Dois Quartos de Vinho escrita por Ninguém


Capítulo 37
No sábado, como de costume


Notas iniciais do capítulo

Olá, querido leitor. Seja bem vindo! Puxe uma cadeira ou deite no sofá, tome um chá ou coma uma pipoca. Enfim, sinta-se a vontade e tenha uma ótima leitura.



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No sábado, como de costume, Lia levantou cedo, tomou seu café da manhã e foi caminhar no parque próximo de onde morava, não demorou muito para que começasse a garoar, então teve que voltar mais cedo para casa. Tomou um banho bem quente, vestiu um conjunto de moletom, preparou um pouco de chá para espantar o frio e sentou-se na sala com o celular em mãos.

Fazia meses que não ligava a televisão, como já era esperado, não achou nada que lhe interessasse, seu chá já havia chegado ao fim e o frio parecia ter aumentado. Resolveu logo fazer o que estava adiando, pegou seu celular e discou um número. Atenderam no quarto toque.

— Alô?

— Bru, te acordei?

— Acordar? - Lia ouviu uma risada do outro lado da linha - Passei a madrugada trabalhando, flor, estava finalizando tudo agora. Aconteceu alguma coisa?

— Lembra daquela noite em que me ligou querendo marcar para irmos juntas ao Improvável? - Mesma noite em que Lia foi à churrascaria com Elídio e seus amigos.

— Sim, sim. Claro que lembro!

— Então, eu ganhei um par de ingressos e queria saber se quer ir hoje comigo?

— Mas, como você ganhou... ah, deixa pra lá... - dessa vez foi Lia quem riu - mas, hoje não tem espetáculo.

— Mas tem turnê.

— Onde?

— Então... em Campinas.

— Nossa interior de São Paulo de sábado? Com esse tempo nublado ainda? Não sei, não...

— Ah, Bru, qual é?

— É meio longe, Lia.

— Bruninha linda do meu coração, se você for comigo peço pro Andy tirar uma foto agarrado contigo.

— JURA?

— Juro!

— Ok, te pego que horas?

— Pode deixar que eu vou aí.

— Que horas vai ser?

— 21h30.

— Vamos sair às 17h00 então.

— Não acha muito cedo, não?

— Tô achado tarde já. Se tiver transito, e com certeza vai ter, vamos ficar umas duas horas só no inicio da Bandeirantes.

— Hum, é verdade. Vou almoçar e já já tô aí. Beijo Bru.

— Beijo magrela.

Ficou um tempo deitada no sofá, aproveitou para ler suas conversas com um certo Barbixa e sorrir algumas vezes, o que antes parecia ser tão irreal agora já fazia parte de sua rotina. Estranhamente, Elídio tinha se tornado só outro homem comum em sua vida, uma boa companhia e um ótimo sexo e o melhor de tudo era que não se importava se ele iria embora amanhã de manhã. Essa, meus caros, era a vantagem de não estar apaixonada.

Já estava pronta para sair quando resolveu deixar um bilhete na geladeira, a amiga ainda não havia chegado desde a noite anterior, o que não era um problema levando em conta que ela mal parava em casa.

Fui pra Campinas com a Bruna e talvez durma na casa dela.
É sua vez de limpar a casa, divirta-se!

Deu uma última conferida em si mesma e saiu, o metrô a aguardava. Ah, o transporte público, tão desanimador e desesperador ao mesmo tempo, se já estava cheio às 14h18 imaginem só no horário de pico. Um verdadeiro caos. A jovem estava acostumada com isso, não era porque tinha seu carro que deixaria os ônibus, trens e metrôs de lado, não, achava até melhor deixar o automóvel na garagem, ainda mais com o preço do combustível nos últimos anos.

Demorou duas horas para chegar até a casa da prima, mas enfim chegou. Foi recebida por Simon, o gato de Bruna, ele tinha os pelos densos e acinzentados, grandes olhos cor de âmbar, era gordo e sempre estava de mal humor. Simpatizava com poucas pessoas, Lia era uma delas.

— Olá Simon. Onde está aquela sua dona feia?

