Quando o amor acontece escrita por Burogan


Capítulo 7
Intimos


Notas iniciais do capítulo

Ola pessoal, trago para vocês mais um capitulo. Bryan parece empenhado em entender Paty, mas será que é tão fácil assim entrar no mundo da rainha? Não deixem de conferir o que esse herói vai fazer.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/584359/chapter/7

— Quem está falando? – Minha voz carregava um ar de preocupação

.— Como assim quem esta falando seu... seu... FEIOSO! – A voz quase não saia, mas tinha certeza que era uma mulher.

— Vem.... bus.. car. Praça popu... popu... lar, bar came...los. – Foi tudo o que a voz disse antes de desligar.

Levantei da cama num pulo. Ela disse Praça Popular bar camelos, devia ser um local. Mais uma vez meu lado humanitário estava agindo. Coloquei uma bermuda, meu tênis preto, como não achei nenhuma camisa na hora, coloquei um casaco mesmo. Desci até a portaria. Minha sorte é que ao lado do condomínio ficava um ponto de taxi, entrei no primeiro que vi.

— Praça Popular, no bar camelos. O senhor sabe chegar lá? – Perguntei ao taxista.

— Sei sim, senhor. – Disse o homem.

— Então corre! – Minha voz era séria.

O carro arrancou. Eu saí com tanta pressa que eu nem pensei na possibilidade de aquilo ser um trote, mas se não fosse, eu rezava pra que chegasse a tempo. O táxi levou cerca de quinze minutos para chegar no local. O bar era enorme, na fachada havia uma fila para entrar, dava para escutar a música sertaneja. Na hora minha ficha caiu, todo esse esforço e correria para socorrer um bêbado, só podia ser. Sentia um ódio tremendo da minha cara. Já ia pedir pro taxista voltar, foi quando o sentir o celular vibrar no meu bolso.

— Alô. – Minha voz era controlada.

— Onde.. Vo.. cê... esta? – Ela fez força para falar.

— Estou na frente do bar, me diz onde você está que eu te encontro. – Sai do carro e comecei a andar.

— Estacio... namento. Três... qua... qua...quadras para... baixo. – Ela desligou o telefone.

Bêbado ou não parecia estar passando por problemas. Corri o mais rápido que pude e desci a rua. Senti meu coração acelerar. Logo avistei o estacionamento, era grande e tinha pouca iluminação. Corri por todos os cantos daquele lugar, corredor por corredor, fila por fila, mas só o que eu encontrava era carros e motos, então avistei um veloster branco e resolvi checar. Então veio o choque. Ela estava sentada encostada no pneu dianteiro do carro. Ela fazia força para respirar, mas não conseguia. Seus olhos estavam quase fechados, ela tinha a mão direita na garganta. Aquele cabelo vermelho fazia contraste com o branco metálico do carro, sem dúvidas era ela.

— PATY! VOCÊ ESTÁ BEM? – Corri até ela.

Ela estava fraca demais para responder, então apenas fez um sinal negativo com a cabeça. Eu precisava leva-la ao médico. Droga! Imediatamente abri sua bolsa e peguei as chaves do carro, em seguida a carreguei no colo e a coloquei no banco do carona. Ela mal parava sentada. Girei as chaves. O motor roncou em baixo dos meus pés. Minha mãe não tinha carro, mas fez questão que eu tirasse minha habilitação, ela acreditava que eu precisaria em situações de emergência. Bem, ela estava certa. Olhei para a minha direita e vi Paty totalmente apagada. O queixo no peito, tudo o que a mantinha presa ao banco era o sinto de segurança.

— Santo Goku, ela não pode partir agora. Tudo bem, eu sei que odiei ela, mas tenho certeza que ela não é uma pessoa má. Ok, ela é mimada sim, mas não é má. – Eu olhava para ela.

— SAI DA FRENTE, SUA TARTARUGA! – Gritei para o carro da frente. – Vamos lá Paty, você é a rainha, tem que ser forte, não pode morrer assim. Olha, eu prometo que se você ficar bem, serei a melhor pessoa do mundo pra você, mas não morre. NÃO MORRE! – O desespero era cada vez mais nítido em minha voz.

