Pelos Olhos do Gavião escrita por Mayor Hundred


Capítulo 9
O Silêncio nas Promessas




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Fazia frio lá fora. O inverno em New York era sempre ruim para quem não gostava do frio. Clint gostava. Entretanto, naquela manhã ele gostava ainda mais do calor de sua cama. Do cheiro de sua esposa ao seu lado. Dos pés quentes dela que aqueciam os seus. Era uma daquelas situações em que o corpo pesava uma tonelada. E se levantar para enfrentar o dia parecia ser a tarefa mais difícil do mundo.

— Fique — pediu, ainda de costas, assim que notou a mínima menção do marido sair.

— Nick me chamou, disse que é urgente. — Beijou a orelha de Bobbi, e o gesto fez com que sentisse o gosto de alguns cabelos da esposa.

— Por favor — implorou.

— Eu não posso deixá-los na mão.

Sentou-se na beirada da cama e procurou energia e coragem para se levantar. Encarou as costas de Bárbara por alguns instantes, e a respiração dos dois era a única coisa que se podia escutar.

— Eu vou voltar.

— Achei que você nunca pudesse prometer.

Clint costumava ser o melhor agente de campo. Entretanto, agora sequer tinha cabeça para ouvir todas as instruções de Nick. Tudo o que sabia era que ia para algum lugar ainda mais frio, e que teria que matar alguém.

Gostava de quando tudo era mais simples, enfrentavam bandidos urbanos e a lei era “não matar”.

Entretanto, aquele era o Clinton Barton, marido e amigo, falando. E não o Gavião Arqueiro. Imaginava que os heróis deviam trocar a identidade quando colocavam ou tiravam a máscara, mas ele não o fazia. Às vezes se perguntava se era verdadeiramente um super-herói, ou só estava brincando com os grandes. De onde estava, parecia que era só um cara normal que tinha a sorte de poder andar com os Vingadores.

— Clint, me ouça. Nós estamos procurando esse cara há anos. Você não pode errar. — Fury falava tudo tão pausadamente que insultaria a inteligência de Clint, se ele ao menos se desse ao trabalho.

— Tá, tá. Claro.

— Isso é sério. A morte dele pode ser a solução de uma série de conflitos no Oriente Médio. — Aqueles dois termos pareciam sagrados na América atual: conflitos e Oriente Médio. Clint, entretanto, pouco se importava com aquilo. Sua mente estava distante.

— Sim, senhor.

Nicholas Fury era um homem duro. E se orgulhava por ser. Entretanto, até mesmo ele abaixava as suas defesas com Clint. Barton era um sujeito bastante peculiar. Até encontrar o seu arco e flecha, e as artes marciais, Clinton nunca foi o melhor em nada. Não sabia se expressar, e não tinha as melhores notas da turma. Quando cantava, machucava os ouvidos, e também não era um ótimo dançarino. Entretanto, Nick sabia que Clint era um ótimo amigo. Talvez o melhor que tivesse.

Estava a par das condições do amigo, e sabia que aquela missão era pedir demais. Colocou-o em posto de comando, mas, mesmo assim, percebeu que não foi a melhor ideia. Imaginou reconsiderar e colocar Rogers no lugar, mas não podia fazer aquilo. Não com Clint.

Tinha medo daquele sentimento. Era o tipo de decisão que derrubava impérios.

A neve dificultava a sua visão, e o vapor que a sua respiração gerava poderia denunciar sua posição. Entretanto, Clint se manteve o mais estático possível e com os olhos mais afiados do que nunca. Estava longe, e só entraria em ação no último caso, mas estava preparado.

Via um horizonte branco e isolado. Uma grande casa cor de areia com quase nenhuma janela. Havia parado de escutar Nick bem antes dele começar a dizer pra onde iria ser jogado, então não fazia a mínima ideia de onde estava. Só sabia que demorou muito para chegar. Tanto tempo, e acabou não conseguindo ligar para casa uma última vez.

— Alfa, pronto pra entrar, senhor. — Clint queria fazer um daqueles movimentos legais que via nos filmes, para comandar as tropas, mas nunca aprendeu a usá-los.

— Vão. — Teve de servir.

Ouviu tiros, gritos e a equipe Bravo acessava o lugar por outra entrada. Mais tiros. Mais gritos. Informações vinham em alto volume pelo rádio, como “homem ferido”, “sala segura”. O caos foi completo por alguns segundos, e então um único homem saiu correndo pelos fundos da casa.

— O alvo fugiu. Repito, o alvo fugiu.

Sempre que Fury o colocava para agir no último caso, o “último caso” acabava por acontecer. Soltou um xingamento e preparou a sua flecha. Prendeu a respiração, mirou e disparou.

