After escrita por J N Taylor


Capítulo 2
Chapter 1 - The Mourning After




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A morte é uma das poucas coisas que podem ser feitas simplesmente deitando-se.

Woody Allen

A mulher desligou a chama do fogão elétrico, tirou a panela e colocou sobre a pia. Os cabelos castanhos estavam amarrados em um coque acima da cabeça. Os olhos eram da mesma cor. Ela vestia uma camisa rosada, quase branca, com o avental por cima e um short azul.

–Micheal! John! – ela chamou os filhos. Seu marido estava trabalhando.

–Oi, mãe. - disse John, aparecendo na porta da cozinha. Ele estava na sala, assistindo televisão. Os cabelos eram pretos. Ele foi adotado quando tinha pouco mais de seis meses. Quando soube disso, aos dez anos, reagiu bem. Era alto, tinha quinze anos e os olhos castanho-escuros. Vestia uma camiseta verde com um desenho qualquer e uma bermuda.

–A comida está pronta. Vai comer agora?

–Não, daqui a pouco.

–Pode chamar seu irmão? - ela disse, após alguns segundos de silêncio.

–Claro. - e se virou, seguiu para o quarto do irmão, ao lado da sala.

Abriu a porta.

Seu irmão estava deitado de bruços no chão do quarto. Um copo de uísque pela metade estava na escrivaninha. Ele estranhou. O irmão nunca bebera. Ele se aproximou e sacudiu o irmão. Ele continuou deitado, sem demonstrar reação.

–Micheal. Acorda. Micheal! Mãe. Mãe! - ele virou e correu para a cozinha.

–Que houve, John?

–O Micheal. Ele está desmaiado.

–Como? - ela tirou o avental e correu para o quarto do filho. Ele estava na mesma posição – John, me ajude a virar ele de barriga para cima.

–Certo. - eles viraram. A mãe percebeu um frasco de comprimidos vazios. Ela se sentiu enjoada. Quando viu o que era, sua expressão se tornou puro pavor.

–Alprazolam. - ela murmurou - Mick, o que você fez?

–Mãe, o que houve? - ele sabia a resposta, mas se recusava a acreditar.

–Seu irmão. Está morto. - a última palavra subiu até a boca dela como uma onda de ácido. Ela tentou se controlar, consolar o filho, talvez. Se sentia tonta, confusa, perdida.

–Mãe… - ele disse, engolindo a raiva pela morte do irmão. A dor pesava sobre eles.

–Ligue para seu pai. - John tirou o telefone do bolso e ligou para o pai. Passou o telefone para a mãe. Após um segundo de silêncio, ela conseguiu dizer: - George. O Micheal.

–O que tem o meu filho? - respondeu a voz do outro lado, percebendo o medo na voz dela.

–Está morto. - as lágrimas jorraram de seus olhos como uma fonte.

–Certo. Quando eu chegar, falaremos sobre isso. - e desligou.

–O que ele disse? - perguntou John, sufocado.

–Ele não se importa. - e deixou as lágrimas saírem violentamente de seus olhos, a reação de indiferença do marido a perturbou.

–Eu vou… Ligo para a Alice?

–Sim. Não diga pelo telefone. Peça para ela vir aqui.

–Certo. - ele tirou o telefone delicadamente das mãos da mãe. Digitou o número da namorada, ou ex-namorada, do irmão, e ligou. Chamou duas vezes até ela atender – Alice?

–John? - a garota perguntou. Ela percebeu a voz chorosa do jovem.

–Alice, pode vir aqui?

–O que houve, Johnny? - ela disse carinhosamente.

–O Micheal. Por favor.

–O que houve com ele, John?

–A depressão dele. Por favor, vem aqui.

–Estou aí em cinco minutos. - e desligou. Ela morava perto e chegou lá em pouco mais de dez minutos. A pele dela era branca, os cabelos pretos curtos, os olhos eram escuros.

–Alice. - disse a mãe deles, atendendo a jovem na porta.

–Senhora Harvey. O que houve com o Mitch?

–Ele… Ele está… - ela chorou.

–John! - a garota não aguentou. Aparou a mulher e a sentou no sofá – Onde ele está, senhora Harvey? - mais lágrimas – Por favor.

–No quarto. - ela disse, entre soluços.