O gato miou e correu para dentro da casa. O portão estava aberto, a loura facilitou a chegada da prima, então ela resolveu entrar. A casa, de portão e muros baixos, possuía uma vegetação rasteira bem cheia em meio a alguns cactos, a passagem era feita por um caminho de pedras, as mesmas da parede de entrada, topázio verde acinzentado. A casa era térrea e seu interior era escuro, Bruna adorava a arte gótica medieval e se inspirou nela ao decorar todo o interior, por isso os diversos quadros, esculturas e móveis antigos. Um lugar bem exótico, Lia olhava aquilo tudo sempre que a visitava e conseguia ver um pouco da prima em cada canto.

— Lia? Pode vir, estou no quarto.

Ela continuou seu caminho, contornou a sala e passou pela cozinha onde um forte cheiro de bolinhos de chuva pairava no ar, até chegar ao quarto da prima.

— Sinto muito pela bagunça, os últimos dias tem sido um completo caos, então precisei espalhar figurinos pela casa. - Disse justificando as dezenas de panos coloridos sobre a cama - Até porque, diferente do que você sempre diz, sou uma figurinista, não uma estilista.

Acreditem, existe uma grande diferença entre as duas profissões e seus profissionais não gostam nem um pouco de serem confundidos com o outro. O figurinista se utiliza da moda para vestir uma pessoa e transformá-la em uma personagem, é especializado em roupas que serão filmadas, mestre em close-ups e em costumes históricos. O estilista, por sua vez, tem que usar o seu talento para antecipar uma época, mudanças de comportamento e criar tendências. Portanto meus caros, não confundam figurinistas com estilistas e nem filosofia com "fiz só folia"*.

— É tudo a mesma coisa - Ela viu a prima lançar lhe o mais puro olhar de ódio.

— Atores e desempregados também - Retrucou sorrindo.

— Ai! Essa doeu.

O que acha da roupa? - Bruna perguntou dando uma volta, ela usava um vestido verde esmeralda. A abertura nas costas deixava a mostra o grande e imponente dragão que tinha tatuado.

— Perfeita como sempre, mas nada supera a tatuagem!

— Já está na hora de você fazer mais uma, não acha?

— É, quem sabe no final do ano...

Bruna sempre fora sua prima favorita, Lia se impressionava como podiam ser tão parecidas, mesmo com a diferença de idade. Gostavam das mesmas coisas e possuíam as mesmas opiniões sobre diversos assuntos. Fora a loira quem a acompanhou na primeira vez que assistiu ao Improvável ao vivo e isso se repetiu por vários anos seguidos.

— Bom, é melhor irmos que já já fica tarde.

O céu estava carregado de nuvens negras, entretanto nem um pingo sequer molhava o asfalto. Passaram um bom tempo rindo, cantando as músicas que tocavam no rádio do carro e conversando sobre os assuntos mais distintos.

— E a sua peça, Lia? Nunca mais falou dela...

— Estreia na próxima sexta. Fica tranquila que seu ingresso já tá garantido na terceira fileira, só esqueci de pegar.

— É bom mesmo, viu mocinha? Já tá tudo certo pra estreia?

— Sim, tudo certo.

— E por que você não me parece muito animada?

— Vai ser a minha última peça com eles Bru, passei anos da minha vida ali e agora será nosso último trabalho juntos.

— Mas por quê? - Bruna carregava um tom preocupado.

— Eu vou sair. Não aguento mais o Faletti.

— O que ele aprontou dessa vez?

— O de sempre, trata a gente como se fosse propriedade dele, grita e xinga todo mundo se algo não saí como ele quer. Mas eu cansei disso, só vou fazer essa peça porque preciso do dinheiro e pela consideração que tenho pelo Pê, porque se não fosse isso já teria caído fora antes. Eu sem ele continuo sendo atriz, mas ele sem mim não tem a peça.

— Pelo jeito as coisas por lá estão um inferno.

— Não imagina o quanto! Difícil vai ser achar outra companhia de teatro.

— Mas se você falar com o Elídio, talvez ele...

— Não Bruna, de jeito nenhum. Quero conseguir isso por mérito meu e não pela indicação de alguém.

O celular de Lia vibrou em suas mãos, Daniel havia mandado uma mensagem.

Daniel: Fiquei sabendo que você vem hoje. Não se cansa da gente não?

— Elídio? - Bruna perguntou.

— Daniel.

— Você tem o número do Daniel?

— Eu sei, loucura né?

— Como e por quê?

