Inserção escrita por Yennefer de V


Capítulo 3
Pílula Vermelha




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/583597/chapter/3

O Sr. Evans chegou ao hospital com um Lily ansiosa. Estacionou o carro antes dos portões de ferro e a mandou descer. O hospital era branco. Havia um letreiro em frente, muito caprichado e aterrorizador para o Sr. Evans, indicando “Casa de Repouso”. O Sr. Evans sabia que não era uma casa de repouso. Era um hospital de loucos, indicado por um amigo de confiança. Uma fachada de normalidade.

Havia muros enormes com cercas elétricas. O portão no meio se abriu automaticamente depois do Sr. Evans informar pelo interfone algo como “sobre Lily Evans”. Na frente do casarão, um jardim mal cuidado e que mais parecia uma floresta crescia (ninguém lá de fora via esse péssimo estado por causa dos muros).

O Sr. Evans e Lily foram recebidos por um enfermeiro de branco que os levou através de um corredor também branco casarão adentro. Depois de adentrarem mais o lugar, passaram por um portão que só se abria com a chave-mestra do enfermeiro com um barulho estridente que lembrava um alarme, o Sr. Evans e a pequena Lily foram deixados ao lado de fora de uma porta branca com maçaneta brilhante.

– Ele está esperando. – chilreou o enfermeiro de aspecto feroz, balançando o molho de chaves desnecessariamente.

Havia um silencio cortado por gritos, choro, murmúrios e às vezes o barulho de gente de debatendo. Lily parecia muito calma (mais calma que o Sr. Evans que pensava em deixa-la ali e correr porta afora).

Quando o Sr. Evans girou a porta branca, teve certeza que queria correria dali caso suas pernas obedecessem. Havia um homem vestido de negro, contrastando indecentemente com a brancura do lugar. Ele usava óculos escuros e um sobretudo tão longo que por pouco não se arrastava no chão. E na maca ao seu lado estava – o médico.

E estava morto. Sangue saia pelas suas narinas e pela sua boca. Estava com o corpo debilmente jogado. Havia o crachá e o jaleco que o desconhecido nem se deu ao trabalho de vestir para enganar melhor.

Lily deu um sorriso. O Sr. Evans deu um grito rouco.

O Sr. Evans caiu para trás quando Neo chegou perto dele sabe-se lá como. Tão rápido que era impossível explicar em uma situação comum. Ele puxou a gola de sua camisa. O Sr. Evans não pôde decifrar o que dizia seu olhar por causa dos óculos. O Sr. Evans deu um gemido fraco. Neo sussurrou:

– Nos deixe. E se avisar alguém, eu saberei.

Neo empurrou o Sr. Evans porta afora com força descomunal. Ele bateu na parede do corredor e deu um berro de dor pela fratura nas costas. O Sr. Evans engatinhou pelo corredor tentando se livrar do assassino. Neo deu um sorriso e sussurrou:

– Maldito covarde.

Depois fechou a porta e se virou para Lily. Os olhos verdes dela focalizavam o médico com curiosidade:

– Ele vai ficar bem?

Neo respondeu chegando perto dela:

– Não vai. Está morto.

Neo quase riu do olhar penalizado de Lily.

– Quando a pessoa morre aqui então morre no seu mundo também?

– Infelizmente sim. A mente não vive sem o corpo. – Neo explicou sem entender como ela sabia tanto de Matrix, mesmo com outras palavras.

Os olhos de Lily se voltaram para Neo.

– Como você é tão rápido?

Neo pensou por um segundo antes de explicar:

– Eu só acredito que posso. Então eu sou.

Neo a pegou no colo, elevando até a altura de seus olhos. Não tinham muito tempo.

– Eu tenho duas balas, pequena Lily. Com a azul, você acordará em sua cama sem lembrar-se de mim. Sua vida seguirá com seus pais e sua irmã normalmente. Com a vermelha, nós iremos embora para sempre. E doerá um pouco.

– Como uma injeção? – perguntou Lily, sendo carregada por Neo.

– Um pouco mais. – respondeu Neo, lembrando de como foi quando ele fora resgatado de Matrix. – Mas não se preocupe, porque você estará indo para casa.

Lily nem piscou.

– Onde está a bala vermelha?

Neo a pousou no chão como fazia com Luna. As pílulas estavam na mesa com um copo de agua. O braço do homem morto, caído da maca, não estava muito longe.

Lily não hesitou. Pegou a “bala” sem Neo indicar. E no momento seguinte ela descia por sua garganta com a ajuda da agua do copo que ela virou com rapidez.

Neo a pegou com cuidado e a sentou em uma cadeira que Lily não percebeu antes. Colocou dois “adesivos” em sua testa com fios ligados a um computador. Ela não estava com pressa.

Então o alarme do hospício disparou, como um sino de igreja que serviria para uma cidade inteira badalando em seus ouvidos. Lily colocou as mãos nos ouvidos.

– Que droga, seu pai idiota... – resmungou Neo, verificando a tela do computador.

– Está gelado. – chiou Lily, começando a se assustar.