Paty não emitia nenhum som, até passei por cima de alguns quebra-molas para ver se ela acordava, mas nada fazia efeito. O tempo parecia fugir das minhas mãos, eu estava desesperado e confuso. A menina que eu mais odeio estava agora ao meu lado e quase sem vida. Assim que cheguei no hospital subi em cima da calçada e quase entrei com o carro na recepção, sim eu não tinha muita pratica e nessa situação de desespero, perfeição não seria o meu forte.

— SOCORRO! ELA ESTÁ MORRENDO, ALGUEM ME AJUDE. – Sai do carro gritando.

A ajuda veio rápido. Os enfermeiros tiraram a Paty do carro e a levaram numa maca. Eu fiquei sentado na recepção rezando para que aquela anta ficasse bem. Não conseguia entender como ela tinha chegado aquele estado, Paty estava ótima na lanchonete quando conversamos, o que será que aconteceu? Fiquei cerca de uma hora na recepção, até que o médico chamou meu nome.

— Sr. Bryan! Por aqui, por favor. – O homem de branco entrou em uma sala e eu o segui.

— Por favor me diz que ela vai ficar bem. – Pedi.

— A paciente passa bem. Ela teve um choque anafilático, não sabemos dizer com precisão o que causou, mas foi algum fruto do mar. Siri, lagosta, qualquer coisa do gênero. – O médico fazia algumas anotações na prancheta.

— Espera ai, o senhor está me dizendo que ela tem alergia a esse tipo de comida? -- Perguntei.

— Exatamente. Ela já está sendo medicada, provavelmente terá alta de manhã cedo. – O médico me encarava.

— Ok, então já vou indo. Obrigado. – Apertei a mão do doutor.

— Espere, o senhor não vai ficar com ela? – O doutor parecia surpreso.

— Não, ela com certeza tem parentes que irão fazer isso. – Sorri.

— E o senhor conhece algum deles para que possamos ligar? – O homem ainda me encarava.

— Não. – Minha voz não tinha nenhuma emoção.

— Senhor Bryan, ela precisa de um acompanhante. – Pelo tom de voz do doutor, parecia que eu não tinha outra escolha.

— Tem razão. – Concordei.

Não demorou muito para que eu ficasse no quarto com Paty, a única pergunta que não saia da minha cabeça era: Por que eu? Serio. De todas as pessoas na face da terra, por que ela ligou justo pra mim, o nerd feioso que ela tanto odeia? Por mais que eu estivesse intrigado, não conseguia esconder meu alivio por ver Paty descansando na maca do hospital. Eles haviam trocado sua roupa, ela vestia uma camisola azul e folgada. O quarto não era muito grande, tinha um banheiro, uma tv, a maca e uma cadeira para o acompanhante, o único barulho que se ouvia era o som do ar condicionado.

Observei a ruiva que repousava na maca, meus olhos percorreram cada extensão daquele corpo e realmente, ela é muito linda. Merece o posto de rainha. Já que eu ia passar a noite no quarto com ela, tratei de pegar um café na recepção e pedi a senha do wifi. O wathsapp tocou assim que me conectei com a internet, logo avistei o nome de Tati no canto superior esquerdo do celular indicando que ela havia mandado mensagens. Provavelmente estaria irritada já que eu fui embora no intervalo sem me despedir. Me acomodei na cadeira ao lado da maca, não era lá muito confortável, coloquei meus fones de ouvidos e me perdi no som de maroon 5.

— Ai! – Reclamei assim que uma revista acertou minha testa.

Olhei assustado a minha volta procurando o ser que havia me tacado aquela revista e achei. Ela estava sentada na maca, a cor vermelha do cabelo vibrava em destaque com o branco do lençol. Seu rosto era um misto de expressões que eu não poderia descrever, aqueles olhos azuis piscina pareciam me penetrar. Tirei os fones do ouvido. Me perguntei quantas vezes ela havia me chamado antes de atira a revista.

