"Don´t wantna let you down,

But I am hell bound"

– Demons, Imagine Dragons

Nico entrou na parte mais escura da floresta sem parar de correr e ofegando. Quando finalmente parou, completamente esgotado, sentou-se num tronco de árvore caído cheio de musgo, arranjado como uma ponte através de um pequeno córrego.

Estava escuro. Mas Nico não se importou: ele já havia se acostumado com a escuridão. Era quase como... Reconfortante. Era o único lugar que ele sabia que poderia se esconder, onde ninguém o encontraria, e os que achassem estariam assustados demais para fazer qualquer coisa a respeito. Assustados...

A vida do garoto nunca fora muito fácil. Quando pequeno, ele e a irmã haviam ficado presos no Cassino Lótus por décadas, crendo que eram apenas alguns dias. Escaparam de lá por uma fúria disfarçada de advogado, mas não tinham ideia do que estava acontecendo, e então, foram resgatados por Percy e seus amigos.

Nico se lembrava de como de sentira maravilhado ao vê-lo empunhando uma verdadeira espada que reluzia em dourado pronto para lutar. Em como havia acreditado, quando Percy prometeu proteger Bianca, afinal “ele é um herói de verdade”, pensava, “ele não vai falhar”. Porém, ele falhara. Quando o filho de Poseidon contou o que acontecera, o menino se desesperou; não queria acreditar. Esperava que a qualquer hora, Percy dissesse algo do tipo: “brincadeira! Primeiro de Abril! Você quase acreditou, não foi?”.

Mas ele não disse. “Ela queria que você tivesse isso” continuou ele entregando-lhe a estátua de Hades.

Nico ainda tinha aquela coisa estúpida. Percy estava com Annabeth, e ele se sentia ainda mais estúpido por isso persistir a doer. E Jason não facilitava as coisas, parecia ter um interesse especial pelo filho de Hades agora que sabia de seu segredo, mas com certeza queria apenas ver como ele se comportava - como um cientista observa uma ave exótica e estranha -, ou sentia pena dele, achando que ele anciava de seu apoio ou algo assim. Ridículo. Nico precisava era que Jason o deixasse em paz em sua solidão. Como sempre. Qualquer coisa fora disso era perigoso demais para se arriscar.

Ponderou se não deveria ir embora do Acampamento, porém sentiu uma pontada no peito como que para lembra-lo de que não estava inteiramente bem. O episódio da luta final contra Gaia ainda o incomodava e, mesmo que não dissesse para ninguém, seu ferimento ainda doía deixando-o horrorizado. Ele não se machucara de forma sólida, era algo bem mais profundo, como se seu corpo houvesse se aberto por dentro, rasgando sua pele sem dó. Encostou a mão na ferida, sentindo sua pele queimando, seu sangue escorrendo incessante por entre seus dedos, sua vida se esvaindo, e... Jason. Lembrava de seu rosto desesperado e olhos úmidos enquanto se ajoelhava ao lado de Nico, com medo de feri-lo mais se o tocasse.

Não era Hazel. Era Jason.

Mas, por quê? Por que Jason se importava? Nico balançou a cabeça. Era óbvio. Sua vida devia ser como uma novela para Jason. “Agora, descobrimos que o personagem principal gosta do cara que ele culpou pela morte de sua irmã. O que acontecerá a seguir? Descobriremos no próximo episódio!”. Ou talvez ele o considerasse como um amigo de verdade. Ele era pretor do Acampamento Júpiter, um líder. Deveria ser por isso que aparentava tão desesperado.

E o que diabos fora aquele caso de alguns minutos atrás? Havia mesmo socado Jason, e olha que Nico não era de perder a paciência facilmente, mas Jason havia ido longe demais tocando naquele assunto - não era algo que o filho de Hades poderia falar com facilidade. Percy tornara-se o maior sonho e o maior pesadelo de Nico. Aquilo era tudo culpa dele. Se não fosse por Percy, Nico poderia ser um campista normal, feliz, com amigos. Mesmo assim, ele não conseguia odiar Percy. Ele precisava de Percy, mesmo que só para observar, para ficar relativamente perto. Contudo o filho de Poseidon nunca precisaria dele igualmente: tinha Annabeth; tinha Grover. Ele tinha todos os amigos dele. Nico era só mais um, sabia que nunca seria o mais importante. Era o garoto de preto no canto; o estranho; o menino sombrio. Sabia muito bem o que todos achavam dele.

A expressão de alívio de de Frank quando Hazel disse que iria com os dois; quem iria querer ir em qualquer sozinho com Nico? E também a piadinha sem graça de Leo Valdez, que sem ninguém saber ele ouvia. “Todo tipo de luz é sugado por sua nuvem de escuridão”, dissera Piper, referindo-se a Clítio. Escuridão, claro. Quem lembra escuridão? “Parece o Nico”, dissera Leo, “será que são parentes?”. Nico não suportava Leo Valdez, aquela sua mania de fazer piadas de tudo o enjoava.

Não sabia o que ainda o prendia ao mundo; o que o impedia de partir. Talvez fosse Hazel. Mesmo que ninguém mais se importasse com ele, talvez Hazel ficasse realmente triste se ele morresse. Claro, a dor passaria em algum tempo e ela simplesmente continuaria sua vida normalmente, mas mesmo assim Nico achava que Hazel não merecia sofrer mais do que já havia sofrido.

Esse era o único motivo pelo qual ele continuava lá.