Então ela gritou. Uma densidade prateada se alastrava pelos seus braços. Ela pensou que estivesse dentro de uma geladeira. Lily continuou gritando enquanto seu corpo se perdia em meio a camada prateada. O alarme continuou disparado. Neo dava muxoxos de impaciência. Passos rápidos e vozes (“onde, onde?!”) inundaram o corredor.

– Vão nos pegar! – choramingou Lily.

– Só mais um pouco, pequena...

Lily tremia e batia os dentes Era gelado, muito gelado. Não conseguiu mais formar uma frase para Neo. Ele estava impaciente.

Quando seu corpo todo estava preenchido, Lily tentou usar as mãos para impedir que aquela gosma prateada chegasse ao seu rosto. Ela se debatia na cadeira. Os olhos se taparam bem na hora que homens de branco invadiram a sala e Neo se voltou para eles com os óculos escuros. O barulho da vida se apagou em seus ouvidos – a densidade prateada chegou ao seu nariz e entrou pelas narinas. Lily se afogou.

Neo precisava impedir que aqueles malucos chegassem a Lily até que ela acordasse de Matrix. E nem ligava se precisasse matar.

O primeiro enfermeiro, aquele com o molho de chaves, investiu com as duas mãos e todo seu peso contra Neo, as chaves perigosamente contra seus olhos. Neo pulou por cima dele – o homem bateu na maca do médico morto. Depois levou um chute no traseiro que não viu chegar e sua cabeça passou pela janela e estilhaçou o vidro. Puxando o homem de volta pelas pernas, Neo fez sua jugular se rasgar contra um estilhaço ainda firme na beirada da janela.

O segundo e o terceiro enfermeiros de branco não queriam investir. Olharam os dois corpos – um na maca e o outro pendendo na janela com a garganta aberta antes de fugirem desembestados corredor afora.

– Não! – bradou Neo.

Então olhou para trás. Lily não precisava mais de proteção. Não estava mais em Matrix. Desconsolado por perder uma briga, Neo pegou um telefone e falou com Niobe.

***

Lily tentava respirar e não podia. À medida que tentava sugar o ar da vida, mais e mais seus pulmões se enchiam de algo que não era bem-vindo. Sua cabeça doeu demais, como se alguém tivesse dado um tiro bem no meio de seus olhos. Ela se debateu – queria voltar atrás, queria sua cama quentinha, queria dizer à Petúnia que ela não faria mais nada com a flor, que tudo ficaria bem...

Que não seria uma aberração.

Que seria a melhor irmã do mundo.

Que seria a melhor filha do mundo.

Então seu corpo estava na agua. Lily não sabia nadar. E seus braços eram muito curtos para chegar a superfície. Mas não havia superfície. Havia uma espécie de placenta que funcionava como recipiente para a agua e o corpo de Lily – então era só quebrar aquela coisa nojenta ... Suas duas mãozinhas encontraram a gosma e ela se rompeu depois do terceiro golpe de Lily – e ela respirou o ar imensamente maravilhoso do mundo. Engasgou duas vezes. Estava livre.

Lily também estava nua. Estava molhada. E estava careca. Lily engasgou de novo. Havia algo entalado em sua garganta e tateando às cegas, Lily o puxou. Ela vomitou algo que lhe pareceu imensos fios negros enrolados, como uma fiação velha que ia até seus estomago. Aquele monte de fio caiu no recipiente e Lily tossiu por uns minutos. Seu estomago e sua garganta tinha espasmos doloridos.

Aos poucos seu corpo recuperou os sentidos – aos poucos ela sentiu partes de seu corpo repuxarem e arderem de dor. Porque Lily estava ligada em fios. Ela tinha conectores – e cada conector se ligava a um fio diferente. Tentou mexer a cabeça para ver melhor, mas sua nuca carregava o maior dos fios e quando ela tentou move-la teve câimbra automática. Lily abriu a boca num grito de agonia. Era a morte.

Como o Sr. Evans vivia dizendo, Lily iria para o inferno por fazer coisas erradas. E o inferno era cheio de coisas feias.

Era o inferno.

Era o inferno e era a morte.

Neo apareceu à sua frente vindo do céu. Estava em cima de algo que ela não reconheceu parecia um tipo de inseto voador feito de metal. Lily perdeu os sentidos. A coisa em sua cabeça martelou em uma dor tão forte e em imagens tão feias que ela rezou para nunca mais acordar.

Quando abriu os olhos, ao que lhe pareceu, instantes seguintes, estava em uma cama quentinha, ainda careca. Neo sorria, vestido bem mais simples do que no hospital. Sem os óculos, seus olhos pareciam bizarros. Ele estava de cinza, uma camiseta que lembrava um trapo.

– Bem-vinda ao lar, pequena.

Lily fechou os olhos no primeiro sono sem sonhos nem pesadelos que já tivera em sua vida. Estava fora de Matrix. Renascera.

E Neo sorriu para Niobe na Horus.

– Foi nossa missão mais especial. Ela é a pessoa mais nova a despertar de Matrix. – sorriu Neo cheio de orgulho.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Inserção" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.