— Pelo visto você acordou com todo a energia né? – Sorri.

— Idiota! – Paty reclamou.

— Qual é o problema? – Perguntei.

— O problema é que você é surdo! Estou te chamando já faz cinco minutos. Não tinha outro hospital melhor para me levar não? – Ela fazia cara de nojo enquanto observava o quarto.

— Foi o primeiro que achei. – Senti a raiva crescer em minha voz.

— Que seja. E o meu bebê? Onde você o deixou? – Paty praticamente cuspiu as palavras.

— Está no estacionamento do hospital. – Minha voz não tinha nenhuma emoção. – Como sabe que eu dirigi? – Perguntei.

— Eu lembro de algumas coisas. – Ela estava séria.

— Posso te perguntar como você acabou naquele estado? – Eu a olhei nos olhos.

— Um nerd feioso como você não vai entender. Esquece. – Ela deitou.

— “Nerd feioso”? Olha, para mim já deu. Vou embora. – Caminhei em direção a porta.

— Obrigada. – Paty segurou a manga do meu casaco.

— Como é que é? Você me agradecendo? – Coloquei a mão em sua testa.– Está tudo bem? – Brinquei.

— Palhaço, é bom você não abusar. – Ela fez uma voz marrenta.

— Parei. – Me sentei na cadeira. – O médico disse que você teve um choque anafilá...

— Foi o sushi. – Paty me interrompeu. – Eu sou alérgica a alguns frutos do mar.– Sua voz era séria.

— Se você tem alergia, por que comeu? – Minha curiosidade era grande.

— Você não entenderia. – Ela fez sinal negativo com a cabeça.

— Nós prometemos nos entender, lembra? – Minha voz não tinha nenhuma emoção.

— O bar camelos tem uma coisa chamada Prato do dia, e hoje o prato era sushi. Eu fui com a galera da faculdade para lá e uma das meninas queria ficar com o Thad, essa garota sabia que eu não podia comer o sushi. Então ela convenceu todos a comer na esperança que eu recusasse e fosse embora. Mas não foi o que eu fiz. – Paty olhava para o nada, como se estivesse perdida em suas memórias.

— Era só você não comer. – Falei.

— E deixar ela ficar com o Thad? Deixar que ela mostre que é melhor que eu? Nunca! – A raiva em sua voz era evidente.

— Essa coisa de status é muito importante pra você não é? – Afirmei.

— Muito. – Paty tinha a voz firme.

— Como conseguiu meu número? – Perguntei.

— Eu tenho um amigo que faz a matricula dos alunos, pedir pra ele me passar seus dados não fui muito difícil. – Ela sorria.

– Você deve estar se perguntando, já que eu te odeio tanto, por que te liguei? Acertei? – Ela me encarava.

— Sim. – Minha voz era calma.

— Com certeza eu te odeio, mas nesse momento você é a única pessoa com quem eu posso ser eu mesma. – Sua voz era suave.

Depois daquelas palavras ninguém falou mais nada, mas aquela frase ficou soando em minha mente pelo resto da noite. A gente se odeia, isso é evidente. Mas talvez, Paty não seja tão chata assim. Eu não sabia exatamente a onde estava entrando quando aceitei as condições do senhor Morales, mas eu queria ver como tudo isso iria acabar. Talvez eu e a rainha possamos nos dar bem, talvez uma amizade entre herói e demônio esteja nascendo, apenas talvez. Seis palavras, que no momento era tudo o que eu precisava acreditar.

Acordei com o doutor entrando no quarto, Paty ainda dormia. Aproveitei e disse que precisava ir trabalhar. Não demorou muito para eu pegar um taxi até em casa, eu estava um caco. Entrei em silêncio. Na ponta dos pés para as mulheres não acordarem, fui até meu quarto e me esparramei na cama. Daqui duas horas eu tinha que estar no banco, aproveitei o tempo restante para dormi um pouco.

