferente. Achei que, por mudar de cidade e de aspiração profissional, seria recompensada de alguma forma. Eu nunca fiz a chance diferente acontecer. Nunca deixei que ela acontecesse.

E, agora – tantos e tantos anos depois – ainda me pergunto o porquê.

Por que eu me permiti ficar no meio do caminho da minha própria vida?

{...}

É uma carta de aprovação.

Meu portfólio intitulado “EntreVidas” foi nomeado como vencedor em um concurso fotográfico nacional. American Illustration & American Photografy. É daqui de NY. Mas o final do texto diz algo sobre passagens inclusas.

Olho para Puck, impactada e desorientada.

Como ganhei um concurso fotográfico se não me candidatei a ele?

É claro que Puck lê a pergunta na minha expressão e rapidamente desembucha:

— Achei que você não poderia perder a oportunidade. É uma ótima oportunidade, você viu, não? A Academia de Belas Artes bancará tudo.

— Ainda... não entendo – franzo a testa, intercalando meu olhar entre o rosto de Puck e o papel em minhas mãos – Como...?

— Estava tudo no Behance. E os dados foram fáceis – ele dá de ombros – Até parece que nunca arrombei o arquivo pessoal do Hablas Español antes – há uma risadinha por parte dele, do tipo bem debochada.

Nem consigo responder.

Fico em silêncio mais uma vez.

— O curso começa em três semanas. Você terá um tutor e uma galeria para a exposição do portfólio completo. Vai apertar a mão do Cartier-Bresson. Mentira, ele já morreu. Mas todo o resto é verdade. E são quase 15 mil dólares.

— O curso? – espera aí, eu não tenho nem a metade disso na minha poupança.

— O seu prêmio em dinheiro.

Eu ganhei quase 15 mil dólares?

— Puck... isso parece...

Impossível.

— Não, não é. Sabe, coisas boas acontecem quando mais precisamos. Você precisa ser feliz. Se não está agora, estará em breve.

— Em... – passo os olhos pela carta novamente – San Francisco. Por que não posso ser feliz aqui?

— Por que não lá? Você foi feliz aqui?

Ele é mesmo ótimo nisso.

Não tenho resposta. Na verdade, não quero ter de responder. Ele já sabe o que escondo.

— Não posso – empurro a carta de volta para perto dele. – Não existe como eu ir. Largar tudo aqui e...

— Ir embora? – Puck me corta com acidez suave – Como fez da primeira vez?

Não consigo me irritar, porque estou frustrada demais. Estou bastante confusa. Estou tentando lidar com a aceitação. Parece que todas as peças desse jogo foram arremessadas no ar e estão muito embaralhadas para que eu as entenda.

Ao mesmo tempo, me sinto impotente.

Não sei bem o que fazer ou o que pensar.

— Você tem cinco dias para entrar em contato com a equipe da comissão. Fique com isso – Puck aponta para a carta. – Espero que faça a coisa certa, Fabray. Fazer a coisa mais fácil sempre foi coisa de gente covarde. E, se tem algo que nunca pensei que fizesse o seu estilo, é a covardia.

Hm, ele estava aqui esse tempo todo?

Porque, basicamente, tudo o que fiz nesses últimos dias foi algo parecido com covardia.

— Tudo bem ficar com medo, mas estar com medo não é ser covarde – ele adiciona. – A menos que você queira ser covarde a partir desse medo. Você quer?

Eu nem estou acompanhando essa conversa. Ele quer mesmo que eu responda?

— Não. Acho que não.

— Então, não me faça acreditar que o seu medo é covardia. Vá e faça a coisa certa. Faça o que ela quer que você não faça.

Estou prestes a lhe perguntar o que quer dizer com isso, quando Puck olha o relógio e diz que irá para o backstage do estabelecimento. Tem uma entrevista com as pessoas da banda que irá tocar.

E essa é a única coisa que faz sentido em muito, muito tempo.

{...}

Talvez, a culpa tenha sido minha, exclusivamente minha.

Perco tempo pensando nisso e fazendo um retrocesso para identificar os primeiros erros. A verdade é que é provável que já houvesse fissuras muito, muito antes desses erros nítidos. Pode ter sido nas vezes em que teimei em acreditar que tudo acabaria bem, mesmo que eu não precisasse fazer algo.

Eu deveria ter feito.

O quê, eu não sei.

Eu mudei de estado, mudei de profissão, mudei quem eu era para tentar encontrar um pouco de paz. O que deu errado no meio desse processo? Por que, mesmo que eu esteja diferente, não me sinta diferente?

Acho que, afinal, não mudei tanto quanto planejava. Só me convenci disso porque, assim, parecia mais fácil conviver com o terremoto dentro de mim.