O Gavião nunca errava.

Enquanto a seta cortava o ar em direção ao alvo, o tempo desacelerou-se. O arqueiro podia ver toda a trajetória de seu disparo até alcançar a perna do homem que corria. O fez cair, e bater a cabeça no gelo duro sob seus pés.

Para Barton, era o suficiente. Mas suas ordens eram claras quanto a matar o sujeito.

Esticou o cordel de seu arco uma vez mais e apontou para o homem que agora rastejava com toda a sua força, para o mais longe possível de seu agressor. A flecha voou, desta vez não acertou o alvo, mas uma das duas pessoas que saíram em socorro ao homem.

O atingido caiu imediatamente ao chão, morto.

Clint já havia matado antes. Se ele não era super, certamente tentava ser, ao menos, herói. E matar parecia algo totalmente contrário àquele conceito. Foi sua escolha levar aquela vida, lutar lado a lado com homens e mulheres extraordinários. E isso significava ter de tomar atitudes extremas quando necessárias.

Estava preparando a próxima seta quando a pessoa que tentava levantar o alvo virou o rosto. Mesmo debaixo do tecido da burca, Barton viu os olhos castanhos da mulher e ela viu os seus. Nos olhos dela não havia nada de semelhante, mas o lembrou de sua esposa. Se viu incapaz de atirar. A mulher se esforçava para levantar o companheiro caído, atingido na perna pelo Gavião, mas mantinha-se alerta e com o outro braço empunhava uma arma.

A moça fez cuspir disparos de uma velha kalashnikov, e o Gavião teve de se jogar para evitar os projéteis. O frio excessivo em seu corpo inteiro fez com que se levantasse e corresse em direção aos dois. Estava relativamente longe, mas rapidamente a distância se diminuía. Não apenas pela rapidez de Clint, mas pelo alvo que precisava ser carregado.

Com a aproximação, um novo disparo. Era possível ver que ela nunca havia pego numa arma na vida, mas isso não a fazia menos perigosa. Barton mergulhou para o lado, evitando os projéteis novamente.

Recomeçou a corrida, e o gelo debaixo de seus pés começava a ficar fino. Clint preparava para derrubar ambos como numa partida de futebol, e então viu o seu alvo escorregar e cair. Em desespero, a mulher de rosto oculto pela burca deixou o companheiro no chão para se virar contra o arqueiro.

Tudo o que ele conseguia pensar, naquele instante, era na ligação que deveria ter feito. E então lembrou, deveria ter concedido o pedido de Bobbi. Devia ter ficado em casa.

Não sabia que língua eles falavam, e a moça estava visivelmente nervosa. Ainda não atirava, mas algo lhe dizia que tinha pouco tempo. Não fazia frio o suficiente, mas sentiu todo o seu corpo congelar.

Jogou o arco no chão e levantou as mãos, rendido.

Viu, lentamente, o seu objetivo ir embora.

Ele sabia que tomaria uma bronca. Nick não falou nada quando ele reportou o fracasso da missão. Uma única frase: conversaremos quando você chegar. Aquilo nunca era um bom sinal.

Estava exausto, e ainda sentia como se seus membros fossem partes estranhas ao seu corpo. Todos os seus movimentos pareciam automáticos, como se não soubesse mais como os mexer.

Fury estava sentado atrás de sua mesa, em silêncio e com uma expressão carrancuda. Ficaram um bom tempo se encarando até que o diretor quebrou o silêncio.

— O que acontece, Clint?

— Eu... travei.

— Você não pode travar. Isso não é sobre parar um criminoso urbano, poderia ser a resolução de conflitos internacionais.

— Eu sei, Nick. Não tem como pedir desculpas. É que... eu tinha que voltar pra casa. Não poderia deixar Bobbi sozinha. — Suspirou, frustrado com a derrota. — Eu finalmente tinha algo a perder.

Fury não estava satisfeito com aquilo. Não poderia estar. Piscou o seu único olho e esticou-se na cadeira. Encarou o Gavião por alguns segundos, em silêncio, de um modo que somente ele sabia fazer. Aquele olhar que podia fazer até o Capitão Rogers temer pelas palavras que viriam a seguir.

— Qual vai ser o nome dele? — perguntou, simplesmente. Barton esperava qualquer coisa, menos isso. Encarou o líder da S.H.I.E.L.D com a sobrancelha erguida.

— Nicholas — respondeu com sinceridade. Escolher o nome do filho tinha sido a decisão em conjunto mais fácil que o casal teve até então.

Nunca, antes ou depois, alguém soube de outra ocasião que Nicholas Fury ficara sem palavras.


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