— Longa história. O que posso dizer é que ele é uma graça, não sei porque, mas tenho a sensação de que nos conhecemos de outras vidas.

Como era de se esperar, ficaram presas no transito por muito tempo e chegaram atrasadas ao teatro, quando entraram, o espetáculo já tinha começado. Não foi nada confortável para as duas terem os olhos da plateia sobre elas, enquanto pediam licença para chegarem até seus lugares. Porém, tudo tem seu lado bom, e esse atraso possibilitou a Elídio localizar suas convidadas.

O espetáculo foi ótimo como sempre, a plateia participou e riu bastante e, finalmente, chegou a hora das fotos. Lia pediu para que a prima esperasse por um tempo, já sabia que deveriam ser as últimas da fila. Não demorou para que encontrassem os artistas da noite.

— Lia, quanto tempo, não? - Anderson perguntou em um falso tom cortês.

— Anderson? O que faz por aqui?

— Eu vinha passando descompromissadamente e encontrei esses pobres homens que se dizem comediantes - Os dois riram.

— Andy, deixa eu te apresentar a minha prima Bruna, ela é louca por você e como não pode beijar sua boca, se contentaria com uma foto com você.

— Quem disse que não pode beijar minha boca?

Bruna ficou azul de vergonha enquanto abraçava o Barbixa e tirava sua tão sonhada foto. Enquanto Lia tratou de cumprimentar o restante do grupo. Beijou Tauszig, Bruno Motta, Daniel e Cris Wersom, dizendo a todos como havia adorado a apresentação.

— Não imagina como estou feliz em te conhecer - Motta diz para a jovem.

— Por quê? - Questionou confusa.

— Não é sempre que tenho a oportunidade de conhecer alguém menor que eu - respondeu rindo, fazendo todos rirem também.

— Vamos logo com isso né? - A produtora de cabelos avermelhados questionou de maneira hostil. Lia tinha a sensação de que sua presença incomodava a mulher - Será que dá pra parar de enrolação?

— Relaxa Letícia, parece até uma velha. - Elídio reprovou-a indo em direção a Lia. A mulher torceu a boca - Fico me perguntando se você não é uma miragem, um oasis no deserto - sussurrou no ouvido da jovem.

Todos se juntaram para a foto em grupo, conversaram por mais uns dois minutos até que as meninas se despediram. Já estavam indo embora, quando Elídio correu até Lia e a segurou pelo braço.

— Tem mesmo que ir embora?

— Oi?

— Fica comigo no hotel, só hoje.

— Elídio você tá louco? - Ela perguntou rindo - Não posso deixar a Bruna ir sozinha.

— Pode sim. Como não? - Bruna disse rapidamente - Não quero atrapalhar a noite de ninguém.

— Mas, Bruna - Lia olhou como quem pedia ajuda - você vai voltar sozinha?

— Sim!

— Vai ser legal Lia, vem com a gente - Anderson tentou ajudar o amigo a convencer a jovem.

— Não sei gente, não vou atrapalhar?

— Claro que não, você será muito bem vinda - Disse Cris.

— Por favor - Elídio ainda segurava seu braço.

Quando se deu conta, Lia já estava dentro da van com os Barbixas, seus convidados e a equipe técnica. Sentou-se no último banco ao lado da janela, envolvida nos braços de Sanna, escutava quieta as conversas e piadas de todos os integrantes.

— Acho que alguém está com vergonha - Daniel, que estava no penúltimo banco, se dirigiu a jovem.

— Um pouco sem graça, talvez.

— Fica tranquila, esse povo parece um pouco doido, mas tomam seus remédios regularmente - Conseguiu tirar um sorriso dela. Tudo que queria, um sorriso, e assim voltou a olhar para frente.

A van parou em frente a um grande e iluminado hotel. Apesar do horário, a calçada estava movimentada, alguns grupos de jovens conversavam sentados na guia enquanto outras pessoas transitavam por lá.

— Que estranho, teve algum show hoje? A calçada tá cheia... - Motta observou.

— É melhor vocês serem rápidos pra entrar, nada de ficar tirando foto ou dando autógrafo - Letícia resmungou.

— Acha melhor eu cobrir o rosto? - Lia sussurrou para Elídio.

— Não, tudo bem.

Saíram da van, já na calçada ouviram um grito.

