Dois Quartos de Vinho escrita por Ninguém


Capítulo 36
Já era tarde, quase noite


Notas iniciais do capítulo

Olá, querido leitor. Seja bem vindo! Puxe uma cadeira ou deite no sofá, tome um chá ou coma uma pipoca. Enfim, sinta-se a vontade e tenha uma ótima leitura.



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Já era tarde, quase noite, Aline chegou em casa um tanto quanto animada, folgou naquele dia. Ela trabalhava de domingo a domingo, e ganhava uma folga sorteada uma vez por semana, trabalho puxado e de salário nada extravagante, que fazia sorrindo sempre dizendo "fazer o que ama pode até não enriquecer, mas enobrece o homem". Muito diferente da melhor amiga, acreditava que o amor era a resposta para tudo e o melhor caminho para se seguir, tentou diversas vezes convencer Lia disso, porém a morena sempre se mostrou imparcial.

Sem hesitar, passou direto por seu quarto e foi até o da amiga. O cômodo estava um completo caos, roupas e sapatos estavam espalhados por todos os cantos, até mesmo pendurados no ventilador de teto, haviam caixas e sacolas pelo chão e algumas peças ainda voavam de detro do armário. Riu ao ver a amiga sair de dentro do mesmo.

— Tem uma calcinha na sua cabeça.

Lia riu de si mesma e tirou a peça violeta de sua cabeça, atirando-a para longe.

— O que está fazendo?

— Hoje é aniversário do Elídio. Ele vai dar uma festa no Mundo do Max. Quer ir?

— Ah, bem que eu queria, mas hoje é a noite do casal.

Toda semana, Aline e André escolhiam um dia para saírem de suas rotinas juntos. Jantavam fora, iam ao cinema ou até mesmo desfrutavam de uma noite juntos, tudo isso para que não caíssem na mesmice que um relacionamento longo tende a cair.

— Sabe quem vem me buscar? – Prosseguiu diante da expressão curiosa da outra – Daniel Alves de Castro Nascimento.

— Tá brincando!! Não acredito!

— Eu disse que podia muito bem ir sozinha, mas o Elídio insistiu tanto pro Dani vir me buscar que até o celular a gente trocou - Claro que ela só queria fazer inveja a amiga.

— Pensando bem, acho que vou cancelar a noite de casal... - a loira disse em tom de brincadeira.

O interfone tocou, mas Lia não quis atende-lo, não pretendia ouvir, novamente, a voz do arrogante porteiro. Sabia que Daniel havia chegado e sem mais delongas resolveu descer.

O céu estava coberto de nuvens e ventava forte, tudo ia contra a roupa da jovem, mas ela não se incomodou. Vestia um macacão vermelho de tecido leve e alças finas, sandálias de salto e não economizou nas joias e na maquiagem, tudo na medida certa para que chamasse a atenção de todos por onde passasse.

Assim que Lia e Daniel se viram seus rostos vestiram sinceros e harmoniosos sorrisos, era evidente que os dois se gostavam mesmo o saldo de conversas sendo pequeno. Ela entrou no carro e o cumprimentou com um beijo no rosto, colocou o cinto de segurança, abaixou um pouco o vidro e os dois seguiram viagem.

— Obrigada por me levar Dani, mesmo eu repetindo mil vezes pro Elídio que não tinha necessidade.

— Imagina, não tem problema, na verdade é um prazer te levar.

— Achei que você não fosse.

— Na verdade eu não ia mesmo, mas aí a Karina ficou insistindo e eu ainda tive que ouvir o Elídio dizendo que só se faz 36 anos uma vez na vida, enfim acabei cedendo.

— Como se 34 anos fossem feitos durante cinco anos seguidos - ela observou fazendo o humorista rir também - e onde está a Karina?

— Provavelmente já está lá, ela preferiu ir direto do restaurante.

— Restaurante? Ela tem um restaurante?

— Sim, é um restaurante francês, se chama Íris porqu...

— Por causa da flor francesa?

Daniel a encarou surpreso.

— Gosta de flores?

— Só para apreciar.

