Dia 2.
Eles não eram normais. Não apenas pelo fato de não serem do Beta, mas eram extremamente numerosos e parecia que o número não parava de crescer, continuavam a sair dezenas de dentro dos arbustos.

Uma armadilha de morte.

Não tinha muito mais o que fazer. Apenas levantei o braço e mostrei o dedo do meio para o céu.
— Vá se foder, Kayaba.

Os encarei de frente. Era meio improvável sobreviver àquilo. Eu poderia sair a qualquer momento.
Mas fui impedido.
O garoto seguiu em frente, atacando fileiras e os crocodilos defendiam facilmente e revidavam com ondas de cortes, o HP dele descia muito rapidamente, já estava no vermelho.
Um frio percorreu a minha espinha. Eu não podia deixar que ele sofresse na minha frente. Muito menos deixar que ele morresse. Desembainhei a espada das minhas costas e segui em frente.
— Para trás! - Posicionei a minha espada na frente do corpo dele para o impedir de seguir em frente.
E foi tudo muito rápido.
A única coisa que pude perceber foi o sentido que me alertou que a minha espada havia tocado em algo. Quando eu me virei, o sangue voava, a minha espada havia penetrado a sua cabeça.
E nesse momento, eu percebi.
O quanto um mínimo erro pode afetar.
E se eu o conhecesse de verdade?
Mas, mesmo assim, mesmo não o conhecendo, era a dor de perder alguém. Ou pior, causar a morte de alguém.
As minhas próprias mãos haviam matado aquele homem inocente.
Eu havia tido causado a tristeza de uma família. Eu tinha acabado com um futuro que poderia ter dado certo.
Matar um homem era como matar uma parte de nós mesmos. Uma parte do mundo. Impedir um futuro. Impedir a felicidade de uma família que já existe ou de uma que ainda poderia acontecer.
Depois daquilo, minha cabeça começou a pulsar, lágrimas voavam dos meus olhos enquanto eu matava fileiras e fileiras de mobs, o EXP e meus níveis subiam sem parar enquanto eu cortava vários um a um, mas eles não paravam de crescer em número.
Mas eu não podia simplesmente virar as costas e correr. Eu tinha que continuar. Eu continuei atingindo-os com minha espada, enquanto outros tentavam me atacar por trás e eu os afastava usando a espada, em seguida batendo o punho na cabeça deles.
Quando percebi eu estava no meio de um monte deles, já podia ser considerada uma centena, eles atacavam sem parar e eu passei a girar com minha espada, atacando vários de vez. Ali eu não estava mais pensando, não estava lutando de verdade. Eu estava apenas improvisando movimentos para me manter vivo, irracionalmente.
Mas eu já não controlava a mim mesmo, os meus braços se mexiam automaticamente, anulando ataques de todos os lados, era como se eu tivesse uma visão trifocal, eu defendia os ataques de todos os lados e revidava perfeitamente.
Eu não tinha mais escolha. Depois de tantas ondas de ataque eu terminei por soltar a espada da mão. Mas o impulso de girar tanto fez com que ela voasse diretamente no ar, atingindo a cabeça de uma fila de crocodilos e me permitindo correr dentro dela. Me afastando do caminho e fugindo da floresta.
Dei de cara com a minha espada no chão na saída da floresta, mas não tive chance de pegá-la. Quando me agachei enquanto corria para segurá-la, ela escorregou da minha mão e meus instintos me obrigaram a não voltar atrás.
Fugi da vila, quando voltei a pensar normalmente eu já estava longe dali. Estava em uma estrada que levava até a cidade inicial. Olhei de relance, e vi um casal que ia correndo animadamente até o local da quest armadilha. Eu podia falar, podia tomar uma atitude, mas simplesmente não conseguia. Eu hesitei.
Dire Wolf era o nome dos lobos que corriam até mim. Olhos vermelhos brilhantes. Pernas, face, ponta da cauda, e os interiores de suas orelhas de cor branca, enquanto as costas e estômago de cor marrom escura. Eu estava completamente desarmado, meu equipamento de defesa não era o bastante para sobreviver em uma luta, mesmo sendo mobs de nível baixo. Driblei um, que acabou por tentar morder a minha perna, mas apenas arrancou uma parte da calça. O outro veio diretamente até mim, e eu o afastei com uma cotovelada.
Era realmente intrigante. Eles eram monstros de nível baixo, e mesmo assim eu me recusava a encará-los. Uma vez que eu me virava e pensava em voltar para a batalha, vinha na minha mente as cenas do meu parceiro temporário perdendo a vida.
Quando realmente tive espaço, sentei-me no chão.
Era um local lindo, as águas de um lago davam uma certa felicidade a ele. O reflexo de um arco-íris que se sustentava no ar permanecia na lisa e brilhante água.
Eu pisquei os olhos, e não pude aguentar. A emoção me atingiu de jeito. Não apenas pelo fato de ter matado um homem, mas tudo aquilo, todo aquele pesadelo de ter que ficar preso em um mundo, sabendo que eu não tinha chance alguma de permanecer vivo, o arrependimento de um ato foi apenas uma porta aberta que liberou todos os sentimentos negativos, me forçando a chorar.
Não era apenas um pequeno arrependimento. Era um sentimento de culpa, ele nem teve chance de falar algo, ele apenas queria ajuda. Olhando por este lado, eu era realmente nojento. Me aproximei da água aos poucos, até olhar meu reflexo. O cristal sobre minha cabeça estava laranja.
Não era possível... de acordo com aquilo, eu era Player Killing. Eu seria impedido de entrar em cidades e outras áreas protegidas, eu seria barrado pelo próprio jogo. Eu não tinha chance alguma de permanecer vivo, estava sem itens.
Eu era uma escória.
O cabelo escorrido, agora bagunçado após a série de lutas, cobria meus olhos. A única que podia se perceber perfeitamente no meu rosto era o brilho de um ponto que deixava um rastro enquanto descia no meu rosto e desaparecia no meio do trajeto até a grama.
Passei andando lentamente pela estrada dos Dire Wolf, sendo atingido por arranhões e mordidas que rasgaram ainda mais meu equipamento. Mas não liguei, apenas segui em frente, enquanto as lágrimas escorriam e desapareciam no ar. Estava seguindo de volta para a floresta. Ao parar na frente da vila, pude escutar.
Dois gritos altos de terror. O casal que eu não havia avisado tinha encontrado o seu fim.

Minhas opções eram bem limitadas. Eu tinha certeza que me arrependeria disso, mas pelo menos teria tempo para me arrepender, pois se não fazê-lo, não terei tempo para mais nada.

E pensar, que um dia tudo isso aconteceria.
Tudo isso em um MMORPG.
Diante daquela situação, analisando minhas atitudes e percebendo meu ser, vi que não estavam errados em me considerar como nojento, me discriminar. Eu era um Beater, e ao mesmo tempo assassino. Eu era apenas mais um animal irracional que precisa de atitudes que fogem dos próprios limites para sobreviver em um jogo onde sua vida é mais importante que tudo.
Você nunca parou pra pensar, mas o que garante a sua vida? Provavelmente você não está dependendo de uma simples máquina. Uma vida complicada pode nos levar a fazer coisas que nunca imaginamos que faríamos, e arrependimento é a única coisa que nos resta no momento do último suspiro ao ser castigado.