Mesmo depois de tantos anos, os danos estão aqui. Está tudo completamente revirado e quebrado em quem sou. Nunca tentei rearranjar tudo isso, talvez, porque soubesse que a dor seria pior – e eu não suportaria revivê-la. Alguns gatilhos ficam em nós para sempre.

{...}

Duas noites depois de ter me encontrado com Puck, estou na casa de Santana. Eu disse que era uma emergência. Ela entende muito bem essa palavra.

Ela lê três vezes a carta de aprovação e ouve o meu relato cinco. No fim, fica em silêncio e diz:

— Bem...

E fica em silêncio de novo. Olha para mim, como que esperando que eu termine sua frase. Encolho os ombros, sem saber o que dizer. Estou aqui justamente porque necessito de respostas. De alguém que é bem mais corajosa do que eu.

Não sei de onde Puck tirou a ideia de que não sou covarde.

Tudo o que sou é covardia.

Por que ele não vê isso?

— Então? – fico cada vez mais irritada.

Eu só quero uma resposta. Ela sabe muito bem que, quando recorro a ela, é porque não tenho nem uma. E, assim como Puck, Santana é muito boa em pensar e agir racionalmente. Tudo o que preciso, agora, é de um pouco de razão. Cansei de ser regida pela emoção; isso já provou não me levar a lugar algum e apenas me exaure cada vez mais.

— Olha, talvez você não esteja preparada para isso. Para ouvir a verdade – Santana fala. – Você nunca soube lidar muito bem com a verdade, não é mesmo?

O quê? Que história é essa?

Faço menção de abrir a boca e refutá-la, mas ela é mais rápida:

— Você nunca pensou que isso terminaria um dia, é por isso que nunca pensou no adeus. Essa é a sua verdade escondida: é hora do adeus. – Santana me oferece um sorriso forçado, parece estar se desculpando pela franqueza. – Eu sei que é muito desesperador dar as costas para algo que queremos, ou queríamos muito, mas isso melhora com o tempo. Se você for para San Francisco vai estar em outro ambiente, com outras pessoas, fazendo outras coisas. Não vai ter tempo de ficar remoendo isso, esse passado que você só fica fingindo que terminou.

Fico tentando assimilar o que acabei de escutar. Parece fazer sentido, mas ainda parece complicado.

Mas não digo nada; sou incapaz.

Santana continua:

— Essas coisas sempre passam, Quinn. Pode não ser amanhã, ou mês que vem, mas acaba passando. Porque o valor das coisas é sempre o valor que damos a elas. Você tem que dar valor à sua felicidade, não a alguém que não entende que a sua felicidade não depende de um sim ou um não alheio. Os únicos sim e não que importam são os que partem de você.

Isso parece meio importante.

Como um lembrete.

— Quando você chegou aqui, quem você era? Quem você é agora? Quem quer ainda ser?

Esse é o ponto de convergência, talvez.

Eu era alguém e sou alguém agora; um pouco aos pedaços, é verdade, mas não deixa de representar algo. Não sei quem ainda quero ser. Fazer exercícios a longo-prazo nunca deram certo para mim. Quem eu quero ser daqui seis meses, um ano, dez anos?

— Eu nunca sei o que fazer – essa é uma verdade que escondi por muito tempo até mesmo de mim, guardo-a nos confins das mentiras que ergui ao meu redor. Tenho esperança de que haja alguma saída a partir de agora.

— Você nunca sabe como terminar, é diferente.

— E por onde termino?

— Pelo óbvio. Por você. A partir daquilo que nunca pensou em ser. Seja final.

Olho a carta de novo. As passagens estão pagas, apenas tenho que dar a confirmação de que aceito receber os prêmios. O curso é de um ano e vou poder trabalhar com meu tutor como assistente em um atelier renomado da cidade. Não parece ruim. Mas não sei como terminar o que está aqui em Nova York. Como ir embora de repente?

Mas, talvez, Santana esteja tocando em um ponto muito diferente do que sempre entendi de mim mesma: o problema não é partir, é como partir. É como fazer essa ruptura se tornar definitiva. Estou sempre tão preocupada em ser eu, sem olhar a minha essência, que nunca pensei em não ser eu. Se eu não fosse eu, saberia terminar as coisas de outros modos. Se eu não fosse eu, saberia entender os meus próprios sim e não.

— Se você for embora como nunca previu, pensar sobre isso não vai mais ser um problema. Vai ser parte de quem você ainda quer ser. Ser final é tentar encontrar a sua coragem para seguir em frente. – ficamos em silêncio, releio a carta. Inesperadamente, Santana diz: – Quando a Britt me propôs o casamento, eu não podia ter previsto. E essa foi a melhor parte. Não podemos estar preparadas para tudo, e mudar a direção das nossas vidas pode ser o que estava faltando para sermos felizes. Sim, isso vai mudar você, mas vai ser uma mudança boa. Você vai saber recomeçar. Não por causa da Rachel, mas por causa de você.