— Não gosta de ganhar flores?

— Não é que eu não goste, só não entendo qual o sentido de presentear alguém que você goste com uma coisa que está morrendo.

— É, vendo por esse lado...

— Imagine o contrário, imagine se sempre que uma flor quisesse demonstrar seu amor a outra flor ela fosse até a cidade e matasse uma pessoa, isso não seria bonito.

Daniel olhou novamente para a jovem e começou a rir, de onde ela tirou essa ideia?

— Obrigado Lia, a partir de hoje não darei mais flores a minha esposa.

— Aí você se entende com ela - respondeu rindo.

— Não imagina como é difícil se manter magro morando com uma chef.

— Ah, eu imagino sim, moro com uma amiga que cursa gastronomia. Não imagina o quanto engordei em um ano.

— E eu então em 15 anos?

— Voltando para 2009? - perguntou rindo.

— Nem me lembre disso. O Elídio disse que te deixa em casa?

— Disse. Por que?

— Ele mentiu, no final da festa mal vai conseguir andar, pode deixar que eu te levo de volta.

— Não precisa se incomodar.

— Não, tudo bem, não tem problema. Normalmente eu não vou nesses lugares, sabe?

— Eu entendo, também não sou muito fã de festas. Pensei seriamente em não ir, é uma festa mais para os amigos...

— Não acha que se encaixa nisso?

— Sinceramente? Não.

— Talvez você seja até mais que isso - Se arrependeu do que disse assim que viu o ar questionador da jovem.

— Ele te contou, né?

— O que? Não, não. Só estou dizendo que...

— Daniel - disse em tom intimidador o reprovando.

— Talvez.

— Tudo bem - respondeu rindo - já tinha imaginado que seria tratada como troféu.

— Eu não disse isso.

Ficaram alguns segundos em silêncio.

— Lia - Daniel parecia repentinamente mais calmo e preocupado - talvez você tenha uma visão um pouco equivocada sobre o Elídio. Na época da escola o Lico demorava seis meses pra falar oi pra qualquer garota que ele estivesse afim, isso se não pedisse pra eu ir falar com a garota e depois apresentar os dois. Ele sempre foi tímido e continua sendo. Claro que agora não é mais como antes, mas ainda é e, sinceramente, se você não tivesse algum valor pra ele não estaríamos tendo essa conversa. O Elídio é um babaca, mas as vezes os babacas são as melhores pessoas para se conviver.

Lia não disse nada, apenas sorriu e passou a fitar a janela. Queria acreditar nas palavras do humorista, porém não conseguia, não confiava em nenhum homem que não fosse Vitor ou André e pretendia continuar assim.

Não demoraram muito para chegar, Daniel deixou o carro no próprio estacionamento da Casa e foram para a fila na porta de entrada, que estava consideravelmente pequena. Esperaram por pouco mais de meia hora, 30 minutos nos quais Lia virou fotógrafa de todas as fãs que reconheceram o humorista "Dani, você em um show sertanejo?", "Cadê a Karina?", "Namorada nova?" e coisa pior.

— Sertanejo? Sério? - Lia perguntou assim que as fãs se afastaram.

— Desesperador, né?

— Demais!

A Casa estava cheia, mas o show da dupla sertaneja já havia começado. Os dois subiram até o terceiro camarote - onde Elídio estaria - com certa dificuldade e, após terem seus nomes verificados na lista do aniversariante, ganharam cada um uma pulseira verde assim como o resto dos vips.

Lá cumprimentaram diversas pessoas, atores, cantores, inúmeros humoristas e muitos que não eram famosos. Seguiram até onde ficava o bar e as mesas, onde encontraram Karina.

— Ka, essa é a Lia.

— Então você é a famosa namorada do Elídio? Finalmente nos conhecemos - Disse cumprimentando-a com um beijo no rosto. Lia a encarou confusa.

— Não sou namorada do Elídio.

—Não? Mas o Dani me disse qu... - Daniel olhou para a esposa como quem dizia "Cala a boca, mulher!" - acho que entendi errado, desculpa.