Hoje a definição correta da tarde é tédio. Não tinha tantas pessoas no banco, sendo assim não tinha muito serviço, boa parte do tempo fiquei triturando cheques e arremessando bolinhas de papel no cesto de lixo. No horário de almoço o de sempre, fui para o meu santuário no banheiro. Depois de algumas horas o expediente havia acabado. Corri até o ponto de ônibus, foi quando senti meu celular vibrar.

Oi Bryan. Preciso falar com você, assim que chegar na Arcati me encontre atrás do nosso bloco. Bjs Tati =D

Aquela mensagem havia chamado minha atenção, o que será que ela queria? Vasculhei em minhas memórias procurando algo ou algum assunto que eu tinha que tratar com Tati, mas nada me veio a mente. Coloquei meus fones e fui ouvindo onze e vinte até o momento de descer do ônibus. Eu estava morrendo de sono e tudo culpa daquela besta quadrada que inventou de comer sushi, sinceramente, não sabia se ia conseguir assistir a aula.

A universidade estava cheia, como sempre. Alunos para tudo quanto é canto. Todos estavam com pressa para entrarem nas salas de aula, mas a minha pressa era para chegar atrás do meu bloco. Tati era mestre na arte de me deixar curioso. Assim que cheguei no local marcado avistei a menina que me esperava sentada perto de uma arvore. Tati se levantou e veio em minha direção. Seus olhos me varreram de cima a baixo. Até que finalmente ela parou, sua boca estava bem próxima a minha.

— Você quer alguma coisa Tati? – Perguntei confuso.

— Sim, eu quero você. – Ela sorriu.

— San... Santo Goku! – Senti meu rosto ferver de tanta vergonha.

— Você é um fofo! – Seus olhos brilhavam.

Antes que eu pudesse pensar em alguma coisa Tati segurou forte minha nunca e me beijou. Seus lábios se moldaram aos meus, nossas línguas se envolviam em uma dança sincronizada. Pressionei forte seu corpo contra o meu, enquanto minha mão direita se encaixava perfeitamente em sua bunda. Era ação e reação. Não sou o tipo de cara que vai a baladas, se entope de cachaça e beija a mulherada, mas com certeza, sem sombra de dúvidas, eu não sou o tipo de cara que nega fogo.

— Uaaaau! – Paty recuperava o folego.

— O que foi isso? – Eu respirava forte.

— Bryan desde que eu te vi, estou interessada em você. Não quero ser só sua amiga, você me entende? – Tati falava sem parar.

— Entendo, mas eu não posso. – Falei.

— Por que não? Eu amo você. – Ela segurou minha mão.

— Você é minha amiga, eu gosto das coisas como estão. – Minha voz era séria.

— Tem alguém que você ama? – Tati me olhava apreensiva.

— No momento não. – Eu ainda estava tentando entender a situação.

— Então eu não vou desistir. Você me ama também, só não sabe disso ainda. – Ela sorriu e foi embora.

Fiquei parado por alguns minutos absorvendo tudo o que tinha acabado de acontecer. A Tati é linda, mas eu não queria me envolver com alguém. Por que se envolver com alguém significa ter ciúmes e eu não queria ter esse tipo de sentimento agora. Quando eu cheguei na sala a aula já tinha começado, hoje a matéria era Sistemas Brasileiros de Comunicação.

O professor havia passado um texto em que as palavras estavam embaralhadas e nós tínhamos que dar um sentido, devido ao fato do trabalho ser em dupla acabei me sentando com André. O cansaço estava me vencendo e tudo culpa daquele demônio ruivo. O tempo na sala passava estranhamente devagar, a única coisa que era rápida era as palavras que saiam da boca de André. Sim, ele não parava de falar. Até onde eu entendi, ele tinha beijado uma menina em uma festa do pessoal de veterinária, o resto da conversa meus ouvidos bloquearam. Tudo o que eu mais queria era uma cama.

No intervalo fiz questão de ir até o meu santuário, já que esse herói não podia dormir, ao menos iria assistir animes. Aquele era o melhor local da faculdade, era afastado dos blocos, os alunos não iam lá por que não tinha iluminação e ali ventava bastante. Alguns poderiam me chamar de louco por ir à um lugar desse sozinho, mas essa era a ideia do santuário: ver animes em um lugar onde ninguém ousaria te incomodar. Aproveitei para começar a assistir Zero No Tsukaima.