Mas o que faria agora? Machucara Jason, o que só serviria para alimentar o sentimento de medo dele nos outros campistas. Ele achava que Jason entenderia o motivo pelo qual havia levado o golpe, mas Piper? E Hazel? Para explicar o motivo daquilo, teria que contar seu segredo para todo mundo, até para o próprio Percy. Deuses!

Como Nico esperava que Jason assumisse a culpa, dissesse que não tinha problema e que o deixassem em paz... O filho de Hades se repreendeu por ser tão fraco. O que diabos estava pensando? Que Jason o tiraria de todos os seus problemas? Palhaçada. Estava completamente vulnerável: Jason tinha seu segredo e poderia contar para todos a quando quisesse, mas... Por algum motivo, Nico confiava em Jason.

— Nico! – gritou a voz de Jason. Nico congelou. O que diabos Jason estava fazendo ali? – Vamos, cara! Venha de volta! Todos estão preocupados!

Não respondeu, apenas abraçou os joelhos e enterrou o rosto neles, como se tudo fosse desaparecer se ele se recusasse a enfrentar. Sua vida parecia um pesadelo. Desejava acordar com oito anos de idade novamente, com Bianca ao seu lado, dizendo que estava tudo bem, que era só um sonho ruim. O toque de Jason em seu ombro confirmava que não era.

— Você... Você está bem? – Nico perguntou com a voz abafada - sem tirar o rosto dos joelhos. Ouviu Jason dar uma risadinha.

— É por causa disso? Não se preocupe com isso.

— Me... –a voz de Nico falhou. – Me desculpe.

— Não. – Jason se sentou ao lado de Nico. – Eu que peço esculpas. Eu não deveria ter falado naquilo. Desculpe. Eu... Só estava preocupado. – Aparentava estar desajeitado. Com a mão no pescoço, depois adicionou - Hazel também. Ela disse que não falou com você nenhuma vez desde que você acordou. Disse que você parecia estranho.

Nico tirou o rosto dos joelhos, olhando para a figura ao lado.

— Ela... se preocupou comigo? Ela não ficou... decepcionada comigo? Com medo? Com vontade de se afastar de mim? Por causa de... você sabe... eu ter te socado?

O loiro riu e bagunçou os cabelos de Nico.

— Você tem que parar de se minimizar tanto. É claro que ela se preocupa com você. É sua irmã. E eu também, sou seu amigo. Piper e Leo também...

— Leo me acha assustador e estranho. Você não ouviu? “Parece o Nico. Será que são parentes?”.

Uma ruga de preocupação apareceu entre as sobrancelhas de Jason.

— Você ouviu?

Não respondeu. Em vez disso, olhou para o céu estrelado.

— Não se preocupe com isso. – Jason disse. – Leo tem a mania de falar o que vem à cabeça. Eu já o disse para te dar um tempo. E controlar as piadinhas sem graça a respeito das pessoas.

Nico se encolheu, escondendo o rosto novamente.

— Por que você está sendo legal comigo?

Jason o encarou.

— Essa pergunta de novo? Já te disse. Nós somos amigos. – uma sombra de incerteza passou pelos olhos azuis de Jason. – Não somos?

— Acho que sim. – respondeu Nico. – Não sei direito como podemos definir quem é um amigo.

Um momento de silêncio constrangedor passou, e foi quebrado por Jason.

— Ei. Vamos voltar?

— Não. – respondeu o filho de Hades – Não me faça voltar lá. Eles vão todos rir e falar às minhas costas, como sempre.

— Eu não vou deixar. – Jason rebateu. Nico abriu a boca para contestar, porém Jason pegou sua mão. Ele congelou, e Jason sentiu-o ficar tenso, então puxou em direção ao Acampamento.

— J-Jason, solte minha mão. – Pediu gaguejando.

— A-ah... Claro. – O loiro responde, sem graça, e soltou a mão dele. Os dois chegaram ao pátio, onde algumas pessoas continuavam a comer.

Percy, Annabeth, Frank, Leo, Piper, Calipso, Rachel e Hazel os olharam e Nico se sentiu tentado a fugir pelas sombras.

— Nico! – gritou Hazel, correndo até eles. – Você está bem! Eu... Eu fiquei preocupada! – Ela falou com os olhos marejados tocando o rosto do garoto, uma mão de cada lado. – Eu achei que... Que eu iria te perder, quando te vi ferido, e quando aquela estátua veio... – a esse ponto, ela já estava chorando. – E você simplesmente saiu correndo, e me deixou aqui, tão preocupada...

— Ei. – Nico sussurrou, tocando as mãos dela. – Está tudo bem. Eu juro.

Hazel abraçou Nico. Ele ficou sem saber como reagir num primeiro momento, mas a abraçou de volta. A sensação era boa.

— Três semanas, Nico. Você ficou apagado por três semanas – enfatizou. Isso é muito tempo. E quando você acordou, o Jason te salvou da estátua e você só foi para longe novamente. Eu... Só soube que você estava bem agora pouco, quando você e o Jason brigaram e você simplesmente saiu correndo. E eu... Não sabia o que pensar.

— Me desculpe. – ele sussurrou. – Eu não queria te fazer ficar tão preocupada. Foi culpa minha. Eu... Juro que não vou sair correndo de você novamente.

Sim. Era Hazel que o fazia permanecer lá. Era Hazel, ninguém mais. Mas naquele momento pensou que o intrigava o fato de que certo loiro estava interagindo tanto com ele. Talvez ele se importasse de verdade...

...Ou era só o que Nico desejava?