{...}

Acaba acontecendo.

Ela me encontra.

Estou no apartamento, enfiando o que ainda me resta nas malas. Fiz um brechó de garagem para doar roupas velhas e esquecidas, mobílias e livros. Agora, o que tenho é o essencial. O que não dei terminou com Santana e Brittany. Estão muito felizes com o guarda-roupa novo, porque a casa para que vão se mudar depois do casamento tem um closet.

Atendo o interfone, porque acho que é o zelador. Ele me avisa sempre que há alguém interessado no apartamento, que vou alugar.

— É aquela atriz. Qual é o nome dela? A do nariz. Eu tenho certeza de que a minha filha assistiu à peça dela...

Eu sei quem é.

— Ok. Deixa-a subir.

— Não sabia que você era amiga dela.

— Não sou – me limito a dizer. Desligo.

Dois minutos depois, ali está Rachel. Parece bem; está vestida adequadamente (ao contrário de mim; quer dizer, eu estou fazendo uma mudança. Você quer o quê?), o cabelo preso, a franja sobre os olhos. O cabelo parece ter crescido, e ela não se deu ao trabalho de cortá-lo. Ou de mandar que alguém o corte.

Rachel afasta a franja.

— Oi.

— Não esperava você aqui.

— Eu sei. Eu lembro que me mandou não voltar mais.

— Mas você nunca faz o que os outros querem – finalizo.

Estou com razão. Essa parte sempre foi verdadeira, desde a escola. Se Rachel tivesse feito o que os outros queriam, ela nem teria se profissionalizado como atriz, ganhado os palcos e... Bem, falido um casamento? Fico pensando o que os Srs. Berry estão achando disso tudo. Se sabem o que houve. Eles sempre gostaram muito do Finn, acho que porque ele sempre fez o estilo “bom garoto perdido”. Quem é que não resiste a este tipo de cara, não é mesmo?

Noto os olhos escuros de Rachel percorrer o interior do espaço. Em seguida, sei que está surpresa. Me olha, franze a testa e balbucia:

— Hã... Você está fazendo uma super reforma?

Ela sabe. Ela sabe a resposta correta.

— Não. Vou alugar o apartamento. Estou de mudança. San Francisco.

Digo tudo isso com calma. Não sinto meu coração despencar, ou uma vontade desesperadora de chorar. Estou tão tranquila que quase não me reconheço. Acho que é aquele pedacinho de mim que ainda quero que seja e que está se aflorando aos poucos. Nada de ansiedade, só respiração.

— Mas... Não pode ser.

Rachel está confusa e desacreditada.

Entendo essa sensação, vivi nela até há poucos dias. Sei o quanto pode ser muito destrutiva. Ela está tentando acompanhar algo que não aceita e não é capaz de dizer como vai terminar.

Talvez, essa seja a parte mais triste.

Mas não existe mais tristeza em mim, ou covardia. Quando liguei para Puck confirmando a minha decisão, após ter entrado em contato com a comissão do concurso, ele disse que sabia que eu faria a coisa certa. Não reforçou sobre a covardia. Ele sempre entendeu alguma coisa que eu mesma não entendia sobre mim mesma. E isso, de algum modo, me faz ficar grata por ele ter existido na minha vida durante este período. Sei que nossa relação era conturbada, mas as pessoas podem ser surpreendentes (do ponto de vista muito positivo).

— Acho que posso ser feliz lá – digo.

— Você não é feliz aqui?

Não, não mais.

— É uma oportunidade muito boa – respondo.

Rachel balança a cabeça de um lado para outro.

— É por causa de mim?

— As coisas deixaram de ser por causa de você há muito tempo, Rachel – agora estou meio zangada, porque não gosto do modo como ela sempre precisa estar no epicentro dos meus problemas. Eu estou tentando tirá-la disso tudo, então, ela precisa parar de se ver assim. As coisas eram sobre ela na adolescência, agora, acho que cresci o suficiente para entender que as causas do passado nem sempre precisam estar no nosso presente, muito menos no nosso futuro.

— Então...?

Dou de ombros. Não planejei ter essa conversa, mas acho que é a vida me concedendo uma chance de adeus. A Santana disse que eu nunca soube lidar com eles, e agora estou tendo de enfrentar um. O mais marcante, talvez – mas nada disso vai importar quando eu estiver em San Francisco. A dor vai diminuir e isso tudo vai passar.

Mas ainda me vem algo na cabeça: como explicar para a pessoa que você ama que não existe mais tempo?