Depois de assistir três episódios e chegar atrasado na aula – mais uma vez; finalmente eu estava com alguma energia para aguentar chegar em casa, graças a pequena corrida que tive que fazer do santuário até meu bloco. Eu e André terminamos de organizar o texto e dar um sentido à ele, enquanto Tati quebrava a cabeça com a menina da sua dupla. Observa-la me fez lembrar do que havia acontecido mais cedo, a verdade é que o motivo pelo qual rejeitei a Tati, uma pequena parte foi por medo de sentir coisas que eu não gostaria, mas a maior parte foi por que esse herói já tinha firmado um compromisso. Eu jurei que iria entender a menina mais complicada desse universo e desviar minha atenção de Paty Pannes, seria um erro.

A ida para casa foi tranquila, fui dormindo praticamente a viajem inteira de ônibus. Nunca mais iria virar a noite, não em um dia de semana. Assim que desci no ponto percebi que havia um homem escorado numa arvore. Encapuzado e com as mãos no bolso ele veio andando em minha direção. Senti meu coração bater mais forte, meu sangue ferver, senti a adrenalina tomar conta, meu corpo se preparava para o pior.

— Fala aí meu rei. – Thomas tirou o capuz.

— Você quer me matar é? – Minha voz foi acompanhada pelo alivio.

— Desculpa. – Ele riu. – É que eu só sei que você pega ônibus nesse ponto, então resolvi esperar.

— O que você quer? – Me sentei na calçada.

— Sabe, minha mãe é viciada em drogas. As vezes não temos o que comer, já que ela gasta tudo com essas porcarias, então eu furto alguns objetos para vender. – Thomas desabafava.

— Por que está me contando isso? – Perguntei.

— Eu acredito que quando as pessoas compartilham um segredo, elas se tornam intimas. Será que eu posso ser seu amigo? – Ele se sentou na calçada.

— Claro, por que não? – Sorri.

— Isso! – Ele deu um soco no ar.

— Gosta de animes? – Minha voz tinha certa empolgação.

— Há, não sou exatamente um otaku, mas já vi alguns sim. – Thomas arrumava o topete.

— Cara eu sou viciado em animes. – Sorri.

— Minha praia é mais HQS e seriados. – Thomas observava o nada.

— Gosto de jogos. – Falamos ao mesmo tempo e depois rimos da coincidência.

— Mas tem uma coisa que eu sou muito bom, jogar bola. – Ele falava com entusiasmo.

— Há, nisso eu também sou bom. – Falei.

— Serio? – Thomas me olhava curioso.

— Sim, me coloque no time e o adversário terá cinco carinhas a menos e um deles não vai conseguir andar. – Brinquei.

— É, você não parece levar muito jeito pra coisa. – Thomas riu.

Logo em seguida trovejou e então a chuva começou a cair, a reação de uma pessoa normal seria correr imediatamente pra um lugar seco e coberto, mas não. Ficamos os dois, ali parados feito bocós. Ficamos uns cinco segundos sem dizer nada, mas isso logo acabou.

— Tenho que te confessar uma coisa, azar é o meu segundo nome. – Disse enquanto enxugava meus óculos, apesar de saber que não ia secar.

— Vishhh, então somos dois. – Ele tentou arrumar o topete, que agora parecia uma mexa emo.

— Cara esse topete é ridículo, por que usa o cabelo assim? – Esse era um dos meus defeitos, zoar as pessoas.

— Pelo mesmo motivo que você usa se cabelo de Edward mãos de tesoura. – Pelo visto Thomas também tinha esse defeito.

— Eu uso para esconder minha testa. – Joguei meu cabelo para traz.

— E eu por que as mina pira. – Ele riu.

— Posso te chamar de Jow? – Perguntei.

— Por que raios você quer me chamar assim? – Ele arqueou uma sobrancelha.