–Mitch! Mick! - ela correu para o quarto dele. Ele estava deitado na cama, como John colocara. O garoto ainda estava de pé ao lado do irmão, em uma espécie de transe. Quando Alice entrou, ele não percebeu. A garota caiu de joelhos ao lado do garoto e sacudiu o corpo de Micheal.

John permaneceu em transe, olhando para o corpo fixamente. Algumas poucas lágrimas escorriam pelo rosto dele. Ele estava indiferente a presença da garota.

–John. - ela se levantou e abraçou o jovem garoto. Ele despertou subitamente - Lamento.

–Alice? Como? Bom, ah sim. Ele… Eu o achei.

–E ele não disse nada? Não deixou nada?

–Deixou isso. - e entregou uma folha de caderno escrita -Ele não falou sobre você.

–Como? - ela disse, interrompendo a leitura.

–Nada. - ela correu para a escrivaninha e revirou as gavetas. Ela parou por um minuto – Já avisaram ao Ryan? - era o melhor amigo de Micheal.

–Não. Não pensei nisso. Poderia? - ele secou uma lágrima.

–Sim. - e ligou.

–Alice? O que houve? Você nunca me liga. - disse Ryan ao atender.

–O Micheal. Se matou. - ela disse, friamente. Mas por dentro, ela sentia vontade de desabar igual a mãe dele.

–Alice, eu não estou na cidade, eu viajei com meus pais. Só vou voltar depois de amanhã, me desculpa. O John ou a mãe dele estão aí?

–Sim.

–Posso falar com ela?

–Não sei. Vou ver. - ela foi até a sala – Senhora Harvey.

–Sim. - ele gaguejou.

–O Ryan. Quer falar com você. - e entregou o telefone.

–Lamento, senhora Harvey. Eu não sei o que dizer. Eu estarei aí depois de amanhã.

–Não precisa se adiantar, Ryan. - a voz tremia.

–Eu voltaria de qualquer forma. Tenho que desligar, meus sentimentos.

–Até. - e passou o telefone para a garota. Ela desligou e guardou.

–Vou falar com o John. A senhora vai ficar bem?

–Sim, traga ele aqui, por favor. Ele deve estar mal. Ele encontrou o Micheal. - disse a mulher, se levantando. Ela recuperou a postura e engoliu as lágrimas. O filho precisava da mãe em boas condições. Ela chorava mais pela raiva que sentia do marido do que pelo filho. Mas a tristeza era maior que o ódio.

–John, sua mãe está chamando. - Alice entrou no quarto – John? - o quarto estava vazio. O telefone do jovem estava sobre a mesa. Ele fugiu.

***

–Como você pode reagir assim? Ele é seu filho! - a mãe dos garotos gritou com o marido. Ele acabara de chegar do serviço.

–E é minha culpa? Eu tive que trabalhar para manter essa casa.

–Mas não manteve seu filho! Você foi negligente! Eu disse várias e várias vezes que o Micheal estava doente, em depressão. O acidente que matou a irmã dele o deixou assim!

–Ele estava dirigindo meu carro sem autorização.

–E foi justo o que você fez? Seu filho, George, já sofreu bastante sendo responsável pelo acidente que matou a irmã dele. E você, para ajudar, humilhou o garoto e o culpou mais ainda!

–Então eu causei a morte dele?

–Não! Mas não fez nada para impedir!

–E por causa da sua idiotice, o John também fugiu! - ela engasgou quando ouviu essas palavras do marido. Sentiu como um soco no estômago. O ar sumiu. O garoto realmente havia sumido. Não tiveram notícias dele durante todo o dia.

–É culpa minha, mesmo. - ela disse, sarcástica e com ódio – Eu que sumi com ele, seu idiota! Você não liga pra nada nessa casa! Perdemos a Victoria! E você? - ela urrava de raiva – Você nem se deu ao trabalho de ir ao enterro! O seu maldito trabalho deixou nossos filhos órfãos! Sabe, George! Eu cansei de você! Eu quero que você morra! - e saiu, se trancando no quarto.

–Vadia desgraçada! - ele gritou o mais alto que conseguiu. Arrumou a gola do terno e tirou o telefone do bolso. Digitou uma mensagem rápida e guardou novamente, se jogando no sofá. Ficou lá por alguns minutos e se levantou. Andou até o quarto de Micheal e o viu vazio. Um frio subiu pela espinha dele.