— Lia meu amor, que bom que chegou.

A jovem olhou para trás e viu Elídio sorrindo enquanto segurava uma Long Neck. Estava lindo, teve que admitir, usava uma camisa de seda preta e uma calça branca, o cabelo arrumado como sempre e o perfume amadeirado exalava de longe. Ela sorriu e foi cumprimenta-lo, beijou seu rosto e em troca recebeu um forte abraço que a tirou do chão.

— Está maravilhosa como sempre. - sussurrou em seu ouvido - Quero que conheça meu irmão. Lia esse aqui é o Gustavo, Gustavo essa é a Lia.

— Uau! O Cuca não tinha me falado que você era tão linda - Gustavo disse cumprimentando a morena.

— Claro que disse, passei os últimos meses repetindo isso.

— Pelo visto o exagero é de família, né?! - Ela respondeu rindo - Trouxe seu presente - Falou para o humorista.

— Vem cá - Ele puxou-a para a sacada do camarote. Do ponto em que estavam era possível ver todas as pessoas na pista e vice-versa.

— Espero que goste.

Ela entregou duas embalagens, ele rasgou a primeira e quase deixou cair o que tinha dentro, um perfume de frasco azul escuro e formato piramidal. O mesmo que o homem usou em todos os seus encontros.

— Pra você usar sempre que sairmos.

— Como você sabia? - Ele perguntou surpreso.

— Não sei, eu simplesmente sabia. - Mentiu descaradamente. Na verdade passou horas indo de perfumaria em perfumaria e experimentando perfume por perfume, fazendo uma bagunça nos balcões e estressando as atendentes até achar o tal perfume - Abre o outro.

Ele abriu, dessa vez com mais cuidado e se impressionou com o que viu. Riu ainda olhando a cueca xadrez que segurava nas mãos.

— É pra você usar na nossa próxima noite - Explicou cheia de segundas e terceiras intenções.

— Obrigado. Por tudo! Por ter vindo, pelos presentes e por ter ido no Tuca naquela quinta-feira. - Lia teve a ligeira impressão de ver seus olhos brilharem - Também tenho um presente pra você.

— Presente? - Ela viu o homem colocar a mão no bolso de sua calça e de lá tirar dois papeis que a entregou.

— Um par de ingressos pra turnê de sábado em Campinas, não aceito não como resposta.

— Elídio eu... eu não sei o que dizer, como agradecer.

— Só diz que vai e me agradece com um beijo - retrucou puxando a mulher para seus braços.

— Elídio, as pessoas lá embaixo te conhecem, alguém pode ver, tirar foto e...

Não completou a frase, o homem a impediu roubando um beijo. Beijo esse que borrou seu batom, arrepiou seu corpo e enfraqueceu suas pernas.

— E verem como sou sortudo por estar com você.

— ELÍDIO VEM CÁ - Uma mulher loira gritou da extremidade contrária a do casal.

Ele olhou para Lia um pouco sem graça, como se pedisse desculpas.

— Tudo bem, pode ir. Hoje é seu dia, eu me viro.

O homem sorriu ternamente e foi de encontro a outra mulher. A jovem ficou minutos olhando a pista, as pessoas, os casais e a dupla sertaneja que se apresentava, dupla essa que nunca tinha ouvido falar mesmo ouvindo dizer que era muito famosa. Um tempo se passou até que percebeu receber olhares de um homem na outra ponta da sacada, no mesmo camarote, pensou ser apenas uma coincidência no começo mas logo percebeu que estava enganada. O homem piscou para ela. Ele era loiro, alto e de sorriso fácil, sua roupa formal não se adequava ao evento e nem seu cabelo escovado para o lado.

Quanto mais ele a olhava, mais sem graça ela ficava. Virou-se, passou a percorrer os olhos por todos que ali estavam até encontrar quem seria seu salvador. Deu uma última olhada para o loiro, ele ainda a encarava, e foi até o bar. O barman a recebeu muito bem, simpático e divertido, só faltou beijar o dorso de sua mão.

— Boa noite linda, o que deseja?