— Por que você não tem cara de Thomas, tem cara de Jow. – Minha voz não tinha nenhuma expressão.

— Você também não tem cara de Bryan. – Thomas debochou.

— Me chame de Jow também. – Sorri.

— Beleza. – Nós batemos as mãos.

Abri os olhos e só enxerguei o breu. Levantei da cama e abri a porta, a claridade tomou conta de todo o quarto. Eram 11hrs da manhã de sábado, Aline ainda dormia e Amanda assistia The Vampire Diaries na sala. O dia era perfeito para ficar atoa, ver animes até o cérebro travar e jogar Xbox, mas não. As uma hora da tarde, eu tinha que estar no residencial Nova Europa, no Jardim das Américas, pelo menos era isso o que dizia o bilhete que Paty me entregou. Não sabia exatamente o que esperar, hoje vai ser a primeira vez que vamos ficar tanto tempo juntos. Que Santo Goku acompanhe esse herói nessa difícil jornada – pensei.

Tomei um banho, coloquei minha calça preta, meus tênis pretos e minha blusa azul do superman. Estava pronto. Passei na cozinha engoli uns dois pães, depois dei um beijo na Amanda e sai. Lá fora o Sol castigava, era incrível como essa cidade é quente. Não demorou muito para chegar até o ponto de taxi, assim que entrei dei o papel ao motorista. A última vez que vi aquele demônio ruivo, ela estava numa maca de hospital, me perguntava se ela estaria bem. Eu rezava pra que tudo desse certo hoje, por que se eu tivesse que abri mão de ver meus animes aos sábados toda vez que a gente fosse fazer o trabalho, aquela ruiva iria sentir a fúria de um otaku revoltado.

— Aqui estamos senhor. – Disse o motorista.

Minha boca se abriu num “O”, aquele prédio era imenso. Mas que raios de lugar ela havia me mandado? Só a fachada do prédio era incrível, tinha um chafariz e arvores grandes. Me perguntei se era aquele edifício mesmo, parecia que só pessoas com grana moravam aqui. Me aproximei da portaria e a moça foi logo pedindo minha identificação.

— Quem é o senhor e o que deseja? – Disse a voz no interfone.

— Me chamo Bryan, acho que foi a Paty que me chamou aqui. – Eu estava meio confuso.

— Há sim, você é o faxineiro. Só um momento. – A mulher destravou a porta.

— Obrigado. – Sorri.

— Senhor Bryan, decimo terceiro andar, apartamento duzentos e seis, é só seguir reto. –A mulher saiu pra fora da cabine e me explicou como chegar.

Agora tudo fazia sentido, eu estava indo fazer o trabalho na casa da Paty. Aquilo foi o suficiente para fazer meu estomago revirar, o nervosismo foi me consumindo aos poucos. Aquele lugar era imenso. Tinha pista pra corrida, quadra de tênis, academia, lugar para fazer churrasco, não demorou muito para eu me perder.

Fui caminhando até chegar em uma área com piscinas, por fim encontrei um guarda que me explicou como chegar no prédio. Logo no térreo se encontrava poltronas e um espelho grande, ao lado do espelho havia um elevador. Agora eu me encontrava em frente ao apartamento duzentos e seis, as luzes do corredor ascenderam assim que me aproximei. Apertei a campainha. Alguns segundos depois a porta se abriu. Uma cabeça ruiva pulou para fora da porta, ela saiu, olhou de um lado para o outro umas quatro vezes, me perguntei se ela estava se certificando de que ninguém estava vendo eu entrar lá.

— Vem, entra! – Paty me puxou pelo braço.

Observei ela trancar a porta enquanto olhava no olho magico. Santo Goku! Isso tudo era medo de ser vista comigo? Só depois de alguns minutos que eu percebi, mas ela usava um shortinho, um blusão preto e pantufas de um urso panda. Dei uma olhada a minha volta, o apartamento tinha uma sala espaçosa, uma bancada que dividia a sala de jantar da cozinha, por fim meus olhos encontraram aquele azul piscina que me encarava intensamente.

— Eai feioso, tudo bem? – Ela foi entrando na cozinha.

