After escrita por J N Taylor


Capítulo 3
Chapter 2 - Memory




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Temer o amor é temer a vida e os que temem a vida já estão meio mortos.

Bertrand Russell

John olhou em volta. Estava em uma trilha com o irmão. Eles fizeram aquela caminhada no ano anterior, quase na mesma época. Ele gelou quando percebeu o irmão de pé diante dele. Micheal se virou e se aproximou calmamente, levou a mão até a cabeça dele e sacudiu, bagunçando o cabelo do mais novo. Ele se sentia bem naquela situação, mas tentou conduzir a situação naturalmente, da melhor forma que se lembrava.

–Hey, Johnny. Como vai? - perguntou o mais velho, sorrindo. O outro ignorou a situação confusa em que estava e sorriu de volta.

–Estou bem, Mitch. E você?

–Frio. - entre uma piscada e outra, o irmão ficava um nada mais pálido – Eu sinto frio. Gostaria de ter pego um casaco. - essa referência cruzada o deixou confuso.

–Sim, sim. Eu também não trouxe o meu.

–O tempo já está te deixando doido, Johnny? Você está vestindo ele. - John olhou para baixo e percebeu que estava mesmo com seu casaco. Ele sacudiu a cabeça e riu.

–Verdade. - e riu mais.

–Eu amo você, garotinho. - Micheal nunca dissera aquilo. Muito menos naquela caminhada. Ele engoliu em seco e parou, se encostando em uma pedra – Tudo bem?

–Tudo sim. Eu só estou um pouco tonto. - o irmão já estava branco como uma vela – Micheal.

–Digo que amo nossos pais, Johnny. E a Alice. E agradeça ao Ryan pela amizade.

–Mitch. Não. - e o irmão tirou um frasco do bolso e virou na boca – Não!

–Desculpa, Johnny. Cansei. Acorde. - e caiu, inconsciente.

John acordou com um salto da cama. Olhou a hora no relógio. Já passava das duas horas. Iluminado apenas pela luz fraca da lua, ele saiu do quarto e foi até a sala. Ryan estava dormindo no sofá e cedeu a cama de casal para o jovem, mesmo que ele tenha insistido que tinha espaço para os dois.

–Ryan. - ele chamou o amigo no sofá. Chamou pela segunda vez e ele soltou algo parecido com um rosnado ou um grunhido de irritação. Pela terceira vez. Ele abriu os olhos, meio tonto, e soltou um gemido de insatisfação. Odiava ser acordado no meio do sono. O leve sorriso que tinha por ter um sonho bom desapareceu. Ele viu John. E ele parecia preocupado. E ao mesmo tempo, nervoso.

–O que houve?

–Eu tive um sonho. Com o Micheal.

–E? - ele pareceu mais aborrecido do que queria.

–E que ele me pediu para agradecer você. - o garoto ignorou o aborrecimento.

–Agradecer? Agradecer o que?

–Pela sua amizade.

–Como? - ele gaguejou.

–Ele me pediu para dizer isso.

–Certo. - ele disse, olhando para os lados. Colocou as duas mãos sobre o rosto e suspirou profundamente. Olhou para John – Volte.

–Voltar? Pra casa dos meus pais?

–Não! Pra cama. Vai dormir. Você ainda está meio bagunçado pelo seu irmão.

–Eu não estou.

–Vá. Para. A. Cama. - o garoto se virou em silêncio e murmurou um “boa noite” seco, andou para o quarto e se deitou novamente. Na sala, Ryan se levantou para se desculpar, mas se deitou no sofá de novo. Poderia se desculpar pela manhã. Seu pescoço doía.

John encarava o teto, em silêncio.

–Desculpa, Micheal.

Um vento frio, surgido de algum canto desconhecido, passou pela cama. O garoto sentiu um arrepio, mas uma sensação de alívio e calma o atingiu. O sono chegou de repente. Pela primeira vez, em três ou quatro dias, se sentiu confortado, protegido. Deixou o corpo relaxar e dormiu.

***

George estava no bar, sentado em uma cadeira de frente para o balcão. Olhou para o relógio de pulso e rosnou.

–Três da manhã. Perfeito. - deu um soco no balcão, mas não se deu por satisfeito. Teria que acordar as sete para trabalhar. Faltaria. Tomou o último gole de cerveja no copo. Ainda estava sóbrio para pensar. Ou ver as horas – Mais uma. - pediu.

Na mesa de sinuca, três homens olhavam para ele, várias vezes. Ele estranhou, se sentiu incomodado, desconfortável, mas ignorou. Um deles, um cara baixinho, com um corte na sobrancelha, com a barba mal feita e com o cabelo preto bagunçado, os dentes dele eram amarelados e tinha uma tosse incessantemente irritante, se aproximou de George.