— Tem vinho?

— Pô linda assim você me quebra, vinho não tem, não.

— Ah, não tem problema. Me vê dois Cosmopolitan, por favor?

— Opa, claro, pra já.

— Ah, você me faria um favorzinho?

— Quantos você quiser - O poder de um belo decote é admirável.

— Tá vendo o loiro metido a executivo ali atrás? Quando ele vier aqui te pedir um drink pra mim, diz pra ele que não estou interessada? Obrigada.

— Mas como você sabe que ele vai mesmo vir aqui?

— Conheço esse tipinho - Respondeu sorrindo.

Ela pegou as duas taças que traziam a bebida cor-de-rosa, e seguiu até a mesa onde um homem de cabelos tão negros quanto a noite estava sentado, sozinho. Colocou as taças sobre a mesa e empurrou uma delas com o indicador para ele e se sentou logo depois.

— Você sumiu.

— E tu me encontrou - Marco respondeu. Ele trazia um olhar surpreso e cansado.

Era a primeira vez que os dois se encontravam depois daquela infeliz quarta-feira que o moreno queria tanto esquecer.

— Você não atendeu as minha ligações e nem respondeu minhas mensagens, aconteceu algo?

— Só tirei uns dias para rever minhas prioridades - Concluiu bebendo um gole do drink.

— E como está o amigo número dois?

— Eu não sei. Estava me recuperando, quase curado de tudo isso, mas aí ela resolveu voltar para minha vida e o pior é que não consigo resistir aos seus sorrisos.

— Talvez não seja por mal.

—E não é mesmo, ela nem sabe. Depois de todas as indiretas que eu dei...

— E onde ela está agora?

Na minha frente, pensou.

— Nos braços do amigo número um.

— Ele ainda não conseguiu leva-la para cama?

— Conseguiu.

— E por que ainda está com ela?

— Também gostaria de saber...

— Esquece essa mulher, ela não te merece.

— Todos merecem ser a paixão de alguém.

— Não disse que ela não merece ser a paixão de alguém, disse que ela não merece ser a sua. E outra, vai lá saber se ela já não é a paixão de outra pessoa.

— Do amigo número um, talvez?

— Nunca se sabe.

— Acho que o único jeito de me curar disso tudo é enchendo a cara.

— Eu tenho uma dica melhor... - Marco a fitou curioso, esperando que continuasse - a ruiva perto do banheiro não para de te olhar desde que sentei aqui.

Ele se virou discretamente e avaliou a mulher, era bonita, alta e seus cabelos pareciam um belos mar de caracóis, usava um vestido discreto e um batom violeta. De fato não parava de olhar para a mesa onde os dois estavam, aparentemente a noite estava cheia de admiradores.

— É mais fácil ela estar olhando pra você do que pra mim.

— Fios alaranjados não são minha praia. - Marco olhou mais uma vez para a mulher, ela sorriu - Vai logo falar com ela, não perde tempo.

O moreno se levantou e foi levar uma bebida para a moça. Lia ficou por lá mesmo, sentada, terminando de tomar seu drink até que sentiu alguém cutucar seu ombro, se virou e viu Tomé. Ele estava muito bonito, usava uma camisa xadrez preta e branca, tinha a barba por fazer e carregava seu típico e singelo sorriso.

— Quer dançar?

— Eu posso tentar...

Dançaram e conversaram por um bom tempo, até que a hora do Parabéns chegou. Lia não conhecia nem um terço das pessoas presentes ali, viu muitos famosos e percebeu que havia o dobro de mulheres. Tipico, pensou.

Marco, então, propôs um brinde:

— Pessoal, só quero dizer que hoje é o dia do cara mais parceiro, engraçado e feio que eu já conheci e que nada nesse mundo vai estragar nossa amizade ou nos separar, nem mesmo mulheres - Finalizou levantando sua taça de espumante.

Naquele momento grandes olhos castanhos se arregalaram e um arrepio na espinha se fez sentir. Em meio a tantas pessoas, uma delas, trajando vermelho, entendeu o recado.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo capítulo,
Abraços!



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