— Tudo certo. Agora me diga, eu não vim aqui fazer faxina né? – Eu a olhei por cima dos óculos.

— Claro que não idiota! – Ela não tinha emoção nenhuma na voz. – Eu disse aquilo por que aquela porteira gosta de cuidar da vida de todo mundo e eu não queria que ela falasse que um nerd estava frequentando a minha casa. – Paty colocou uma jarra de suco e dois copos na mesa.

— De novo esse papo de reputação. – Bufei.

– Por que apenas não faz o que tem vontade? Seria muito mais fácil. – Falei.

— Por que eu tenho uma reputação a manter e pessoas como você não frequentam a casa de Paty Panes. – Ela colocou suco nos copos. – Inclusive, você está se vestindo igual uma criança. – Ela apontou para a minha blusa do superman.

— Ei! Deixa minha blusa de fora dessa. – Praticamente cuspi as palavras.

— Está bem esquentadinho. Então, vai tomar o suco ou vai discutir comigo? – Ela me observava.

— Escolho o suco. – Minha voz era séria.

Depois que terminamos de beber o suco Paty foi até seu quarto pegar os materiais, a ideia era que enquanto eu ia buscando na internet alguns modelos de casas ecológicas, Paty ia desenhando uma planta. Por fim acabei achando uns dez modelos diferente, e cada modelo que eu achava, era uma discussão que surgia. Nós realmente odiávamos um ao outro, mas era engraçado como a gente estava se aturando até o momento. Paty estava tão concentrada no esquadro, escalímetro e régua que até esquecia essa história de status e sem perceber ela ficava a vontade.

Eu a observava fazer os traços finos no papel e aquilo me enfeitiçava. A luz do sol refletia em seu cabelo, era como se eles queimassem e mostrassem toda beleza que ali se escondia. Eu sei que é besteira da minha parte, mas por um segundo eu quis que o tempo parasse de correr, que tudo congelasse a minha volta, apenas para ver a beleza que se encontrava a minha frente.

— Kawai! – Falei sem perceber.

— O que? Disse alguma coisa? – Paty me encarava.

— Eu? Não, claro que não. – Senti meu rosto ferver.

— Não, você disse sim. Seu rosto esta da cor de uma pimenta! – Ela apontou o dedo para o meu rosto.

— É bobagem. – Sorri.

— É sério, você tem problema. – Paty voltou a fazer a planta.

Paty estava estranhamente diferente hoje, tudo bem que ela continuava mandona e chata, mas ela parecia mais simpática. Por fim decidimos fazer uma biblioteca ecológica que capitava a sua energia da luz solar e Paty acabou dando a ideia de fazer os bancos de palete. Aquilo estava me deixando estranhamente animado, não pelo fato de estar com a rainha, mas sim por que estávamos conseguindo fazer o trabalho, isso significava que eu não precisaria ser expulso. Eu estava tão concentrado que nem percebi que a noite chegava, então Paty resolveu dar uma pausa.

— Tô morta de fome, o que você quer comer? – Paty tinha a voz doce.

— Estou sem fome. – Menti.

— Não seja tímido, você deve gostar de algo normal. – Ela se levantou. – Você gosta de sanduíche? É algo que todo mundo gosta. – Paty caminhou até a cozinha.

— Eu não sou um Alien. – Falei.

— Mas parece um. – A voz de Paty soou da cozinha.

— Eu te ajudo. – Esse herói não podia deixar ela fazer tudo sozinha.

— Negativo! Você pode ficar paradinho aí seu nerd feioso. – Paty protestou.

— É serio Paty, deixa eu te aju...

— Sossega menino! Fica ai e espera eu chegar com o lanche. – Paty insistiu.