–O que quer? - disse ao perceber que o estranho se aproximava.

–Meus amigos me pediram pra te chamar pra uma partida de sinuca. - retrucou secamente.

–Certo. - o barman trouxe outro copo de cerveja. Ele bebeu um gole e levou para a mesa – Falem.

–Eu sou o Stu. - disse o baixinho.

–Marvin. - disse outro. Esse tinha o cabelo castanho encaracolado e olhos da mesma cor, com um pequeno tique no olho esquerdo. Ele tinha uma cicatriz horrível no rosto, era impossível não olhar.

–Eu sou Ralph. - falou o terceiro, estendendo a mão para um cumprimento. George apertou a mão dele, gentilmente. Aquele homem tinha algo de estranho. Os olhos eram esverdeados, o cabelo castanho tinha alguns fios grisalhos e uma mecha fora pintada de branco, mas parecia natural. E usava um anel de noivado de ouro, com uma frase gravada. Apesar de aparentar ser o mais velho do grupo, tinha um ar e um jeito de adolescente, confiante, sorridente.

–Mark. - mentiu.

–Seu nome não é Mark. - riu Ralph – Você não tem cara de Mark.

–George. - disse, encabulado.

–Calma, rapaz. Está entre amigos. - e fez um gesto para o garçom – Uma cerveja, por favor. Então, George. O que faz por aqui essa hora? Você é casado. O que deu de errado?

–Nada. Como sabe que sou casado?

–O seu anelar esquerdo. Está com a marca de um anel. Provavelmente usou por um bom tempo. Talvez tenha tido filhos, mas algo deu errado, pois tirou o anel recentemente. Mas ainda está casado. Sua camisa foi engomada recentemente, e um homem não engoma a própria camisa a menos que seja uma ocasião importante, que não é o caso agora. Você tem uma marca úmida de cerveja perto do bolso, julgando pelo tempo hoje, posso arriscar que você está aqui faz algumas horas, está começando a ficar bêbado. Você não parece estar viúvo e…

–Cale a maldita boca! - ele gritou.

–Perdão. Certo, vamos jogar?

–Você me chamou para jogar?

–Claro. Uma aposta?

–Eu não aposto. - se virou para sair, mas o baixinho o segurou. George se virou e olhou com uma pontada de curiosidade para ele.

–Cadê seu espírito de campeão? Começamos com vinte?

–Eu não quero jogar.

–Você não tem que querer. - disse, tranquilamente. Ele olhou, poderia arrumar uma briga, mas apanharia muito. Estava em desvantagem. Agradeceu por ainda ter uma ponta de sobriedade para se resguardar. Suspirou.

–Quinze. - disse, tentando disfarçar o incomodo da situação.

–Ótimo, George. Quinze. Quinze de cada um, seus idiotas. - e todos pegaram o dinheiro. Alguns do bolso, outros da carteira. O jogou foi bom para George. Venceu todos do grupo. Cada vez mais aumentavam a aposta. Quando chegaram nos cem dólares, uma reviravolta.

–Desculpa, George. Eu sou bom. - disse cinicamente. Em quanto estávamos? Cento e vinte e cinco?

–Você trapaceou.

–Você não perguntou se eu era bom.

–Eu não tenho esse dinheiro.

–Tem. É o que você ganhou da gente. Ainda vai para casa com algum lucro. Marcamos outro dia.

George abriu a boca, mas não pensou em nenhuma boa resposta. Se virou, pagou a conta e saiu. Chegou em casa. Seis e meia. Abriu a porta do quarto e quando ia se deitar, sua esposa levantou, assustada.

–O que você está fazendo aqui?

–É nosso quarto. Nossa cama.

–Não, George. Sai daqui.

–Se foi por ontem, me desculpa. Eu…

–Cale a boca. Nem o meu pai me bateu.

–Ann, me desculpa.

–Sai do meu quarto.

–Como quiser. - e se levantou, saiu resmungando algo.

–Bastardo desgraçado.

Ele sentou-se no sofá da sala. Esperou a esposa voltar a dormir. Pegou o telefone e digitou uma mensagem. Hesitou na hora de enviar, mas enviou. Deitou-se no sofá e cerca de cinco minutos depois o celular vibrou com uma mensagem. “Tudo bem?”, ele leu. Respondeu um seco “não”. E depois completou com outra “Estava dormindo?”. Recebeu um “não, estou sem sono”.

–Acho que preciso de algum amigo, mesmo.

“Posso ir aí?”, enviou. Recebeu uma resposta positiva. Avisou que demoraria um pouco, tomou um banho e correu para lá.

***

–Alice. - John e Ryan chegaram juntos na casa dela.

–Olá, garotos. Que cara é essa?

–O Johnny não dormiu direito.

–Como assim?