Que, na verdade, nunca houve tempo?

— Se eu pedir para você ficar, você fica?

Parece que ela ainda não entendeu esse adeus.

Acho que porque ela ainda não entendeu que é um adeus.

— Não.

Não posso, não quero mais, é o que quero adicionar. Mas, claro, isso vai quebrar nossos corações mais profundamente e não existe mais tempo para isso. Estou deixando Nova York justamente para curar o que quer que tenha ficado pendente na minha vida. Parece estranho dizer que o amor ficou pendente, mas acho que ele nunca fica. Apenas precisa desaparecer. Acho que é isso que estou tentando fazer. E, para desaparecer com ele, preciso que eu esteja em primeiro plano. Que eu entenda meus sim’s e não’s. O amor não é uma escolha, mas o que fazemos com ele, com certeza, é. E eu estou fazendo alguma coisa com ele. Talvez não seja o que Rachel escolheu - mas ela escolheu tarde demais. E eu não posso mais esperar.

Estou terminando do jeito que ela nunca quis que terminasse.

É claro que dói, mesmo que minimamente, lhe dizer que nada do que me pedir fará efeito em mim. Eu já estou com a minha escolha nas malas. Evito pensar no antes. Talvez isso também nunca tenha tido tempo de ter existido. A exaustão de estar focada no antes parece estar cedendo e isso me alivia. Isso deve significar que estou fazendo a coisa certa. Que estou mais próxima de quem ainda quero ser.

— Acho melhor...

Ela sabe. Ela sabe como minha frase vai terminar.

Seus olhos estão aguados, e eu os acolho.

— Não pense que desisti – me apresso a dizer com calmaria, porque parece importante tranquilizá-la – Não desisti do amor. Mas desisti dessa situação, porque ela nunca fez de mim alguém que eu queria ser. Eu te amo, mas eu preciso ir. Por mim, só por causa de mim. E é a primeira vez que penso em mim, entende?

Ela entende, eu sei que sim. Tudo o que Rachel já fez na vida foi porque se colocou em primeiro lugar. E isso, de modo algum, é algo negativo. A menos que atinja outras pessoas. Até agora, nunca soube de vidas que ela tivesse destruído.

E eu?

Ao não me colocar em primeiro lugar, acabei destruindo a minha própria vida; matando qualquer tentativa de me tornar quem minha essência gostaria de ser, não quem escolhi ser por causa dos destroços do passado.

Rachel não responde. Se minha fala a afeta, não dá para decodificar.

Mas sei que, em algum lugarzinho dentro dela, ela está tentando entender tudo isso. Mesmo contrariada e frustrada.

Ela titubeia por alguns segundos, mas decide dizer:

— Eu disse que a escolheria. Ainda é você. Por que não pode me escolher?

— Porque acho que nunca nos escolhemos, Rachel. A gente sabia que não ia dar certo. Foi por isso que terminei com você aquela vez. E estou terminando com você agora – é, isso parece horrível. Pela cara dela, parece muito horrível. Mas não me afeta quase nada. Deveria, mas não afeta. Explico melhor: – A gente sabe o que sente, mas vai terminar. Sempre vai terminar.

Você quer que termine – ela parece, hm, furiosa.

Existe raiva no tom dela. E é completamente compreensível, claro. Por isso, eu assinto.

— Sim, eu preciso que termine.

Ela balança a cabeça de novo. Agora, está chocada e magoada. Os lábios contraídos, um leve vinco na testa, os olhos em brasa.

— Espero que dê tudo certo para nós duas a partir de agora. – eu digo; estou sendo sincera. Aperto os dedos dela nos meus. Ela olha para o contato e parece que isso danifica todas as partezinhas internas dela. Era um risco, eu soube desde o começo.

Ela me olha mais uma vez e desfaz o elo.

— É isso, então. – Rachel engole em seco.

Afirmo, oferecendo-lhe um meio-sorriso. Não existe felicidade, mas também não existe tristeza.

— Boa sorte com os palcos – eu digo.

 Ela não retribui. Não me olha, ou me abraça. Não que eu esperasse algo assim, na verdade.

 O silêncio perdura durante dois ou três segundos, até que Rachel resolve me dar as costas. Os saltos batem no ladrilho do corredor e desaparecem quando ela entra no elevador.

 Olho para o vazio por quase um minuto inteiro e não sou capaz de explicar o que sinto. Parece que parte de mim foi embora, mas outra, mais resistente, continua a me guiar para o meu final.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo estava guardado há mais de um ano comigo, mas eu não sabia muito bem o que fazer com ele, ou se ele era o que eu realmente queria para essa história.
Acontece que agora é.

Reviews? :)