Já que eu não ia poder ajudar na cozinha, pedi para Paty me dizer onde ficava o banheiro, mas ela não ouviu, então fui procurar. O apartamento era um pouco grande, tinha um escritório com maquetes e materiais que ela provavelmente usa no curso de arquitetura. Fiquei surpreso ao ver que só havia um quarto, me perguntei se ela morava sozinha. Depois de alguns minutos explorando achei o banheiro. Logo que sai observei uma porta no fim do corredor, a única porta de madeira escura. Aquilo atiçou minha curiosidade. A cada passo que dava eu me sentia um espião, sabia que não devia bisbilhotar a casa dos outros, mas eu precisava abrir aquela porta. Por que ela é a única diferente das outras? Me aproximei o suficiente para tocar a maçaneta. Eu teria aberto a porta se uma mão não tivesse segurado meu punho.

— O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO? – Paty era o ódio em pessoa.

— Desculpa Paty eu... – Qualquer explicação parecia inútil.

— EU NÃO DISSE PARA FICAR PARADO? VOCÊ É SURDO? – Ela trincava os dentes.

— Calma, é só uma porta. – Aquilo já estava me irritando.

— NÃO É SÓ UMA PORTA! NINGUÉM PODE SABER O QUE TEM ALI ATRAS, EU ESTARIA ARRUINADA. – Paty cuspia as palavras.

A ruiva se encostou na parede e foi agachando até sentar. Os dedos enterrados naquele emaranhado vermelho. Eu não entendia, o que tinha de tão ruim assim naquela porta para mudar o humor dela desse jeito? Eu estava de mãos atadas. Então ela começou a chorar, era fraco e silencioso, como se ela não quisesse que eu percebesse. Não sei se ela estava querendo fazer eu me sentir um lixo, mas precisava concordar, ela estava conseguindo. Me sentei ao seu lado e fiquei ali por alguns minutos tentando formular algo útil para falar. Qual é, eu sou um herói, não um psicólogo.

— Quando eu tinha um ano eu comi o cocô de cachorro. – Jurei pra mim mesmo que depois iria me jogar do prédio.

— Deve ser por isso que você é retardado. – Paty tinha a voz manhosa.

— Na verdade, eu comecei a ficar retardado depois que bebi o alvejante da minha mãe. – Não acredito que estava falando aquelas baboseiras.

— Alvejante? – Ela começou a rir.

— Essa risada. – A olhei nos olhos. – Ela é diferente. – Sorri.

— Diferente como? – Ela tombou a cabeça de lado.

— Ela é gostosa de ouvir. – Ajeitei meus óculos.

— O-obrigada. – Paty corou. – Feioso... por que está me contando essas coisas? – Ela perguntou.

— Uma vez um amigo meu me disse que quando duas pessoas compartilham um segredo, elas se tornam intimas. – Eu observava o nada. – E como eu já sabia um segredo seu, achei que devia te contar um meu. – Falei. Paty ficou uns dois minutos em silêncio, até que voltou a falar.

— Sou extremamente nervosa e me irrito fácil. – Paty se levantou. – Eu sempre batia nas minhas coleguinhas no primário, até ai era normal, mas ai eu entrei no ensino fundamental. As outras crianças tinham medo de mim, por que eu era muito bruta e agressiva e isso fazia de mim uma menina solitária. Eu sempre brigava na escola. – Paty tinha os olhos preso no tempo.

— Você não parece ser esse tipo de pessoa. – Não conseguia esconder minha curiosidade.

— Abri mão de muitas coisas para me tornar o que sou hoje. – Ela tirou uma chave do bolso e começou a destrancar a porta de madeira negra. – Então quando eu entrei na terceira serie meu pai me deu um presente. Ele disse que esse meu lado encrenqueiro era algo ruim e que eu precisava aprender a lidar com ele. Então ele me ensinou a canalizar toda a raiva que eu sentia. – Paty abriu a porta.

Santo Goku! Eu não podia acreditar no que meus olhos estavam vendo. Eu fiquei branco, roxo, azul, arco-iris, tudo quanto é cor. Meus olhos estavam do tamanho de bolas de tênis, eu tentei encontrar palavras, mas minha mente não processava. Agora tudo fazia sentido.

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que será que Paty esconde atrás daquela porta? Que segredo é esse que pode manchar a sua reputação de rainha? Não perca o próximo capitulo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Quando o amor acontece" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.