–Sonhei com o Micheal.

–Ah sim. Isso passa. - ela disse, dando um tapinha afetuoso no ombro dele.

–Espero.

–Mas sobre o que vieram falar? - disparou a garota.

–Eu estou sem coragem de visitar o túmulo do Micheal. - murmurou Ryan, quase num sussurro.

–Nós vamos com você. - sugeriu John.

–Acho que eu devo isso ao Micheal. Devo ir sozinho.

–Mas você disse que está sem coragem.

–Exato. Não sei o que fazer!

–Eu vou visitar ele hoje. - anunciou Alice – Se você for comigo, posso esperar.

–Acho que pode ser. - concordou, um pouco envergonhado.

–Não fique assim. Eu vou também. - acompanhou John.

–Ótimo.

Minutos depois estavam indo ao cemitério. John foi na frente. Se ajoelhou diante do túmulo.

–Então, Micheal. Obrigado por essa noite. Me senti mais confortável com você essa noite. Nossa, isso é ridículo. É isso, meu irmão. Sinto sua falta. - e voltou para o grupo.

–Eu vou. - disse Alice, já andando – Não sei o que te dizer. Foi bom ter te conhecido. Não vou te esquecer. Acho que devo te devolver isso. - fez um pequeno buraco com a mão sobre o túmulo e colocou um pequeno anel, feito de arame torcido – Lembra quando me deu isso? Quando você me pediu em namoro. Você tirou um fio do bolso e me fez isso. - deu um leve sorriso, enterrou o anel e voltou.

–Sou eu, certo? - falou Ryan, após uma leve hesitação. Se aproximou do túmulo. Ficou lá por quase cinco minutos. - É, meu irmão. Você se lembra de como nos conhecemos? Você era o garoto popular. Eu era o nerd. Sempre fomos uma dupla improvável, mas fomos uma dupla. Quando aquele cara tentou me bater, você me defendeu. Sempre fomos unidos. Por que você fez isso? Eu sempre me perguntei. Será que me considerava um bom amigo? Não sei se fui um bom amigo. Mas você foi, sempre será.

“Uma coisa eu não entendo. Você tinha o seu irmão, tinha eu, a Alice. Você nos disse que éramos sua família. Por que você nos deixou? Eu preciso do meu irmão aqui. Eu e o John e a Alice. Você precisou da gente e estivemos lá. Me sinto responsável pelo que você fez. Eu sou responsável pelo que você fez, meu amigo. Eu gostaria que você estivesse aqui.” - sua voz tinha uma ponta de ressentimento - “Eu espero que me ouça, de onde estiver.”

Se virou para sair, mas parou. Algo o parou. Ficou cabisbaixo, mas voltou para o grupo. Algo na conversa o abalara. Seus olhos estavam úmidos de lágrimas.

–Tudo bem? - perguntou John.

–Sim. Estava lembrando de algumas coisas. De quando nos conhecemos.

–Sinto falta dele. - murmurou Alice.

–Todos sentimos, Aly. - e os dois a abraçaram carinhosamente.

***

George entrou na casa. Seu amigo fechou a porta atrás dele. Era um homem, negro, com o cabelo cortado em um estilo militar. Era alto, cabelo e olhos pretos como carvão, um pouco sem brilho. Um ou outro fio estavam brancos. Usava uma camiseta branca e uma calça jeans.

–Marco. Me desculpe a demora. Eu me distraí no caminho.

–Por cinco horas? Bar?

–Sim. - tentou disfarçar olhando ao redor.

–Por que veio?

–Lembra que te falei sobre a morte do Micheal?

–Sim. O que houve?

–Ele se matou.

–Por Deus, você não me disse isso.

–Eu sei, Marco. Mas… Eu não entendo. Será que tive culpa?

–O que você acha?

–Eu não estou certo. Minha esposa disse que eu o magoei, culpando pela morte da Victoria. Não me sinto culpado, mesmo sabendo que devo.

–Como foi o acidente, George?

–Ele pegou meu carro para sair com a irmã. Um outro cara, bêbado, bateu neles. Perderam o controle e… Deus, foi culpa minha. - disse, colocando as mãos no rosto.

–Por que acha isso?

–Porque sim! Eu não deveria deixar a chave em qualquer lugar. Não deveria culpá-lo. Que droga de pai eu fui! Foi responsável pela perda de dois filhos!

–George, não.

–Eu fui culpado! Eu matei eles.

–Você não matou.

–Como não, Marco? Eu sequer dei ajuda ao Micheal.

–Chega! Para de se lamentar! Não adianta. Pode reparar isso, com o John.

–Eu nem sei onde ele está.

–Procure! Eu ajudo você. Tem o número dele?

–Tenho.

–Ligue. E me deixe falar com ele.


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