***

Ryan acabara de chegar de viagem. Tomou um rápido banho, colocou uma camisa e a calça jeans, calçou o tênis e saiu para encontrar com Alice. Ele era um garoto bonito, bronzeado, tinha um pequeno topete na cabeça e os olhos verdes eram faiscantes.

–Alice? - ele a abraçou – Espero que você esteja bem.

–Estou, Ryan. Eu só me sinto confusa. Ele disse alguma coisa para você? Algum sinal?

–Não. Antes de eu viajar no fim de semana, eu e ele fomos ao cinema. Ele disse que estava disposto a se perdoar. Ele parecia até mais animado. Acho que fiquei mais chocado que você quando soube.

–Eu sei, eu sei. Ele não falou sobre nós. Nem eu, nem você.

–Não, não. Merda! - ele rosnou.

–Que houve? - ela perguntou, surpresa.

–Ele me entregou um papel. E disse para que eu entregasse para você depois da viagem.

–E você não achou isso estranho?

–Na hora, sim. Mas depois acabei deixando isso de lado. Ele me parecia positivo. Não liguei uma coisa na outra. - ele meteu a mão no bolso e tirou um pequeno papel dobrado. Entregou para ela.

–“Querida Alice, queria me desculpar pelo que fiz.” - ela leu ao abrir - “Peço desculpas para você e o Ryan. Minha dor era interminável. Vocês foram os únicos que tentaram me ajudar, me levantar da espiral negra em volta de minha. Não quero que o trabalho de vocês seja em vão, mas isso se tornar cada vez mais insuportável. Me perdoem, amo vocês.”

–Ele deixou uma nota de suicídio comigo e… Deus, que tipo de amigo eu sou?

–Não é sua culpa, Ryan!

–Como não?

–Porque não! Ryan, você era o melhor amigo dele. Se fosse sua culpa, não seria o melhor.

–Espere, aquele é o John? - o garoto estava sentado em um banco, alguns metros depois deles.

–Sim, vamos lá? - Ryan assentiu com a cabeça e a acompanhou. Sentaram um de cada lado dele.

–Olá, Johnny. - disse Alice, simpática – Seus pais estão preocupados.

–Eu sei. Mas quando eu voltei, mais tarde, eles estavam brigando. Eles brigaram depois da morte da Vic, brigaram agora com o Micheal. Eu não aguento mais eles.

–Hey, John. Estamos aqui para isso. - tranquilizou Ryan – Somos seus amigos, como fomos do seu irmão. Pode contar com nós dois para o que precisar.

–Ryan. Alice. Agradeço, mas dispenso.

–Onde você está dormindo? Na rua? Se quiser, pode ir pra minha casa. - perguntou ela.

–Ou pra minha.

–Estou na casa de um amigo, obrigado.

–Venha para a minha casa, por favor. Se não quiser voltar pra sua. - sugeriu Ryan.

–Acho que posso aceitar. Mas e os seus pais?

–Eu falo com eles em casa.

Eles saíram. Alice acompanhou os dois até uma certa parte do caminho.

–Daqui vamos nos separar. - disse ela.

–Leve isso. - Ryan entregou o bilhete de Micheal para ela.

–Não, fica com você.

–Ficou tempo suficiente, Aly. Ele me pediu para dar para você. - ela pegou. Sorriu e se despediu deles. Ela seguiu para sua casa. Os garotos seguiram para a de Ryan. Ele morava sozinho desde o ano passado. Tinha agora dezessete, a mesma idade de Micheal.

–Obrigado. - agradeceu John.

–Deixa isso para lá. Mas vou ter que ligar para seus pais.

–Não, por favor.

–Johnny, não seja teimoso. Eles só precisam saber que você está bem. Eles estão tristes pelo Micheal, agora por você também. Eles perderam dois filhos. - ele gaguejou. A voz ficando mais fraca a cada palavra – Eles não suportariam perder o terceiro.

–Eles foram os responsáveis pela perda de um deles! Aqueles desgraçados mataram o Micheal! Ele se sentia cada vez pior e o George só ajudou a afundar ele mais ainda!

–John, seu irmão começou com um discurso parecido. - ele passou o braço sobre os ombros do garoto, e deu um abraço fraternal. Ele se esquivou.