— AI MEU DEUS, ELÍDIOOOOO!

Lia se virou e conseguiu ver três meninas correndo na direção do grupo, ao mesmo tempo ouviu alguém chamar seu nome.

— Lia - Ela olhou e viu Jaque na porta do hotel - corre aqui.

Claro que a morena foi de encontro a produtora, entrou no hotel com o coração acelerado e com um sorriso no rosto ao ver a mulher.

— Te salvei?

— Com certeza.

— Da janela do meu quarto eu vi esses grupinhos e imaginei que daria alguma coisa, só não esperava encontrar você aqui.

— Digamos que nem eu esperava estar aqui.

— Aquela menina pegou mesmo na minha bunda? - Anderson parecia indignado ao entrar no hall, os outros apareceram logo em seguida.

— Agora que estão todos aqui, podemos cada um ir para seu quarto, né? - Adriano perguntou. O homem também fazia parte da produção do espetáculo e era conhecido por seu jeito simpático e sua barba comprida.

Todos concordaram, deram boa noite e foram para seus respectivos quartos.
O quarto de Elídio era muito bonito e estava bem arrumado, tinha uma grande cama de casal do centro, um tapete felpudo no chão, um lindo lustre logo acima e uma larga janela que dava vista para o centro da cidade. Lia entrou no cômodo um pouco sem graça.

— Fica a vontade, eu vou tomar um banho e já volto, tá? - Elídio perguntou enquanto segurava o queixo da jovem e assim que ela concordou depositou um beijo em sua testa.

— Depois que você sair eu vou também.

Assim que saiu do banheiro da suíte, Lia se encostou no batente da porta para apreciar a bela visão que era ver o homem apenas de cueca sentado na cama.

— É... sabe, eu não costumo trazer camisolas na bolsa quando vou a espetáculos de teatro, então será que tem alguma camiseta pra me emprestar?

— Claro, pode vestir essa, - Ele a entregou uma peça simples de cor preta - mesmo eu preferindo te ver sem nada.

Ela se aproximou e sentou no colo de Elídio, deixando a toalha no chão

— Podemos resolver isso agora mesmo - sussurrou em seu ouvido podendo sentir os pelos do homem se arrepiarem.

— É que eu tô um pouco cansado...

— Fraco! - Respondeu saindo de seu colo e vestindo a camiseta. O que proporcionou uma bela visão para o Barbixa.

— Não viu que tô usando seu presente?

— O perfume?

— E a cueca xadrez.

— E do que adianta você estar com ela se eu nem posso me divertir? - Elídio riu da jovem - Ah, olha só a noticia que li hoje "Ontem a noite, 3 de junho, o humorista Elídio Sanna, conhecido por ser um dos criadores da Cia Barbixas de Humor, foi visto em uma casa de shows aos beijos com uma morena desconhecida. O homem faz sucesso entre as mulheres e desde 2016 não assume nenhum relacionamento, será que alguém conseguiu conquistar o coração do humorista ou foi apenas uma sortuda da noite?". O que me diz disso?

— Então quer dizer que eu faço sucesso entre as mulheres? - Perguntou rindo.

— Ainda não acabou, uma amiga me mandou uma mensagem hoje "Lia, você vai pirar quando ver, mas olha só essa garota do lado do Lico. Ela não é a sua cara?"— Ele riu - Você acha engraçado? Acha que eu gosto de ser "a morena misteriosa"?

— Lia, fica tranquila.

— Não Lico, você não entende. Fãs são melhores que agentes da cia quando querem descobrir alguma coisa.

— Não quer que pensem que estamos juntos?

— Estamos?

— Vem cá. - Ela se aproximou e sentou na cama - Esquece um pouco o mundo lá fora, a única pessoa que importa pra mim agora, tá bem na minha frente e tá linda usando minha camiseta.

— Você não se importa mesmo? - Ela perguntou deitando na cama e se cobrindo com o cobertor caramelo.

— Se eu me importo de me verem com uma mulher linda assim? - Perguntou se aproximando da jovem enquanto afastava de seu rosto alguns fios de cabelo- Nem um pouco - Finalizou beijando-a.


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Notas finais do capítulo

*Quem entendeu a referência? Segue o link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=vR40ymJSnRo

Um abraço e até o próximo capítulo!



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