–Eu não vou me matar. - cuspiu em resposta. Ryan parou por um segundo, levemente confuso.

–Certo, não vou ligar para seus pais. Quando você planeja voltar?

–Não sei. Talvez não volte.

–E vai morar onde?

–Com você! - disse, sem pensar – Ou não posso.

–Claro que pode. Mas vai precisar da autorização dos seus pais e…

–Cala a boca. - cortou. Ambos se calaram e se entreolharam. Não sabiam exatamente o que aquilo queria dizer, mas era como se algo estivesse implícito naquele silêncio. Dúvida? Ou talvez uma recusa velada? Talvez ambos estivessem pensando em uma solução alternativa, mas a cabeça deles ainda estava confusa pela morte do garoto.

–Certo. Faremos assim – e diminui a voz para quase um sussurro -, por enquanto.

***

Era por volta de uma da manhã quando George chegou em casa. Não sabia que o filho ligara para casa mais cedo. A mãe concordou em deixar John passar um tempo com Ryan. Talvez a companhia de um amigo o consolasse. Ela estava na cama quando o marido chegou, tropeçando nos móveis pelo caminho. Estava totalmente bêbado. Ela se levantou com o barulho de algo quebrando na cozinha. Ele derrubara algum prato no chão. Ele rosnou um palavrão e praguejou. Ela abriu a porta e saiu do quarto.

–George? Deus misericordioso! Você está bêbado! Você me prometeu que não ia mais beber!

–Cala a… - a voz sumiu. Ele mal conseguia se manter de pé.

–É assim que quer se lembrar do seu filho? Dos seus filhos?

–Você é uma desgraçada. - ele tropeçava na própria voz (espero que você saiba o que é tropeçar na própria voz) – Você destruiu minha vida. Eu cometi a – ele soluçou. Perdeu o controle da voz e enrouqueceu. Ela espero. Ele continuou – Eu cometi a maior merda da minha vida casando com você. Eu quero… Eu… - ele deu um passo e tropeçou. Ele urrou de raiva – Culpa sua!

–Minha? Seu bêbado idiota! - ele deu um berro de ódio e deu um tapa nela. Ela escorregou para o lado e se recuperou imediatamente, levando uma mão ao rosto. Ela olhou para ele com raiva. Nunca ele havia sido violento. Ela respondeu dando um tapa com todo a força no marido.

–Sua vadia! - ele devolveu o tapa com o dobro da força. Ela caiu com o golpe. Quando tentou levantar, ele deu um chute no estômago dela. Ela perdeu o ar – Esse é o seu lugar, cachorra.

Ela sentia vergonha de si própria. Um misto de ódio e culpa tomou conta dela. Aquilo destroçava o orgulho dela, e não ficaria assim. Ela se levantou e olhou para o marido com tanta raiva que ele recuou um passo. O rosto dela se tornou em uma máscara de raiva tão grande que ele estremeceu. Ela engoliu a vontade de bater nele com a primeira coisa que alcançasse. Engoliu o ódio. Engoliu a dor do tapa. Engoliu a tristeza pela morte dos filhos. Engoliu a raiva. Levantou a cabeça, orgulhosa, se virou e foi para o quarto. Bateu a porta atrás de si e a trancou. Esses poucos segundos de resistência interior pareceram horas. Ela colou as costas na porta e escorregou até se sentar no chão. Não ouviu som nenhum do marido. Deve ter ido dormir no sofá. As lágrimas escorreram pelos olhos dela. Ela chorava e mais, e mais. Até não aguentar mais. Até soluçar. Até ficar sem ar. Até sentir que não tinha lágrimas. Quando não aguentava mais, ela se levantou e passou a mão no rosto. Um fio muito fino de sangue seco estava no seu nariz. Ela soltou um gemido baixo e se levantou. Andou até o banheiro e tomou um banho gelado. Vestiu qualquer coisa e voltou para o quarto. Sentiu um alívio pelo filho não estar em casa. John foi convencido por Ryan a ligar para casa. Ela permitiu. Ela sentiu-se melhor por ter permitido agora. Graças a Deus ela permitiu. “Eu não aguentaria a reação dele se visse isso” - pensou - “Não mesmo”.

Ela trancou a porta novamente e se arrastou até a cama. O sono foi mais forte. Cortando um dos seus pensamentos, ela dormiu. Ela precisava.


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